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Este
artigo baseia-se numa tese
de doutorado que busca trabalhar a concepção de sinthoma, tal
como proposta pelo último Lacan, e tirar dela as conseqüências
para uma clínica psicanalítica do sujeito contemporâneo.
Estabeleço
a diferença do mundo moderno em relação ao mundo contemporâneo.
Situo o primeiro como aquele que foi marcado pelo advento da ciência
que instala o poder da razão e questiona a autoridade simbólica
do pai. Com isso a ciência promove a desautorização das figuras
sustentadas na tradição. O declínio do poder de Deus atinge seu
representante terreno: o pai de família. Isto tem conseqüências
na organização social, política e familiar; a moral perde força
como bem maior de um indivíduo. A psicanálise surge nesse
momento em que a contestação ao pai e à moral criam conflitos e
fazem sintomas. A psicanálise entra no mundo para autorizar o
desejo e sua difusão corrobora o declínio, já em marcha, da função
paterna.
O
mundo contemporâneo radicaliza as conseqüências da modernidade
fazendo com que os valores morais e a hierarquia sejam substituídos
pela liberdade individual como bem supremo. Esta modificação faz
com que o ideal perca valor em relação ao objeto que, inserido
na lógica capitalista, ascende ao zênite social. Como conseqüência
os conflitos em relação aos ideais paternos são substituídos
na contemporaneidade pela compulsão ao gozo. Assim podemos situar
a clínica atual como diferente da clínica freudiana,
necessitando de remanejamentos conceituais que orientem uma prática
que alcance as novas subjetividades.
1.
A carne do sintoma
Para
chegar à clínica do sujeito contemporâneo examinei a concepção
de sintoma em Freud e no primeiro Lacan. Em Freud destaquei a
implicação da pulsão no sintoma e para isso fiz uso dos casos
paradigmáticos das duas grandes neuroses – histeria e obsessão:
o caso Dora e o Homem dos ratos. Na histeria o sintoma se
apresenta como defesa contra o desejo recalcado, que para se
manter recalcado precisa encontrar uma forma de descarga. O
sintoma se faz por um mecanismo de substituição, onde o desejo
se satisfaz no sintoma. Já na neurose obsessiva o sintoma é uma
resposta a uma satisfação insuportável, ele expressa a luta
entre a satisfação e a defesa combinando as duas de forma a
obter satisfação na própria defesa. Assim, o que se satisfaz no
sintoma é a pulsão e esta sempre se satisfaz. Para o modelo da
histeria a interpretação do desejo recalcado dava conta do
sintoma, porém o mesmo não acontecia na neurose obsessiva. É
nela que se articula de forma mais evidente o caráter
intransigente da pulsão.
Em
Lacan, privilegio as suas primeiras concepções do sintoma,
dividindo-as em sintoma como mensagem e sintoma como sentido e
gozo. Como mensagem o sintoma pode ser dissolvido pela interpretação
porque ele é estruturado como linguagem. Esta maneira de entender
o sintoma é de grande importância histórica, pois tenta
combater uma série de ilações dos pós-freudianos que levavam a
psicanálise para um campo muito próximo da adivinhação,
desconsiderando as postulações freudianas sobre a expressividade
do sintoma. É neste sentido que Lacan retoma a diferença entre o
latente e o manifesto através da concepção da fala como plena e
vazia, considerando a primeira como expressão do inconsciente e a
segunda como expressão do eu. Esta forma de entendimento
possibilita lidar com o sintoma como um sentido aprisionado que a
interpretação irá libertar. Ela marca um momento do ensino de
Lacan onde o gozo era concebido como imaginário fazendo barreira
à ordem simbólica e desarticulado do significante.
Posteriormente, o gozo passa a ser significantizado e a pulsão
passa a sofrer os efeitos da linguagem. Isto restringe a satisfação
pulsional a termos simbólicos e a reduz ao desejo.
Já
o sintoma como sentido e gozo coloca-o num sistema de escrita,
portanto, aponta para algo no sintoma que transcende à significação.
