NOME DO PAI
Marcela Decourt
Seminários de Lacan
No seminário 2 assistimos a uma justaposição entre os conceitos de Nome do Pai e pai simbólico,
ambos compreendidos como função simbólica, universal. É importante marcar que, ao estabelecer uma
distinção entre o pai imaginário e o pai simbólico, Lacan acaba conferindo uma primazia a ordem
simbólica, na medida em que esta se define por submeter e transcender as relações imaginárias. Nesse
sentido, o Nome do Pai é tomado como sendo o mediador das relações imaginárias, cuja função é
universal.
Em função desta hegemonia do simbólico, ao nosso ver, este seminário é marcado pela impossibilidade
de se abordar o sujeito fora do campo da linguagem, ou seja, do universo simbólico, no qual todos os
sujeitos se acham necessariamente inseridos.
Como podemos observar, o Nome do Pai nesta etapa do ensino de Lacan é um conceito marcado por uma
consistência bastante significativa. Ele comparece como um símbolo indispensável à inserção do
sujeito na cultura, no campo do Outro, na ordem das trocas coletivas.
Os efeitos experimentados pelos sujeitos diante da não inscrição deste significante (Nome do Pai) é
a questão central da qual Lacan se ocupa durante todo o seminário 3. Os efeitos decorrentes da
foraclusão do Nome do Pai são exaustivamente trabalhados e, neste momento, Lacan o concebe como
elemento garantidor do distanciamento em relação ao outro primordial marcado por sua função
alienante. Caberia ao Nome do Pai, portanto, retirar o sujeito da ordem narcísica dual originária,
imaginária, para resituá-lo no registro (simbólico) da cultura. Esse remanejamento da realidade,
assinalado por Lacan, implica uma “inovação da estrutura”, na medida em que promove a inscrição do
sujeito em uma ordem marcada pela diferença geracional.
Neste seminário então percebemos um reconhecimento, por parte de Lacan, dos efeitos decorrentes da
foraclusão do Nome do Pai. O sujeito psicótico encontra-se, em condições eletivas, com o
“significante enquanto tal”, com um significante que não pode ser acolhido sem a mediação, a
metaforização garantida pela inscrição do Nome do pai.
No seminário 4, podemos observar um deslocamento da discussão até então encaminhada até o seminário
3. No seminário 4 Lacan passa a adotar como principal referência o ternário real / simbólico /
imaginário. Sem desconsiderar as reflexões teóricas desenvolvidas até este momento, Lacan se
distancia um pouco da necessidade de reafirmar as estreitas relações entre o Nome do Pai e o pai
simbólico (tema central dos seminários anteriores), e passa a tomar o Édipo como sua referência
central.
Neste seminário, vemos claras indicações da primeira vertente da sexuação, onde é condição
logicamente necessária que ao menos um sujeito – o Pai - não seja castrado para que todos os demais
assim sejam. Esta exceção frente à castração seria, portanto, a marca de um pai por excelência.
Lacan inclusive afirma que toda a interrogação freudiana se resume na busca : “O que é ser um pai ?”
. De acordo com esta perspectiva apresentada por Lacan, onde é preciso haver uma exceção à
castração, esta posição de pai não seria jamais alcançada pelos homens comuns, vivos, podendo apenas
ser desempenhada por Deus – pai simbólico por excelência. O pai simbólico, portanto, é uma
construção simbólica necessária que só é alcançada pela via do mito (tal como o mito de Totem e tabu
descrito por Freud).
Como podemos ver, neste seminário estamos diante de um pressuposto lógico fundamental que marca uma
das etapas das formulações lacanianas a respeito do conceito de Nome do Pai. Para que os pais
subsistam na realidade, é preciso que o pai verdadeiro, singular, único, esteja antes do surgimento
da história e que esteja morto. Temos, portanto, uma clara equivalência entre Nome do pai =
simbólico = pai morto = Deus = exceção à castração.
No seminário 5 assistimos a um deslocamento teórico que consideramos bastante significativo. Lacan
neste momento nos introduz ao Outro barrado. O Outro a partir de agora é também marcado pelo efeito
desnaturalizante que a inscrição do significante comporta, carregando em si a marca que representa a
castração. A afirmação de Lacan : “Há Outro no Outro” resume a grande novidade apresentada por ele
neste seminário, onde este Outro, outrora imune à castração, passa agora a estar também subordinado
à esta. Vejamos o porquê desta reformulação.
