Isepol - Instituto Sephora de Ensino e Pesquisa de Orientação Lacaniana

Sintoma e estrutura

Sintoma e estrutura

Segmento de Dissertação de Mestrado de Flávia Lana Garcia de Oliveira: "O sintoma e seu estatuto na psicanálise: considerações sobre a clínica do significante" – UFRJ/PPGTP/RJ/2012
Para a psicanálise, o sentido do sintoma só pode ser inferido se remetido à estrutura psíquica que organiza as relações do sujeito com o mundo. A manifestação sintomática pode ser comparada à ponta de um iceberg cuja base é a posição subjetiva que o sujeito assume frente à realidade da castração. A clínica do significante, tal como formalizada por Lacan ao longo da década de 1950, respalda-se num diagnóstico estrutural que possui como critério fundamental a ausência ou a presença do significante do Nome-do-Pai.
A partir das considerações lévi-straussianas, Lacan (1956-57/1995) compara a estrutura ao mito, na medida em que ambos articulam-se como algo que em si não significa nada, mas que carrega toda ordem de significações, como uma tentativa de articular a solução de um problema. Para a psicanálise lacaniana, o Nome-do-Pai é o operador simbólico que enlaça os três registros ao metaforizar a relação imaginária entre a criança e a mãe ancorando o real da diferença sexual na significação fálica. Neste processo, propicia-se ao sujeito a subjetivação de seu lugar na partilha dos sexos.
Pela via da assimetria geracional e da diferença sexual, o complexo de castração e a lei da interdição do incesto conferem à ausência de um objeto que arremate o circuito desejante o estatuto de potência civilizatória. A constituição do desejo depende da inscrição simbólica da falta de um objeto que satisfaça o desejo materno. Esse desejo, como desejo outro, do Outro, é nomeado pela lógica fálica nos destinos da metáfora paterna como desejo de falo. Assim, é preciso que o sujeito tome seu lugar na linguagem, o que não é desvencilhado de dificuldades estruturais. O surgimento da psicanálise ocorre justamente com a percepção freudiana de que o reconhecimento do desejo do Outro pelo sujeito não é desacompanhado de um intenso processo defensivo. Sabemos que nos textos finais de sua obra, Freud distingue com mais exatidão as modalidades de defesa subjacentes às neuroses, às psicoses e às perversões denominando-as, respectivamente, pelos mecanismos do recalque (Verdrängung), rejeição (Verwerfung) e desmentido (Verleugnung). Essas grandes categorias estruturais que designam três formas gerais de resposta à questão do desejo consolidadas a partir dos efeitos constituintes do real da falta sobre o sujeito. Os sintomas são indicadores desses embaraços estruturais que, ao mesmo tempo, formam uma aparelhagem significante que regula as relações do sujeito com o gozo. Sua importância para o campo psicanalítico deve-se menos ao seu aspecto fenomenológico e muito mais à sua inserção na dinâmica que sustenta a realidade psíquica para cada indivíduo.
Portanto, o estudo da concepção psicanalítica do sintoma não encontra sua pertinência pela via do empirismo radical que observamos nos manuais atuais de psiquiatria, mas sim pela máquina simbólica que o determina e o vincula a uma teoria do sujeito. Mostraremos a seguir que, neste paradigma, quando os significantes Nome-do-Pai e falo vacilam, em graus e nuances variados, o sintoma passa a presidir a relação com a realidade. Tentaremos lançar luz à função do sintoma em cada uma das declinações estruturais.
O sintoma-delírio na psicose:
Lacan (1955-56/2008; 1957-58/1999) destaca o caráter exemplar da estrutura psicótica no que diz respeito às consequências da falta essencial do Nome-do-Pai e de toda sua operação lógica, na medida em que as psicoses revelam o funcionamento significante sem este ponto de ancoragem. Na resposta psicótica, ocorre uma rejeição radical (Verwerfung) da falta desejante. Sua manobra estrutural põe em evidência que a dimensão sexual, com tudo o que ela comporta de traumático, não foi introduzida pelo significante paterno, nem simbolizada no devido momento na engrenagem edipiana. Os chamados fenômenos elementares atestam que, o que é abolido da inscrição simbólica, retorna diretamente do real com poderes devastadores. A metáfora delirante surge como uma resposta protética bordada em um uso neológico do sentido que articula o imaginário, com vistas à integração simbólica.
