Isepol - Instituto Sephora de Ensino e Pesquisa de Orientação Lacaiana

Conversações Clínicas

Conversações Clínicas

Notícias da conversação no Hospital Copa D'Or, no Rio de Janeiro, promovida pelo ISEPOL, em 23.07.11, sobre os desafios da psicanálise aplicada ao campo da medicina.

Resenha de Maria Luíza Caldas¹

Os trabalhos foram abertos pela Professora Doutora Tania Coelho dos Santos com a apresentação dos integrantes da primeira mesa que abordou a Escuta Psicanalítica no Hospital Geral, composta por Fernanda Saboya e Lucia Helena Cunha, expositoras, e por Mariana Medrado e Roberta Balbino psicólogas do Copa D`Or.
Foram apresentadas por Lúcia Helena Cunha, vinhetas de casos clínicos trazidos pelos participantes dos encontros por ela conduzidos num Hospital Geral da região serrana, onde aparecem as questões e os impasses, tanto dos profissionais como dos pacientes, e a possibilidade de acolher algo do real impossível de simbolizar. Por exemplo, o desejo de uma menor de idade de fazer um aborto. Seus pais não podem saber da sua gravidez já que a relação sexual ocorreu sob efeito de álcool e drogas. Não se podendo confirmar a paternidade da criança ela demanda ao médico que interrompa a gravidez. Outro exemplo, é o impedimento trazido pelos adeptos da seita Testemunha de Jeová com relação à transfusão de sangue, etc.
Fernanda trouxe dois casos. O primeiro foi o caso da menina Eduarda em que se destaca o esforço para recusar o real impossível de uma perda irreparável. O pai teima em substituir a mãe morta em acidente de automóvel. Evitando, a todo custo, que a avó materna assuma o lugar da filha junto à neta, para promover a reorganização da ordem simbólica e dos laços sociais rompidos bruscamente nessa família. O outro caso era de uma filha com um pai de 90 anos internado, que reivindica a saúde perfeita do pai idoso, culpando o agravamento do caso à equipe médica, apresentando uma enorme dificuldade no processo de separação, de luto da perda desse pai. Mariana nos mostrou o quanto de identificação ao objeto perdido é a fonte do luto interminável e, finalmente, Roberta nos traz um caso em que as condições do casal, diante do confronto constante com a castração que o paciente traz, faz dessa relação conjugal dentro do hospital, uma relação obscena, já que eles estão impedidos de voltar para casa e contar com os serviços do homecare, por sua condição psíquica precária.
Marcia Melo, professora da UERJ, parabeniza a mesa pela qualidade dos trabalhos e da sua surpresa desse Hospital contar com um serviço de apoio psicológico tão bem conduzido, destacando que sua mãe está ali internada em uma Unidade Coronariana. Maria Cristina Antunes se dirigiu à Lucia sobre o que lhe chamou a atenção, a vontade de interferir diretamente no corpo do paciente, rejeitando as coordenadas simbólicas da vontade do sujeito. Eliane Caldas, pesquisadora da FIOCRUZ, parabeniza a mesa e diz que “quando se está dentro do hospital há os impasses da castração já que há sempre algo que não se dá conta desde os tempos de Freud”. Lucia responde dizendo que a morte é a maior castração com que nos deparamos. Tania acrescenta que é preciso intervir na melhora dos cursos de graduação e que desde muito cedo recolheu da boca