O sintoma, agora, não se esgota na significação produzida no
lugar do Outro, há nele uma vertente que se liga ao significante
na forma de letra, ou seja, há uma coordenação do gozo do corpo
com o significante. É desta concepção do sintoma que surgirá,
nos anos 70, o sinthoma como identificação ao próprio gozo.
2.
Identificação
Partimos
da definição freudiana de que “a identificação é conhecida
pela psicanálise como a mais remota expressão de um laço
emocional com outra pessoa”.
Com ela acompanhamos os desdobramentos feitos por Lacan, pois
entendemos que ela é o fio condutor que o fará, ao longo de seu
ensino e a cada vez, ressaltar um aspecto ou outro.
Destacamos
três momentos da identificação em Lacan. O primeiro entenderá
essa outra pessoa, à qual Freud se refere, como o pequeno outro
semelhante, na forma de uma imagem refletida; é o tempo do estádio
do espelho de 1949. Num segundo momento, temos a identificação
ao significante do grande Outro, período da predominância do
simbólico. No terceiro Lacan entenderá que nessa relação há
um resto que situa o sujeito como objeto, é o tempo da alienação-separação
do Seminário 11.
No
segundo momento destacamos a identificação ao significante a
partir de diferentes aspectos: como identificação ao traço do
Outro, este traço como unário e a relação do traço unário
com o ideal. Nelas a identificação é tratada por um vetor que
orienta o sujeito em relação ao Outro, porém, há um outro
aspecto que tenta dar conta da identificação como uma forma de
inclusão do sujeito no campo do Outro. Trabalho este aspecto
levando em conta um exemplo fornecido por Miller em Los
signos del goce
em que um paciente diz: “queria ser um alho-poró para ser
colocado em fila como as cebolas”. Esta frase nos serve para
explicar o paradoxo que é a inclusão do sujeito no Outro: ser
incluído na condição de não sê-lo. Ele quer ser o que não é
para ser incluído no Outro, porém, não quer abrir mão de uma
particularidade suposta: quer estar na réstia de cebolas sem ter
as raízes que as cebolas têm. Isto mostra o paradoxo do sujeito
que se supõe alho-poró, mas é cebola, e que, aprisionado nesta
‘identificação desafortunada’, pensa ser o que não é, não
se percebe incluído no Outro porque faz dessa distinção radical
o seu bem maior. O traço unário representa justamente isto: a
conjunção do sujeito com o Outro, que é negada por uma miragem
de distinção, colocando-o sob o comando do Outro tanto mais
quanto ele o negue. Nas novas subjetividades essa miragem de
distinção chega ao paroxismo, porquanto todos querem ser exceções,
o que acaba promovendo mais e mais a segregação.
O
paradoxo está no fato de a existência do sujeito se dar pelo
significante, sendo exatamente o significante que o marca como
inexistente: ao se representar para outro significante, o sujeito
desaparece sob esse outro significante, e precisa de um outro ao
qual sucederá o mesmo. Esse movimento marca o sujeito como um
eterno vir a ser, razão pela qual tem sempre de retomar o
caminho.
A
identificação ao traço unário depende diretamente do
significante. Este significante é aquele tomado do Outro para
suprir a falta estrutural de uma significação que dê conta do
sujeito. Esse significante é o Ideal do eu freudiano que localiza
o sujeito numa série, numa descendência. Porém, a identificação
como representação impõe ao sujeito tomar o Outro como referência
e, assim, buscar nele a sua significação. Por essa via, o
sujeito é lançado em especulações em torno do desejo do Outro
e a fazer desse desejo o seu próprio. A fantasia incidirá nessas
especulações como resposta ao que o Outro quer do sujeito.
Assim, pela via da representação significante, o sujeito se
articula ao Outro tendo a fantasia como seu mediador.
A
terceira concepção diz respeito ao processo alienação-separação.
Nele Lacan distingue e articula dois tipos de identificação: uma
identificação por representação e outra com o objeto.