Desta perspectiva, a psicose resulta da ausência do mediador simbólico que permitiria localizar o gozo no atravessamento dos impasses relativos à diferença sexual sob a rubrica da lógica fálica. Para o psicótico, a ameaça de castração retorna no real, sem o tratamento psíquico que é proporcionado pela ordem simbólica. O mecanismo da Verwerfung, utilizado por Freud para definir a modalidade psicótica de defesa, é recuperado por Lacan (1955-56/2008) à luz do termo forclusion – em português, usa-se o termo foraclusão ou forclusão. Trata-se de um empréstimo feito à nomenclatura jurídica, na qual esse nome é aplicado para designar a prescrição de um processo. No âmbito da jurisprudência, este termo é utilizado indica que um processo, não tendo ocorrido nos prazos estabelecidos pela lei, perde seu lugar no registro simbólico, assim como a possibilidade de recurso. De fato, transpondo semelhante lógica para o tema da psicose, pode-se considerar que, nesta situação, a possibilidade da subjetivação da castração escapou de forma irreversível.
Desse modo, a estrutura psicótica evidencia o impacto que a realidade da castração – a princípio revelada pela castração materna – tem sobre o sujeito, se não for assimilada pelas vias oferecidas pela ordem simbólica. Na leitura lacaniana, a castração materna deve ser inicialmente levada para o exterior (Austossung), após a afirmação primordial da falta (Bejahung). Por meio da Austossung, a ausência de objeto é expulsa para fora do sujeito, constituindo o real como um registro que subsiste fora da simbolização. Este exterior que sucede a subjetivação da falta enseja todas as criações simbólicas subsequentes pela tendência ao reencontro do objeto perdido, orientando o desejo humano em direção aos objetos da realidade. Entretanto, na psicose, a ausência radical da Bejahung implica a não-simbolização da perda. Assim, o gozo não é metaforizado pela transmissão da castração. O mecanismo da Verwerfung se distingue da Verdrängung já que o recalque neurótico decorre da inscrição fálica pela intervenção pela metáfora paterna na travessia da crise edipiana. Na neurose, a sexualidade recalcada, como fato de linguagem expresso na cadeia significante estruturante do inconsciente, se ordena e se desenrola como discurso do Outro, retornando e causando as significações no campo do sujeito, isto é, nos sintomas neuróticos e nas demais formações do inconsciente. Devido à foraclusão do significante do Nome-do-Pai, o psicótico não conta com essa decisiva ferramenta simbólica. A dinâmica da sexuação não se inscreve, passa ao largo de qualquer registro psíquico. Nesse sentido, em “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose”, Lacan (1958/1998) observa que:
A Verwerfung será tida por nós, portanto, como foraclusão do significante. No ponto em que, veremos de que maneira, é chamado o Nome-do-Pai, pode pois responder no Outro um puro e simples furo, o qual, pela carência do efeito metafórico, provocará um furo correspondente no lugar da significação fálica (p. 564).
Em sua perspectiva, esta é a questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. Com efeito, este não é o início da história de Lacan com este tema. Anos antes, durante seus estudos psiquiátricos no Hospital Sainte-Anne, a paranoia já havia despertado seu interesse clínico e teórico. Em 1932, seus estudos culminam na defesa de sua tese de doutorado, a qual se baseou no caso de Marguerite Pantaine, conhecido como Caso Aimée, cujo diagnóstico atribuído por Lacan foi o de psicose paranoica. (Roudinesco, 2008). Posteriormente, o tema da paranoia também norteia suas primeiras formulações acerca da teoria do estádio do espelho. Nos anos de 1950, o que dá ensejo a toda construção da lógica do significante são precisamente os efeitos da ausência de seu significante mestre. Ao contrário de Freud, que percebe campo das psicoses como praticamente estéril, para Lacan, como podemos ver, este é um tema fecundo que propicia valiosos ensinamentos.