Neste seminário, Lacan declara que o pai é uma metáfora. Mas o que é ser uma metáfora? É promover a
substituição entre significantes. Nesse sentido, a intervenção mais essencial do Nome do Pai no
complexo de Édipo é ser um significante que substitui um outro significante (o do Desejo da Mãe) O
Nome do Pai é, portanto, um significante de “serventia múltipla”, um “significante-chave” que incide
sobre a “busca tateante” do sujeito no sentido de se ordenar (fazer parte de uma ordem). Sem a sua
intervenção, o sujeito desembocaria numa relação exclusiva com a mãe, a psicose. “Não há sujeito se
não houver um significante que o funde.”(1999, p. 195)
Se a castração é considerada por Lacan como um dado de estrutura e se o pai, a partir deste
seminário, é também marcado pela castração, então, não faz mais sentido falarmos em O Pai, mas em Um
pai. Um pai é, portanto, a figura eleita para encarnar esta função da castração que, como
insistimos, é um dado de estrutura. Um pai é então um representante, um agente da castração, a
agência nômica responsável por representar essa função.
É neste seminário, portanto, que Lacan vai estabelecer uma distinção entre o pai como normativo, ou
seja, o pai enquanto função (normatizante) e o pai como normal, sua dimensão realista, isto é, sua
presença na família. “Falar de sua carência na família não é falar de sua carência no complexo. (…)
para falar de sua carência na complexo, é preciso introduzir uma outra dimensão, que não a dimensão
realista, definida pelo modo caracterológico, biográfico ou de sua presença na família.”(1999,
p.111) . Vale lembrar que esta distinção tão bem definida neste seminário, será revista por Lacan à
propósito do seminário 20, quando observamos um reviramento do imaginário sobre o simbólico (do vivo
sobre o morto) de modo que uma função parece não poder mais prescindir de uma superfície sobre a
qual ela se inscreva (no caso, um corpo). Já no seminário 17, inclusive, Lacan nos indica essa não
disjunção quando define discurso como “linguagem encarnada”.
Queremos insistir que este seminário representa um ponto de virada, de ruptura dentro do percurso
lacaniano, principalmente, no que se refere às suas formulações que dizem respeito ao Nome do pai.
Podemos dizer que este seminário marca a passagem de um tempo onde Lacan estava evidentemente
debruçado sobre o retorno a Freud, para um outro tempo, onde a novidade/originalidade lacaniana
parece se apresentar a cada novo seminário. Porge (1998) considera que o Nome do pai, nesta sua
“nova apresentação científica”, introduzida no seminário 5, visa substituir a teoria do Édipo
freudiano, reduzindo-a ao que há de mais essencial e estruturante. Esta deve ser a razão pela qual,
Porge considera que “o Nome do pai contém o germe de uma desconstrução da teoria de Freud.”(1998,
p.41)
Com o seminário 7, vemos Lacan mais uma vez às voltas com a função do pai, procurando demonstrar que
Freud não negligencia nem o Nome do pai e nem o pai real. “Para ele (Freud) é desejável que no
decurso de toda aventura do sujeito haja, senão o Pai como um Deus, pelo menos um bom pai.”(1997,
p.222) Entretanto, Lacan aponta para a “posição singularmente difícil”, e até certo ponto “manca” do
pai.
De acordo com suas formulações neste seminário, a única função do pai é a de ser um mito, ou seja,
nada mais do que pai morto, tal como indicado por Freud em Totem e tabu. E, nesse sentido, através
do ultrapassamento da lei instaurada pelo pai, o acesso ao gozo seria possível. A partir deste
seminário então, a idéia de transgressão se impõe como sendo a possibilidade do homem fazer a
experiência do seu desejo. Vemos portanto que a morte do pai aqui marca, de um lado, a
inacessibilidade dos sujeitos ao gozo e, de outro, a possibilidade de acesso a ele pela via da
transgressão.
Não é de se estranhar então as qualificações que Lacan faz a figura do pai ao longo deste seminário.
Marcado por uma absoluta inconsistência, o pai do seminário 7 é “(…) um idiota, ou um ladrão segundo
o caso, ou simplesmente um pobre diabo, ou, como de hábito, um velho caquético, como no caso de
Freud.”(1997, p. 369)
Com o seminário 8, somos apresentados a leitura de Lacan da trilogia de Claudel. Esta trilogia é
considerada por Lacan como uma “trilogia contemporânea”, na medida em que é marcada justamente pela
degradação da figura paterna. Tal degradação pode ser especialmente observada em cada uma das peças
– O Refém, O Pão Duro e O Pai Humilhado. O pai, ao longo destas tramas, comparece como figura “sem
escrúpulos”, “canalha repulsivo”, figura “degradada”, “degenerada” e, finalmente, “humilhada”.
Na primeira peça temos que o próprio representante da Revolução, o Barão de Turelure, é uma figura
desenhada de modo a nos fazer sentir horror dele. É “malvado” e “vilão”, “cínico e feio”, “manco e
um pouco corcunda”, “odioso.” Na segunda peça, o filho mata o pai e desposa sua mulher, ocupando
assim o seu lugar. E, finalmente, na terceira peça Pensée engravida de Orian, mas em função da morte
deste, seu irmão, Orso, se oferece para desposá-la e assumir o filho, mesmo sabendo que ela não o
ama.