A
alienação trata da reunião do conjunto sujeito com o conjunto
Outro, mostrando que o sujeito é originalmente conjunto vazio e
que no campo da reunião ele se constitui pelo significante tomado
do Outro. O decisivo na alienação é que se opera uma exclusão:
ou do ser do sujeito ou do sentido.
Já
a separação situa o sujeito como duplamente faltoso: falta de um
significante no Outro que dê conta do sujeito e falta de gozo
devido as pulsões serem sempre parciais.
É
neste contexto que Miller vai situar o sujeito definido como
significante e gozo. Para ele o $ barrado escreve estas duas
vertentes do sujeito: como conjunto vazio apela ao Outro em busca
de um complemento significante e como sujeito de gozo aponta para
um esvaziamento de gozo produzido pelo significante. Assim, Miller
vai deduzir que há uma relação do sujeito com o gozo pela via
da fantasia e outra pela via da pulsão. É isto que lhe permitirá
propor que a orientação para o real vá além da fantasia, já
que existem dois complementos para o sujeito: o significante e o
gozo. Este esclarecimento possibilita a Miller trabalhar com o
conceito de insígnia. Nele S1 está em coalescência com 'a', ou
seja, a insígnia é equivalente ao sinthoma, pois grafa o sujeito
do significante articulado ao gozo.
Este
é o ponto sobre a identificação que nos dará a base para
pensar a prática clínica com o sujeito contemporâneo.
3.
O gozo
Trabalhando
com o texto de Miller Os
seis paradigmas do gozo,
propomos reduzi-los a dois: a mortificação do gozo pelo
significante e a vivificação do gozo pelo significante. A tese
da mortificação se estende do Lacan que tomava o simbólico pela
via do imaginário, até o período mais longo de seu ensino onde
privilegia o simbólico. Nela o significante mortifica o gozo,
porque lhe imprime uma perda: ao entrar na cadeia significante o
gozo perderia sua força pulsional.
A
tese da vivificação se caracteriza por uma inversão de
perspectiva onde o significante que antes mortificava o gozo agora
o vivifica. Esta perspectiva começa a ser esboçada no Seminário
17, quando Lacan mostra que a satisfação pulsional se estende
aos objetos da cultura, e se apresenta mais claramente no Seminário
20 quando Lacan formula que o significante “é causa de gozo”,
tese que terá repercussão na teoria do sinthoma.
Essa
virada só foi possível porque Lacan passou a conceber a língua
como uma estrutura secundária ao que ele denominou a alíngua. A
alíngua visa o gozo, em contraste com a língua que visa a
comunicação.
Considero
também que a vivificação do gozo tem por base o axioma “a
relação sexual não existe”. Entendo isso por duas vertentes:
uma que mostra a defasagem entre o gozo esperado e o gozo obtido e
outra que diz respeito às diferenças entre o modo de gozo do
masculino e do feminino. Aponto as considerações sobre o modo de
gozo do feminino como facilitadoras para a postulação de que o
significante é gozo. Brevemente podemos apontar o modo de gozo
masculino como fetichista, pois ele está fixado a um único
objeto, donde podemos concluir que na fantasia todo homem é fiel
pois goza sempre com a mesma mulher. Em contraste temos o gozo do
feminino que se situa na perspectiva da resposta a uma demanda de
amor, ou seja, o gozo feminino vincula o gozo ao significante -
“ falar de amor é, em si mesmo, um gozo” diz Lacan, e Miller
completa “ para amar é preciso falar; o amor é inconcebível
sem a palavra”.
Destas
postulações sobre o gozo derivam importantes questionamentos
sobre a prática analítica, em especial a prática com os
sujeitos contemporâneos justamente devido à particularização
do gozo, tal como se apresentam nestes sujeitos.
4.