Reportando-se à paranoia de Schreber, Lacan ressalta que o evento decisivo para a precipitação desta psicose foi sua nomeação para o importante cargo de juiz-presidente do Tribunal de Apelação. Neste momento, Schreber é convocado a tomar posse de um lugar ao qual é conferido considerável autoridade simbólica. A consequência desta exigência profissional, por requisitar uma resposta alicerçada no Nome-do-Pai, é o desencadeamento de um surto sob a forma de vozes e alucinações. Em outras palavras, o gatilho da crise psicótica é a evocação de Um-pai, isto é, um terceiro chamado a responder em uma estrutura dual e imaginária, na qual a função simbólica se encontra ausente, foracluída (Lacan, 1966[1958a]/1998). Seguindo a orientação lacaniana, podemos nos interrogar então: o que estrutura o sujeito no processo psicótico? Qual o efeito no imaginário desse apelo, em vão, feito à metáfora paterna? O sintoma delirante se configura como uma saída inédita diante dos impasses que retornam para o sujeito do real. O delírio se caracteriza pela poliferação de elementos imaginários, esboçando uma mediação alternativa à fálica para a contenção do gozo. Se a primazia do simbólico reedita os conflitos imaginários (pregnados pela agressividade e pela rivalidade com o outro semelhante) justapondo-os pelas relações simbólicas vinculadas aos ideais coletivos e referidas à lei do Outro, no psicótico, esta função é inoperante. O corolário disso é a instalação de um total descompasso entre os dois registros, com uma tendência positiva à predominância do imaginário. A ênfase freudiana da função do delírio como tentativa de cura e como remendo na relação do sujeito com a realidade é elucidada nesta perspectiva. O delírio representa o registro imaginário em estado desenvolvido. Por essa via, o psicótico ensaia alguma estabilização, experimentando precariamente alguma integração simbólica. A esse respeito, assinala Lacan (1966[1958a]/1998):
É a falta do Nome-do-Pai nesse lugar que, pelo furo que abre no significado, dá início à cascata de remanejamentos do significante de onde provém o desastre crescente do imaginário, até que seja alcançado o nível em que significante e significado se estabilizam na metáfora delirante (p. 584).
Em Schreber, verificamos o exemplo emblemático de uma catástrofe crescente no registro imaginário em consequência da foraclusão da metáfora paterna. Inicialmente, seu delírio primário de ser transformado em mulher é um delírio sexual de perseguição – no qual tal transformação é experimentada como abuso sexual. Este paranoico se vê como objeto perseguido pelo Outro gozador. Gradativamente, no entanto, adquire um caráter místico, a serviço de altos desígnios, se tornando um delírio religioso de grandeza. A nova configuração adquirida é menos um agravamento da doença e muito mais uma solução de conflito. No ponto culminante de seu sistema delirante, Schreber assume o papel de redentor, cuja missão seria redimir o mundo e restituir a humanidade ao seu “estado perdido de beatitude”. Daí em diante, sua psicose vai se estabilizando paulatinamente. Esta é uma tentativa de cura por grampear, ainda que de forma insólita o significante ao significado, estabelecendo, assim, uma metáfora delirante. Arrivé (2001) sublinha a dificuldade de conciliar estas duas hipóteses, isto é, como, na psicose, a não inscrição da metáfora paterna pode constituir uma metáfora delirante. Cabe ressaltar que nem todo psicótico consegue organizar-se através de uma ficção delirante tão sofisticada quanto a de Schreber. O delírio será sempre uma metáfora frágil, simbolicamente precária, embora, assim como o sintoma neurótico, seja uma solução para o sofrimento psíquico. Tem efeito moderador de gozo, já que o inconsciente não funciona, encontra-se a céu aberto (Lacan, 1955-56/1998).
Desse modo, tal como podemos observar em Schreber, a experiência da autonomia do significante tem efeitos de fragmentação corporal, frente à qual a compensação delirante tenta garantir ao sujeito alguma identidade. No caso de Schreber, onde se alcança um elevado grau de elaboração delirante, a mobilização do gozo que o invade ganha uma primeira significação em torno da ideia de como seria belo ser uma mulher no momento da cópula. Se, primeiramente, o lugar do Outro gozador é ocupado por seu médico (Dr. Fleschsig), progressivamente uma estabilização é alcançada por seu deslocamento para a figura divina. A crença megalomaníaca de que seria o motivo futuro de uma redenção do mundo fornece a significação que o estabiliza definitivamente.
Miller (2003) distingue o uso do termo delírio em seu sentido patológico do que ele considera como um delírio normal. Ambos são entendidos por este autor como ficções sociais, designadas como montagens que resolvem problemas colocados pelo aparelho psíquico. O diferencial dos delírios psicóticos reside no fato de que “eles são obrigados a fazer esforços totalmente desmedidos para resolver problemas que, para o normal ou o neurótico, são resolvidos pelos discursos estabelecidos” (Miller, 2003, p. 15). Assim, o delírio psicótico denota um esforço de invenção de Um-sozinho, em uma lógica não compartilhada. A metáfora delirante é tecida a partir de remendos imaginários capazes de criar uma significação compensatória face à carência do suporte simbólico predominante.