Lacan nos adverte para o fato de que esta tragédia (contemporânea) foi lançada na época em que,
através de Freud, a questão do pai mudava completamente. E, ao se perguntar sobre o que quer dizer
Claudel com o termo “pai humilhado”, Lacan apenas insiste que o lugar do pai tende a ser rejeitado
ao longo da experiência analítica.
Ao nosso ver, a grande contribuição deste seminário está no fato de Lacan apresentar, a partir da
trilogia de Claudel, não apenas a experiência trágica do desejo no homem, mas, principalmente, o
lugar que vem sendo atribuído ao pai desde Freud. Podemos nos arriscar dizendo ainda que o modelo do
pai humilhado de Claudel talvez seja um modelo especialmente descrito para os anos 60, data em que
esse seminário foi proferido.
A este respeito, Porge (1998) comenta que “a imagem de nosso pai contemporâneo pós freudiano
permanece bastante imprecisa e se resume, no fim das contas, àquela do pai humilhado.”(1998, p.52)
Com o seminário 11, Lacan parece pretender dar conta da constituição do sujeito, priorizando seu
aspecto dinâmico em detrimento do aspecto estrutural que, até este momento, havia dominado suas
reflexões. Neste sentido, é através das operações de alienação e separação que Lacan explica a
constituição do sujeito entre desejo e gozo. Estes processos de constituição do sujeito são sempre
circulares implicando, portanto, o sujeito e o Outro.
Em uma de suas passagens, lemos : “O Outro (…) é o campo do vivo onde o sujeito tem que aparecer (…)
é do lado desse vivo, chamado à subjetividade, que se manifesta essencialmente a pulsão.”(1990,
p.193)
A novidade deste seminário é então o aparecimento do Outro associado ao campo do vivo. Até este
momento vínhamos acompanhando a estreita relação, indicada por Lacan, desde os primeiros seminários,
entre Outro e morte. O Outro até aqui estava morto. Aliás, o Outro enquanto morto compareceu, até
este momento do percurso lacaniano, como uma necessidade lógica inerente à cadeia significante,
condição de possibilidade inclusive da constituição subjetiva.
O seminário 17 é todo atravessado por novidades, por formalizações precisas acerca da função
paterna. Na parte dedicada ao mito e a estrutura, particularmente, verificamos todo o esforço de
Lacan em formalizar as reflexões encaminhadas até então, procurando inclusive retornar a alguns
pontos já apresentados que parecem não terem sido muito bem compreendidos pelos psicanalistas da
época.
É neste seminário então que Lacan apresenta a sua tão reveladora dissociação entre a vertente mítica
e a vertente estrutural do pai. Esse passo dado por Lacan não deixa de reafirmar a consideração de
que a castração é um fato de linguagem e não uma consequência do pai edipiano. Ou seja, neste
seminário vemos Lacan insistindo na concepção do Édipo enquanto metáfora.
É neste seminário também que Lacan insiste em atribuir ao pai real a função de agente da castração,
apresentando uma leitura um tanto crítica da leitura de Freud de Totem e tabu. Lacan denuncia que a
leitura de Freud de Totem e tabu é marcada por uma equivalência entre pai morto e gozo e que esta
interpretação freudiana aponta para a possibilidade de acesso ao gozo, possibilidade esta que, de
acordo com Lacan, é impensável na medida em que o pai lacaniano é desde sempre castrado e, portanto,
não tem o gozo absoluto sob sua guarda.
Assistimos neste seminário a uma formalização teórica de Lacan marcada por importantes reformulações
conceituais, reformulações estas que serão de fundamental importância para a compreensão dos
seminários que se seguem.
Porge considera que, com esta nova distinção de Lacan, o Nome-do-Pai adquire uma função mais
facilmente formalizável, sem nada perder, pelo contrário, de sua eficácia simbólica. A partir desta
data, a função de nominação propriamente dita, ligada ao Nome-do-Pai, faz evoluir este termo na
direção de uma nova acepção, mais ligada à palavra do pai.
A redução à qual Lacan submete o complexo de Édipo tem como consequência capital que o Nome-do-Pai
não está mais daqui por diante ligado exclusivamente à metáfora paterna como era o caso desde 1957,
e que ele adquire mais autonomia em relação à fornalha fálica à qual o ligava o complexo de Édipo.
“O que é nomeado pai, o Nome-do-Pai, se é um nome que tem uma eficácia, é precisamente porque alguém
se levanta para responder”(Porge, 1998, p.147).
Bibliografia
________. O Seminário – livro 2. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1985.
________. O Seminário – livro 3. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1999.
________. O Seminário – livro 4. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1995.
________. O Seminário – livro 5. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1999.
________. O Seminário – livro 7. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1997.
________ . O Seminário – livro 11. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1990.
_______ . O Seminário – livro 17. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1992.
PORGE, E. Os Nomes do Pai em Jacques Lacan – pontuações e
problemáticas. Rio de Janeiro.: Editora Companhia de Freud, 1998.