dos alunos, afirmações como a de que “o gozo é impossível”. Estas fórmulas, embora corretas, omitem que a emergência do Real contingente é também a causa de sua potência de transformação. Recusar o impossível do real é também se privar da potência do novo. Sugerir ao sujeito acolher o impossível do real pode levar a rejeitar a emergência do novo que se aproxima e que envolve sempre assumir um risco. Douglas indaga qual é a forma de acolhimento dos casos onde a doença mental é evidente, nos casos de psicose. Fernanda responde que chegam casos de tentativas de suicídio, por exemplo, onde o paciente é avaliado pela psiquiatria e geralmente pelos psicólogos e como o hospital não tem estrutura para absorver esse paciente, quando há risco de vida, ele é transferido para um hospital psiquiátrico. Rosa Guedes pergunta à mesa: - do que é que não se pode abrir mão na escuta analítica? Antecipa que se trata, provavelmente, de acolher o inconsciente com a pulsão. Andréa Martello aponta uma diferença entre os dois trabalhos: o do Copa D`Or, que fala de uma resposta sintomática da castração, e o do Hospital das Clínicas na região serrana, que fala da potência fantasmática nos médicos, o real com o inconsciente, não só do ponto de vista da equipe como dos pacientes. Ana Carolina Duarte pergunta se desse trabalho que é realizado no Copa D´Or, surgem muitas demandas de análise, e Tania responde dizendo que um trabalho como esse toca o inconsciente e isso traz uma demanda de análise. Fernanda Saboya responde que existe uma diferença entre o “antes da supervisão de Tania Coelho e depois dela”, pois a mudança na condução dos trabalhos ali realizados, teve o efeito de aumentar a demanda de análise, o que foi confirmado por Roberta e Mariana.
A segunda mesa tratou da Clínica da Obesidade e foi composta por Maria Cristina Antunes e pela Dra. Maria Delzita Neves, expositoras, e pelas psicanalistas Katia Danemberg e Maria Luiza Caldas. A Dra. Maria Delzita Neves traz um quadro da evolução da melhora dos dados clínicos de uma paciente de alto risco (colesterol, glicose, triglicerídios, etc) mostrando a dificuldade que o médico encontra diante dos pacientes obesos de implicá-los no tratamento, e Maria Cristina Antunes traz um recorte do trabalho que faz com essa mesma paciente, e seus impasses com a sexuação, apresentando os momentos lógicos e não cronológicos do caso. A questão da relação incestuosa com o pai, o pai tomado como um coadjuvante e a demanda de amor intenso com a mãe: a impossibilidade da diferença geracional e sexual. Katia Danemberg fala das dificuldades com que o analista se defronta diante do atendimento de pacientes obesos e Maria Luiza Caldas destaca a posição de “objeto” a ser cuidado com que eles se apresentam ao analista. A Dra. Delzita responde à pergunta sobre a frequência indicativa de cirurgia bariátrica nos dias de hoje, dizendo textualmente e claramente que a Clínica Cuidar Espaço Saúde, da qual é a responsável, não recomenda tal procedimento, a não ser em casos limites onde o paciente ou opera ou morre. Foi um encontro marcado pelo diálogo aberto e cordial entre os participantes e que contou com todo o apoio técnico da equipe do Copa D’Or para nos proporcionar o maior conforto.