Lacan aborda a loucura de Schreber a partir da fenomenologia de sua linguagem, tal como esta se apresenta em seu livro anteriormente analisado por Freud, “Memórias de um doente de nervos”. Sua tese é a de que o psicótico não está fora da linguagem. Nestes casos, o significante se apresenta em sua forma radical e pura no real, sem se remeter a mais nenhuma significação, pois não circula na cadeia. Portanto, na experiência psicótica, significante e significado se apresentam de forma completamente dividida, o que evidencia as últimas consequências da propriedade do significante lacaniano de ser, por excelência, desprovido de qualquer vinculação natural e simpática ao significado. Quando estes pontos de ligação fundamentais, convencionalmente estabelecidos, inexistem, é o fenômeno psicótico que se faz presente. Somente na psicose, a corrente contínua do significante encontra independência (Arrivé, 2001). A lógica fálica ordena o acoplamento entre significante e significado nas veredas do desejo e da castração. Ainda que de forma encoberta, o neurótico testemunha a experiência do inconsciente como o lugar do discurso Outro recalcado. Como vimos, este Outro, embora desconhecido, determina o sujeito, na medida em que este recebe dele sua mensagem de forma invertida. Essa é a condição para que o sujeito se constitua como sujeito do significante. Contudo, os fenômenos elementares da psicose se estabelecem em um registro distinto. Lacan (1955-1956/2008) enfatiza que “na fala delirante, o Outro está verdadeiramente excluído, não há verdade atrás” (p. 67).
Assim, como não ocorre a inscrição simbólica da falha do Outro, este é vinculado a um gozo avassalador, vindo de fora, do qual o psicótico precisa se defender. Portanto, o Outro desempenha uma função distinta na experiência psicótica. Não é recalcado, nem é aquele cuja fala é recebida pelo sujeito de forma invertida, mas sim no nível do semelhante especular, no circuito a-a’, se apresentando através das vozes e das alucinações. Estes fenômenos são emissões provenientes do outro, contendo assim os elementos essenciais do código compartilhado empregados em um neocódigo. É o que demonstra as vozes que proferem a língua fundamental (Grundprache) para Schreber. Embora o delírio possa ser compreendido como uma tentativa de restituição, é composto pelo significante nu, desarticulado da cadeia significante e desprovido dos desdobramentos da significação no campo do desejo. Por isso, Schreber é um escritor, mas não é um poeta. A função significante emerge sem máscaras. Ao mesmo tempo, possui um caráter congelado, que não permite mobilizações, nem metaforizações as quais só podem advir pela inscrição do sujeito na lógica fálica. Por isso não podemos elevar seus surpreendentes neologismos à categoria de tirada espirituosa, haja vista a ausência radical da função significante do Outro como aquele que legaliza a inclusão do no-sense no código.
A abordagem psicanalítica das psicoses diverge inteiramente das direções do tratamento para as neuroses. Lacan (1955-56/2008) postula que, nesses casos, o analista deve operar como o “secretário do alienado”: ao invés de escavar os sentidos inconscientes que determinam o sujeito no significante na esfera da suposição de saber, o analista empresta seu testemunho, como um ponto de apoio que favorece a sustentação dos significantes aos quais o psicótico recorre para contornar o real e alcançar alguma organização. Ao assegurar e acompanhar seu frágil equilíbrio delirante que se esforça em forjar uma significação análoga à fálica, a contribuição psicanalítica auxilia na consolidação de uma rede de sentidos capaz de proteger o psicótico de ser tragado pelo furo do real sempre iminente.
O sintoma-trocadilho nas neuroses:
As neuroses se situam plenamente no nível da estruturação significante do complexo de Édipo. Emergem do circuito criado pela metáfora paterna. Segundo Lacan (1957-58/1999), o neurótico chegou à crise edipiana, mas, ao mesmo tempo não pôde superá-la. Isso equivale a dizer que o pai operou como detentor da potência fálica, privando a mãe do objeto de desejo para depois lançá-lo em sua dimensão significante. Este mecanismo permite que a criança abdique da posição de objeto do gozo materno – de ser o falo imaginário – e migre para a assunção subjetiva sexuada regida pela lógica da castração simbólica, quando entra em cena a oposição entre de ter ou não ter o falo. Essa passagem implica a retirada da libido dos fantasmas edipianos para reinvesti-la nos objetos da realidade. Contudo, a saída neurótica prova que a presença da inscrição do significante Nome-do-Pai não garante inteiramente a metaforização da vida autoerótica.