O osso do sinthoma
O
eixo dessa discussão é o Seminário XXIII onde Lacan toma o
escritor irlandês James Joyce como paradigma para pensar uma
forma de amarração dos três registros que não pelo universal
do Nome-do-pai. Destaca-se
no Seminário 23 algumas noções que considero importantes para a
argumentação que apresento ao final. Considero a foraclusão do
Nome-do-pai como separada da foraclusão de sentido no real para
enfatizar a postulação de Lacan de que o real é sem lei, que
nele está foracluído o sentido. A foraclusão do sentido está
para todos o que faz com que ela se configure mais como uma falha
do que como falta. É a esta falha no real que o sinthoma vem
responder como defesa. Mas em Joyce, Lacan diz que o que operou
foi uma foraclusão de fato do Nome-do-pai. A solução dada por
Joyce a esta foraclusão é usada por Lacan como paradigma para
pensar como se proteger do real quando não há o Nome-do-pai como
recurso. Esta tese é fundamental para pensar as novas
subjetividades na medida em que reconhecemos que nelas este
recurso também está ausente. Advogo que não é tanto a loucura
de Joyce que importa e sim o modo como ele conseguiu se manter estável.
Este modo, segundo Lacan, foi fazer de seu nome uma arte. Este é
o recurso que Lacan privilegia nesse seminário e que faz com que
ele seja fundamental para pensar o sujeito contemporâneo. Há um
saber-fazer com isso que falha, um saber fazer com os pedaços de
real, com o sinthoma. O sinthoma é o quarto elemento do nó de
quatro que possibilita ao nó uma certa estabilidade. No neurótico
freudiano esta função é exercida pelo pai, e na falta dele algo
tem que ser inventado para cumprir essa função. O saber-fazer é
um artifício diante do sem sentido do real, é um saber que nos
escapa sob a forma do saber, é um saber que só se sabe ao fazer,
portanto, não é fruto do pensamento, é fruto da ação responsável.
No
nosso entendimento há foraclusão para todos, não a do
Nome-do-pai, mas a do sentido no real. A foraclusão do
Nome-do-pai desabona o sujeito do inconsciente, enquanto a
foraclusão do sentido funda o inconsciente. Assim, entendemos que
o sinthoma, propriamente dito, faz suplência a essa foraclusão,
não a do Nome-do-pai, o que não nos impede de tomar o sinthoma
como modelo para pensar os artifícios que podem ser utilizados
para a foraclusão do Nome-do-pai.
Se
o sinthoma é o que dá estabilidade ao nó podemos nos perguntar
se só há sinthoma no final da análise. Para tentar responder
apresento a idéia do sinthoma já incluído no sintoma, porém, só
em potência, faltando uma causa eficiente, o trabalho de análise,
para atualizá-lo. Deste modo é só no final de análise que
podemos reconhecer no sinthoma a sua potência.
Para
demonstrar o final de análise e o que fazer com o que resta da
operação analítica faço uso do depoimento de passe de
Veronique Mariage.
Nele fica demonstrado que é o desejo do analista que dá a
orientação para o real. Tal como avançou Coelho dos Santos
(2002),
o gesto do analista marca uma forma de saber-fazer que toca o
real. É isso que se espera de um analista: que ele saiba fazer
com o real no tratamento. É o saber-fazer, que exclui qualquer standard,
que nos possibilitará renovar a psicanálise e assim aplicá-la
às novas subjetividades.
5.
O sujeito contemporâneo e sua clínica
Parto
da formulação de Miller
sobre o discurso da civilização contemporânea onde o objeto está
no lugar de agente (aà
$). Quanto ao que orienta os sujeitos desbussolados pelo discurso
da ciência na atualidade, Miller deduz que é o objeto a, o que
se contrapõe aos ideais do sujeito moderno, a partir de onde
podemos entender a proliferação, hoje, das compulsões. Esse
discurso se configura tal qual o discurso do analista, o que
coloca imediatamente em dúvida o lugar do analista como causa de
desejo.
6.
O mundo não-todo
O
Outro da atualidade não é o Outro todo da modernidade, pois não
temos mais a garantia de que a função de exceção do pai
confirma a regra para todos. Sem essa função operando como
barreira ao discurso da ciência, não há sujeito sujeitado ao
ideal.
