|
Tania
Coelho dos Santos
taniacs@openlink.com.br
Tenho
a satisfação de apresentar aos nossos futuros leitores a aSEPHallus
- revista
eletrônica do Núcleo Sephora
,
editada pelo Núcleo Sephora de pesquisa sobre o moderno e o
contemporâneo. Nosso corpo editorial é integrado por
pesquisadores de outras universidades, reconhecidamente
qualificados e produtivos, mas que participam conosco de uma mesma
atitude com respeito à presença da psicanálise na universidade
e na cultura.
O
ensino da psicanálise nos cursos de Psicologia foi por muito
tempo dissolvido em disciplinas que focalizam as diferentes correntes, técnicas
e aplicações da psicologia. Freqüentemente, essa diluição
produz como efeito todo um conjunto de mal-entendidos que
prejudicam a transmissão da psicanálise e a formação do
psicanalista. As escolas, associações e instituições psicanalíticas
tradicionalmente assumiram a tarefa de formar psicanalistas. Desde
a criação do Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica
no Rio de Janeiro, entretanto, o ensino da psicanálise pode
conciliar-se com sua transmissão na Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Em outras Universidades do Brasil, verifica-se mesma
essa tendência. Psicanalistas, reconhecidos entre nós por sua
longa experiência, vieram desenvolver suas dissertações de
mestrado ou suas teses de doutorado, no intuito de se qualificarem
para ensinar com mais clareza, escrever melhor e principalmente
elevar os afazeres da clínica mais cotidiana à dimensão de
investigação e pesquisa.
Prosseguimos
nessa direção buscando estabelecer uma revista que respeite a
particularidade da inserção da psicanálise no campo da ciência
e que, na medida do possível, atenda às exigências da
comunidade científica
de psicologia. Nossa revista não
se furta a ser avaliada mas não abre mãos dos princípios que
ordenam nosso campo de pesquisa, o exercício de nossa clínica e
a ação do psicanalista na comunidade em geral.
Essa
preocupação é a marca da pesquisa do Núcleo Sephora. O princípio
que norteia nossa investigação é o aforismo lacaniano: “o
sujeito sobre o qual a psicanálise opera não pode ser senão o sujeito da ciência”.
Trata-se de uma delicada relação de conjunção e disjunção
entre sujeito e ciência. A clínica psicanalítica surgiu e se
transforma no rastro dos efeitos do discurso da ciência: o corpo
histérico, o sujeito do inconsciente, os novos sintomas e as
novas identificações. É preciso atualizar constantemente o
debate sobre as relações da prática psicanalítica com a ciência,
diferenciando o ponto de conjunção com a ciência que investiga,
inventa e constrói o real, do ponto de disjunção da falsa ciência
que apenas inventaria, padroniza, adapta e conforma.
Em
nossa primeira edição, Jésus Santiago e eu, traduzimos o artigo
“A era do homem sem qualidades” de Jacques Alain Miller - que relança
e atualiza essa problemática - ressaltando os efeitos de
homogeneização e de empobrecimento subjetivo e cultural que
resultam da expansão das práticas de avaliação. Baseadas no
inventário estatístico, reduzem a singularidade do sujeito ao
padrão do homem médio. O Outro absoluto, enquanto referência da
lei simbólica, foi sucedido pelo Outro que mede as variações e
determina onde está a norma, o normal. O Outro da norma é democrático,
ele pede que o sujeito se auto-avalie. Miller nos apresenta uma
tese inédita, à altura de sua inspiração foucaultiana, sobre o
surgimento de um coletivo-sujeito
como efeito da prática de auto-avaliação. Há uma ética em
ação que determina: não é suficiente produzir, é preciso
duplicar-se, colocar-se em discurso, relatar, transformar em saber
aquilo que se faz. O Outro que faz a norma não é autoritário.
Ele se confunde com o sujeito, e o sujeito, por sua vez, se funde
na coletividade. Esse novo coletivo-sujeito
prescinde do conflito com o Outro. Ele é ao mesmo tempo um eu que
executa e é também parte do Outro normalizador, uma coletividade
que observa, avalia e quantifica.
Na
contramão das práticas de auto-avaliação, os artigos de
Leonardo Gorostiza e Sílvia Tendlarz retomam a potência da
transferência. Por caminhos diferentes demonstram que o desejo do
analista não é neutro, anônimo ou impessoal. Ele mostra que a
tentação de escapar ao inconsciente é inerente ao fazer do
analista, quanto que ela demonstra que toda pretensão à
neutralidade não passa de um fantasma.
A
clínica com crianças, como nos é apresentada por Ana Lydia
Santiago e Adela Fryd é reveladora da ignorância própria ao
discurso impessoal e anônimo – aquele das falsas etiquetas
científicas - quanto aos efeitos do desejo do Outro, do discurso
da alteridade encarnada nas figuras de pai e mãe.
Uma
trilogia de artigos de Luís Castiel, Márcia Zucchi e Manuel
Gomez, resultou de uma tertúlia ocorrida em Valença (Espanha) e
nos foi gentilmente enviada por seus autores. Eles denunciam que o
Outro da ciência, que se faz passar por anônimo, impessoal e
baseado em evidências, não é neutro. Ele nos manipula
veiculando abusivamente um discurso acerca dos riscos à saúde. O
ideal de saúde não pode pautar a abordagem psicanalítica do
sintoma. Primeiramente, porque este é sempre singular. Em segundo
lugar, porque ele é um modo de tratar a angústia. E, finalmente,
o sujeito é ético e não devemos privá-lo de sua
responsabilidade.
O
artigo de Ondina Machado se dedica a pensar sobre a estrutura do
sintoma para Freud e Lacan. Destacando a profunda inflexão no último
ensino do Lacan, ela extrai uma orientação acerca de um novo uso
- que o analista como parceiro do sintoma - deve fazer dele na
cura analítica.
Em
Atualidades, trazemos o exercício bem humorado de Ricardo Seldes de
pensar sobre os impasses a que somos levados pela ofertas da
tecnologia genética e da manipulação da reprodução assistida.
Em
nossa Seção Clínica,
destacamos a reflexão de Teresa Férrer sobre o que é um pai e o
que é um homem em tempos de esvaziamento da referência ao
Complexo de Édipo.
Nossa
Resenha comenta o livro,
recém lançado em nossa língua, de Jacques Alain Miller. Ele foi
escolhido pela sua temática. Os impasses identificatórios da
modernidade tardia: a democracia homogeneizante, o declínio do
grande homem e de toda referência ao sagrado, o apagamento das
diferenças identificatórias, o surgimento de híbridos.
Nossos
agradecimentos a todos os autores que gentilmente nos confiaram
suas contribuições.
|