Portanto, a neurose diz respeito a uma certa posição subjetiva em que os percalços intrínsecos à maneira como a criança passou pelo Édipo respingam nas fantasias e nas produções sintomáticas ao longo da vida adulta. O recalque neurótico implica o tamponamento fantasmático das perdas narcísicas devido à sua incapacidade de articular integralmente a lei simbólica. Tal como Lacan (1957/1998) ressalta em “A psicanálise e seu ensino”, os efeitos sintomáticos situam-se no plano do trocadilho. Os sintomas exprimem a riqueza de sentido relativo ao corte entre significante e significado, comportam uma satisfação engendrada pela mortificação do gozo pelo significante. Por isso, sua “paróquia” está restrita aos significantes particulares que compõem a constelação familiar de cada sujeito. Em “A direção do tratamento e os princípios de seu poder”, Lacan (1966[1958a]/1998) declara que: [...] esse falo o qual recebê-lo e dá-lo são igualmente impossíveis para o neurótico, quer ele saiba que o Outro não o tem ou que o tem, pois, em ambos os casos, seu desejo está alhures – em sê-lo –, e porque é preciso que o homem, macho ou fêmea, aceite tê-lo e não sê-lo, a partir da descoberta de que não o é. (p. 649).
Como vimos, o trabalho psíquico rumo à tomada de posição desejante envolve o sacrifício da função imaginária do falo em benefício de sua positivação como a função significante que simboliza o desejo do Outro. Esta mudança de repartição da função fálica é agenciada pela legislação paterna na ficção edípica, que adverte o sujeito sobre a impossibilidade de ser um objeto que satisfaça o desejo do Outro. Na neurose, tal processo não parece ocorrer de maneira ótima. O sintoma neurótico representa o sujeito como metáfora de seus embaraços nas vicissitudes do complexo de Édipo, como lastro da ação do Nome-do-Pai. Como vemos a seguir, essa é a conclusão a qual nos conduz a análise dos casos paradigmáticos da psicanálise. Procuraremos demonstrar que os sintomas neuróticos surgem devido ao fracasso na regulação fálica, o qual pode ser localizado em alguma etapa da travessia edipiana.
Para suprir o que faltou ao sujeito neste momento crucial de sua estruturação no simbólico, o sintoma configura-se como uma variante em conformidade com a função fálica, pondo limite ao gozo e ordenando as significações do sujeito no mundo. Seu mal-estar sobrevém, acima de tudo, em decorrência da falta de sentido que precisa inscrever para circular no campo do desejo. O sintoma em certa medida encobre a realidade da castração inconsciente e se apoia na fantasia que, é fundamentalmente mentirosa, na medida em que nomeia a dimensão de uma falta inominável em si mesma. Ao mesmo tempo, também constitui uma resposta defensiva ao excesso pulsional, fazendo-se de Nome-do-Pai.
Lacan recupera o termo aphanisis/afânise introduzido no vocabulário psicanalítico por Ernest Jones, segundo o qual o complexo de castração conduziria ao temor da afânise de seu próprio desejo em cada neurótico. A proposta lacaniana inverte os fatores decisivamente ao sustentar que, muito pelo contrário, o receio da afânise nos sujeitos neuróticos é resultante da insuficiência da articulação do complexo de castração. A função crucial deste complexo é regulatória, na medida em que impede o apagamento do sujeito no desejo materno, salvaguardando-o de uma posição arrebatada na indiferenciação como puro objeto metonímico. Assim, ao que nos parece, a perspectiva de Jones retrata justamente a visão neurótica, já que um dos efeitos neurotizantes do complexo de castração pode ser o medo de perder o falo e de que a castração seja, de fato, consumada. A afânise do sujeito ocorre, sobretudo, quando o objeto fálico é preservado e não opera como o significante através do qual o sujeito se constitui simbolicamente pela apropriação do desejo do Outro.