O que temos hoje é um mundo não-todo, um mundo onde não há um
universal para orientar o sujeito, o que estimula as soluções
particulares. O não-todo não é o mundo onde falta alguma coisa,
pelo contrário, é o mundo onde tudo está disponível para ser
comprado. Ele é não-todo porque não articula a identificação
a um S1. Na verdade existe um enxame de S1, uma multiplicidade que
impele o sujeito a identificações ad
hoc, identificações que negam a herança paterna, portanto,
a via do ideal. A multiplicidade identificatória dificulta a
estabilidade da identificação fazendo com o gozo do sujeito seja
lastreado pelo mercado de consumo.
O limite ao gozo era dado pelo ideal da renúncia, o que fazia com
que a pulsão pudesse derivar. O que observamos hoje é uma busca
compulsiva, onde não há limites ao gozo. Isso não quer dizer
que goza-se mais hoje que antes, porque na verdade o sujeito está
totalmente submetido a um supereu que o obriga a gozar.
O
mestre da modernidade, em quem se podiam apontar os furos, se
contrapõe, nos dias atuais, a um Outro sem falta, sem furos. O
capitalismo selvagem, como o mestre contemporâneo, fabricou um
supereu que não limita, mas sim impele o sujeito ao gozo: é o
“não posso abster-me” de gozar. O gozo é tóxico
e a angústia serve de defesa contra esta toxidade. Segundo
Laurent
esta angústia tenta refazer o todo, tenta refazer a identificação
ao S1, porém, fracassa porque o sujeito está descrente do Outro.
7.
O sujeito contemporâneo
Costumamos
dizer que o sujeito contemporâneo é um desinibido, porém a
desinibição não quer dizer não inibição, quer dizer que há
um franqueamento no supereu que derruba as barreiras do gozo como
privado, fazendo com que ele seja experimentado e exibido na
esfera pública: todas as formas de gozo podem ser compartilhadas
e exibidas pela Internet, não há nada que não se encontre nela.
A
angústia é prevalente no dias atuais porque entre sujeito e
Outro não há um distanciamento. Lacan coloca a angústia entre
desejo e gozo, justamente neste espaço que vemos hoje apagado.
Como conseqüência temos o sujeito identificado ao objeto, ele se
holofrasea com o objeto.
Os
novos sintomas se caracterizam por essa emergência da angústia,
pois o Outro dos nossos dias não faz barreira ao gozo pela exigência
da renúncia. No Outro de hoje não há a opacidade necessária à
produção de um enigma e, conseqüentemente, fica vetada qualquer
tentativa de interpretação do desejo. O que se torna deficitário
é o laço simbólico do sujeito com o Outro, dele restando apenas
a face violenta do supereu como imperativo de gozo. No regime do
pai, o significante Nome-do-pai funciona como uma interpretação
do desejo da mãe. Se o pai não funciona o sujeito fica diante de
um desejo sem possibilidade de significação, como sublinha Maurício
Tarrab, parafraseando Lacan (Seminário XVII),
“a grande boca do desejo materno é a grande boca
consumidora correlativa ao declínio do pai”,
o que impulsiona o sujeito a consumir e consumir-se.
Apresento
na última parte um ensaio para uma prática clínica com o
sujeito contemporâneo. Se antes ao analista cabia o lugar de
causa do desejo, visando pôr em ação a rede simbólica para
extrair os significantes de comando e deles desvincular o sujeito.
A análise visava tirar do sujeito o peso dos ideais paternos, as
limitações que o supereu impunha sob a forma do recalque, enfim,
demonstrar a inconsistência do Outro.
A
prática de hoje nos exige criar um laço do sujeito com o Outro a
partir de seu próprio gozo, ou seja, instalar ou reciclar, como
propõe Vieira,
o objeto ‘a’ entre o sujeito e o Outro. A inconsistência do
Outro os aproximou perigosamente, não restando entre eles um espaço
onde o desejo se conecte a uma causa, ele se conecta tão somente
ao próprio objeto. Como fazer o sujeito suportar essa inconsistência,
já que não dá para voltar a fita? Como fazer para que o sujeito
não se deixe dominar pelo imperativo de gozo?