¹Maria Luíza Caldas é psicóloga e psicanalista membro da Associação Núcleo Sephora.

Conversações Clínicas

Resenha Mesa Redonda “Quem é incluído pela lei da inclusão?”

Por Tania Coelho dos Santos e Marcela Decourt
Rio de Janeiro, 18 de Junho de 2011

Com esta pergunta Tania Coelho dos Santos (presidente), inaugurou as atividades clínicas do Instituto Sephora de Ensino e Pesquisa de Orientação Lacaniana na Barra da Tijuca. Nosso matema, ela ressaltou, é a afirmação de Jacques-Alain Miller: “Não há clínica do sujeito, sem clínica da civilização”.
Marcela Decourt (vice presidente) trouxe como convidada Amélia Lacombe (diretora do colégio Don Quixote, professora de literatura e educadora com um longo currículo tanto na educação pública quanto privada.
Tania abriu a conversação interrogando-se sobre o crescimento da intolerância com as diferenças nas escolas de hoje. Práticas denominadas, por exemplo, como “bullying”, nos surpreendem pela intensa agressividade que mobilizam contra às crianças e adolescentes escolhidos para bode espiatório. Essas práticas, paradoxalmente, muitas vezes funcionam como um “trote” e muitos alunos acreditam que elas servem para incluir os alunos novos, tímidos, imaturos ou portadores de algum traço especial que os diferencia. Serão a segregação e a inclusão duas faces da mesma moeda?
A psicanalista lembrou que vivemos numa época que não cessa de reivindicar a expansão do direito democrático ao usufruto da educação, saúde e lazer para todos. Acreditamos que para o exercício pleno da cidadania, seja preciso que todos sejam tratados como iguais. Como realizar esse ideal sem o risco da homogeneização das individualidades. Lacan aguardava os efeitos do discurso igualitário e homogeneizador que se propagava em nome da democracia com uma certa preocupação. Um psicanalista, deve saber que a segregação dos sexos e das gerações é um fato de estrutura. Ela serve para localizar as duas faces- de luxo e de lixo - do objeto causa do desejo inconsciente. Os processos psíquicos inconscientes que nos conduzem a supervalorizar algumas coisas, são os mesmos que nos levam a desvalorizar e excluir outras. Tratar tudo e todos igualitariamente é impossível! Quanto mais nos impomos a lei da homogeneização mais colheremos o efeito de segregação. Esta advertência não é políticamente correta. Infelizmente, a psicanálise não nos permite esperar que o ser humano seja um poço de virtudes. Mais do que nunca, ela concluiu, aqueles psicanalistas que optaram por trabalhar na fronteira da psicanálise com a educação, precisarão enfrentar o aumento da agressividade – e algumas vezes as explosões de violência – que são efeitos do discurso excessivamente virtuoso que se quer impor às crianças e adolescentes nos dias de hoje. É preciso pensar em novas estratégias de regulação da convivência nos espaços educativos que levem em conta as leis do inconsciente no lugar de tentar aboli-las como faz a ideologia homogeneizadora!
Marcela lembrou que também Freud nos advertia sobre o preço que se paga pela adequação aos padrões de normalidade, nos quais os educadores insistem. Segundo ele, há uma perda necessária de eficiência e capacidade de prazer. Contemporaneamente, existe um movimento crescente no sentido da inclusão daqueles indivíduos que escapam ao padrão ideal da sociedade. Nas escolas, paradoxalmente, essa tendência vem acompanhada de um aumento da intolerância entre crianças e adolescentes. Hoje, a lei obriga as instituições escolares a atenderem a clientela constituída por portadores de deficiências detectáveis nas mais diversas áreas educacionais, políticas e sociais. O Brasil optou pela construção de um sistema educacional inclusivo ao concordar com a Declaração Mundial de Educação para Todos, firmada na Tailânda em 1990 e ao mostrar consonância com os postulados produzidos em Salamanca, na Espanha em 1994.
Deste documento, Marcela destacou dois pontos para serem discutidos em nosso Encontro. O primeiro deles diz respeito a seguinte formulação: “os sistemas educativos devem ser projetados e os programas aplicados de modo que tenham em vista toda gama dessas diferentes características e necessidades”. Será mesmo que somos capazes de sustentar esta exigência? Acreditamos mesmo que qualquer aluno deve ter lugar em qualquer escola?
O segundo ponto destacado é: “as pessoas com necessidades educacionais devem ter acesso às escolas comuns e em turmas comuns que deverão integrá-las numa pedagogia centralizada na criança, capaz de atender a essas necessidades (...) a menos que haja razões convincentes para o contrário, como seria o caso dos surdos e cegos surdos devido às necessidades específicas de comunicação (língua de sinais)”. Quais seriam as “razões convincentes” para a não inclusão de um aluno em uma escola? Será que as escolas têm os seus critérios de admissão bem definidos e, de fato, aplica tais critérios na seleção de seus alunos?
Concluimos o nosso encontro levantando as condições que devem ser cumpridas para que uma escola possa, de fato, levar adiante, um projeto de inclusão escolar. Dentre algumas condições destacamos: turmas com poucos alunos, a presença de apenas um(a) aluno(a) com necessidades especiais por turma, integração entre família – escola – profissionais e treinamento da equipe pedagógica. Quanto a presença ou não de mediadores, consideramos que deve ser considerada caso a caso para que não haja um risco ainda maior de exclusão uma vez que o mediador pode dificultar a relação entre o aluno e o professor. Será que os impasses que encontramos hoje diante do projeto da inclusão escolar obrigatória não indicam justamente os limites deste movimento que pretende incluir a todos de forma irrestrita, nos obrigando a trabalhar no sentido de verificar e criar estratégias educacionais que contemplem as diferenças ao invés de ignorá-las?