O sujeito de estrutura neurótica se serve metonimicamente da alternativa fundamental entre ser e ter/não ter o falo. Se o neurótico se estrutura como aquele que possui ou não possui o falo, esta inflexão é capaz de se reverter de forma mascarada e inconsciente – ele se torna fantasisticamente o falo. A passagem do ser para o ter propiciada pela realidade da castração produz restos, resíduos no inconsciente, daí a constatação de que o complexo de castração não é inteiramente articulado pelos neuróticos (Lacan, 1957-58/1999). A metáfora paterna não simboliza tudo, deixa brechas imaginárias. Os fragmentos e os detritos incompletamente recalcados no Édipo ressurgem nos sintomas neuróticos devido ao fracasso do Nome-do-Pai em instalar a absoluta hegemonia da ordem simbólica sobre o circuito imaginário.
Como consequência, o que caracteriza a estrutura neurótica é a negação (Verneinung) das vicissitudes traumatizantes da sexualidade humana através da manutenção do regime da demanda por meio de fixações incestuosas que visam suprir a demanda materna. Por isso, o neurótico não está no ponto onde ele deseja, mas, sim, em alguma parte de sua fantasia: sua nomeação só pode ser indicada a partir de sua fantasia. Tal formulação é expressa por Lacan (1958-59) em sua observação de que a fórmula $<>a remonta à notação -φ<> i(a). Ou seja: o (- φ) se insinua de forma oculta e reversível sob o $ da fantasia, enquanto que sob a, localiza-se o eu ideal, relativo ao esforço fantasístico de restauração da imagem narcísica de si mesmo.
Em suma, trata-se de um recurso fabricado pelo neurótico para ocultar o desejo do Outro, pois este percebe sua aproximação como uma ameaça de perda. O neurótico teme a falta do falo, posto que não quer perder o privilégio na relação com o Outro. Quer mantê-lo consistente, não consente em sacrificar sua castração ao gozo do Outro, pois imagina que o Outro demanda sua castração. Por isso, os sintomas, ao se apoiarem na fantasia, correspondem ao lugar onde os neuróticos encontram seu gozo, de forma pouco satisfatória em si mesma, já que, como máscara, eles vêm no lugar da pulsão que exige satisfação. A operação simbólica que inscreve o significante da falta do Outro, S(), como condição de possibilidade para sua posição desejante, está velada, sua operação de metaforização do desejo da mãe não se efetivou. A metáfora paterna – que permitiria ao sujeito uma saída ao seu confronto com o desejo materno – claudica, na medida em que não confisca plenamente o gozo. Os sintomas neuróticos são a metáfora desse funcionamento. Definem-se por uma espécie de simbolização desnorteada, onde um significante recalcado interfere e sobredetermina simbolicamente um significante manifesto.
Como toda construção metafórica, os fenômenos sintomáticos aludem à articulação do desejo e aos impasses no domínio da realidade da castração. O sintoma neurótico irrompe pelo uso significante do material imaginário quando a função da fantasia (como suporte dos embaraços subjetivos conjugando simbólico e imaginário) é falha. A neurose é um fato de linguagem, um texto submetido à lógica do significante que a análise visa a decifrar. Nesse sentido, um caso clínico seria comparável a um aparelho significante. As formações sintomáticas são interpretáveis pelo destrinchamento do repertório particular que compõe a constelação dos significantes estruturantes de cada neurótico. A produção sintomática, por se ordenar a partir das propriedades do significante, é o mito individual que cada neurótico constrói para subjetivar a falta de sentido significado pela lógica fálica pela diferença sexual. Diante dos obstáculos que o impedem de cumprir integralmente o percurso que destinaria seu gozo para a vertente fálica da assunção sexual, essa é a única forma possível que estes sujeitos encontram de organizar e situar o lugar de seu desejo na estrutura.

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
ARRIVÉ, M. Linguística e Psicanálise: Freud, Saussure, Hjelmslev, Lacan e os Outros. São Paulo: Edusp, 2001.
LACAN, J. (1955-1956). O Seminário, livro 3: as psicoses. (A. Menezes, Trad.). Rio de Janeiro: Zahar Ed., 2008.
__________ (1956-57). O Seminário, livro 4: a relação de objeto. (D. Estrada, Trad.). Rio de Janeiro: Zahar.1995.
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__________ (1958). De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In (V. Ribeiro, Trad.), Escritos. (pp. 537-590). Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1998.
MILLER, J.-A. A invenção psicótica. Opção Lacaniana 36(1), pp. 6-16, 2003
ROUDINESCO, E. Jacques Lacan: esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento. São Paulo: Companhia das Letras Ed., 2008.