Segundo
Miller
os elementos do discurso da civilização atual estão dispersos e
só na psicanálise pura eles se ordenam em discurso. O que deduzo
daí é que a dispersão é a experiência do real suscitada pelo
discurso que tem apenas o objeto em posição fixa. O sinthoma
como modo de amarração subjetiva é o que a psicanálise tem a
oferecer, buscando para cada um uma fixação, uma ordenação.
Parece-nos que essa operação responde ao desbussolamento do
sujeito, pois, ao dar lugar aos elementos dispersos, dá um norte,
um norte singular, porém um norte. Essa argumentação está na
filiação do sinthoma como elemento articulador, enodando os
registros do real, simbólico e imaginário. Articulando os
elementos dispersos, o sinthoma daria corpo ao sujeito
desbussolado ao conectá-lo com seu próprio gozo.
Se
o sujeito não está mais comandado pelo S1, a interpretação que
vise localizar este S1 anda a esmo, pois seu alvo não comparece
na fala do sujeito. Por outro lado, temos a idéia da localização
do gozo, da extração do objeto que permite ao sujeito uma separação
e uma constituição, aí sim, subjetiva. Temos a palavra oracular
como um modo de fala, portanto, de simbólico, que demonstra potência
em relação aos pedaços de real. Temos também, na vertente do
ato analítico, o gesto e a entonação sustentando uma fala que não
vise o sentido, mas sim o gozo.
E temos o equívoco como um modo de perturbar a defesa contra o
real. Mas qual posição o analista deve ocupar para que essas táticas
surtam efeito? Qual a estratégia possível?
Nesses
casos, o analista no lugar de causa de desejo poderá se declinar
para um analista como causa de sintoma. O analista, nessa posição,
estará mais próximo de complementar o sintoma fazendo-se de
parceiro do sujeito. Baseado na estratégia da parceria, o
analista poderá sustentar a crença no sintoma e na
particularidade do gozo. Para Laurent, “passar da crença no
pai à crença no sintoma é uma ambição da psicanálise do
nosso tempo”.
À
guisa de conclusão defendo a idéia de que a clínica do sinthoma
possibilita que a psicanálise responda aos desafios da atualidade
não só em relação ao sujeito contemporâneo, mas também
quanto a sua inclusão na pólis.
REFERÊNCIAS:
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precisa de análise hoje?
O discurso analítico: novos sintomas e novos laços sociais.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001
_________
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p.153-168, 2002
_________
O que não tem remédio
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Sigmund- Psicologia
de grupo e a análise do ego, 1921: Edição
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_________
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do psicanalista, Rio de Janeiro, EBP-RJ, n. 9, p.9-25, 2004
_________
O efeito “falsa ciência”
do cognitivismo. Opção
Lacaniana, São Paulo, n. 42, p.44-48, fevereiro, 2005
MARIAGE,
Veronica- Quando está escrito... Opção
Lacaniana, São Paulo, n.33, p.27-30, junho, 2002
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A voz (via/vozes/voto) do tédio. Opção
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MILLER,
Jacques-Alain- Los
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Os seis paradigmas do
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_________
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TARRAB,
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VIEIRA,
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_________
Objeto e sintoma: arranjando-se com o lixo. In: XVI JORNADA CLÍNICA
da EBP-Rio, julho, (2005B).
O que apresentamos a seguir é um resumo da tese de doutorado A
Clínica do sinthoma e o sujeito contemporâneo, defendida
em 30 de setembro de 2005, orientada pela Profa. Tania Coelho
dos Santos e desenvolvida no Núcleo Séphora de pesquisa
sobre o moderno e o contemporâneo, do Programa de Pós-graduação
em Teoria Psicanalítica da UFRJ.
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