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III Simpósio do Núcleo SEPHORA de pesquisa sobre o moderno e o contemporâneo.


Realizado no Auditório da Escola de Serviço Social da UFRJ

28 e 30/08, 01/09/2006  

Conversação clínica: A clínica da erotomania (01/09/2006)

      Trabalhos apresentados:

    Ana Paula Sartori – “A erotomania na psicose e na neurose”
    Maria Cristina da C. Antunes – “Obesidade e erotomania: uma leitura à luz do último ensino de Lacan”
    Rosa Guedes Lopes – “A erotomania na neurose”

 

 

Anotações sobre os comentários de Sandra Grostein, debatedora nesta conversação

por Rosa Guedes Lopes.  
rosa.guedes.lopes@globo.com

 

O trabalho de Ana Paula Sartori introduz os fundamentos do conceito de erotomania. No caso Schreber, Freud (1911) fala da posição feminina referindo-a ao seguinte fenômeno elementar: “afinal de contas, deve ser realmente muito bom ser mulher e submeter-se ao ato da cópula”. Se, para Clérambault (1920), a erotomania é uma característica essencial da psicose feminina, Freud a trabalha inicialmente no caso de um homem. A erotomania diz respeito ao gozo. Porém, até o último ensino de Lacan, a erotomania se restringia à psicose.

A questão que circunscreve esta conversação é a seguinte: como se estende à neurose o conceito de erotomania usado na psicose? Como tratar através da palavra o que não é possível de ser limitado pela própria estrutura? Enquanto inserida na linguagem, a via da demanda, do pedido, é sempre insaciável.

O passo requer um deslocamento do eixo do complexo de Édipo para o do complexo de castração.

No caso apresentado por Cristina Antunes, ela faz uma equivalência entre o ato de comer e a demanda, enquanto demanda de uma palavra de amor. Do ponto de vista do gozo, ela aponta que se trata de uma certa plasticidade na relação da demanda com o falo.

Qual é a maneira de se tratar disso? Cristina mostra que a interpretação deve tomar a via do insaciável.

Qual seria o efeito disso no “caso Dora” apresentado por Rosa? Uma ênfase da paciente na relação com a mãe, na ilusão de que a mãe teria sido um objeto de desejo para o pai. É preciso questionar essa condição da mãe. Para isso, devemos entender que o que chamamos de caso clínico é algo diferente do que poderia ser considerado como uma história de vida.

Porque acontece esse efeito? Qual é a questão presente na ênfase da relação da paciente com a mãe? Qual é o problema clínico a ser tratado aí? Trata-se de uma questão nova sobre a sexualidade, razão para se buscar um analista e não outra coisa.

No caso apresentado por Rosa, trata-se da falta de um lugar simbólico. Onde recai essa falta? Na vida amorosa da paciente, em não se fazer amada. Os meninos não estão nem aí para ela. Eles a rejeitavam? Por mais que tivesse meninos, ela nunca se satisfazia. Ao contrário das amigas, não transava. Isso certamente faz oposição à posição da mãe. Dora não vai ser a outra nunca!

Onde se apresenta a insatisfação? No excesso! Há ainda a tristeza e os cortes que ela efetua sobre o próprio corpo e que produzem um certo alívio, um alívio da angústia porque, desse modo, o sujeito pode se colocar como dono do próprio corpo.

Trata-se aqui de um modo sintomático atual de se relacionar com o corpo. Como a psicanálise pode atingir o corpo por meio da palavra?

Há uma demanda de amor insaciável e nenhuma satisfação. O corpo se apresenta como alguma coisa que não consegue se saciar. Podemos entender o seu apelo por amor como um apelo por reconhecimento: me ame, isto é, me reconheça como alguém. Entre o homem, marido da mãe, e o pai há um ato simbólico de reconhecimento. Na ausência do reconhecimento, ela insiste em pedi-lo e isso se expressa através desses pequenos cortes em seu corpo. Desse modo, esta Dora entra em contato com seu corpo e daí podem decorrer dois caminhos: a sexualidade ou o auto-erotismo. Como ela não percorre o primeiro, então... resta-lhe o auto-erotismo.

A paralisia de Elisabeth Von R., a tosse da “Dora de Freud” – estes sintomas teriam hoje essa forma? Para Freud, o sintoma comparecia como demanda, mensagem onde deve ser incluído o endereçamento ao Outro. O que este “caso Dora” nos mostra é que, se essa mensagem não é acolhida, ela retorna sobre o corpo como gozo devastador. Se o Outro não existe, a demanda é insatisfatória. Se não há Outro que acolha, o retorno sobre o corpo é auto-erótico, ou seja, ele se dá sob a forma de um ataque ao próprio corpo.

A articulação em jogo é a do narcisismo com o auto-erotismo. Sem ter o que perder, por onde anda a mulher na saída do complexo de Édipo? Nos tempos de Freud, ser freira era uma maneira de negar a sexualidade. Na atualidade, há a obesidade, os cortes no próprio corpo e o uso de drogas. Todas são saídas para a dificuldade de se deparar com um gozo auto-erótico.

Não correndo nenhum perigo, a paciente se coloca em diversas situações onde corre perigo, um perigo simbólico. Geralmente, o perigo não está simbolizado, mas situado em um curto-circuito de gozo não direcionado ao Outro. Há um uso do corpo para tentar diminuir o mal estar por meio da violência ao próprio corpo. Neste uso, o parceiro não está incluído. E é a articulação da teoria do narcisismo com o auto-erotismo que nos permite compreender como isso se torna possível.

O analista precisa direcionar a demanda para que ela venha a sofrer recortes simbólicos, para que as bordas sejam delimitadas, de modo que o sujeito tenha condições de suportar a impossibilidade de satisfação. Parece que a intervenção feita por Rosa abriu uma perspectiva sobre o gozo materno. Permitiu que a paciente saísse do circuito da satisfação-insatisfação, da contabilidade, que a levava a querer muito mais do que recebia. Essa lógica fálica precisava ser quebrada, pois ela requer a presença da medida.

A insatisfação própria à erotomania é solucionável, mas não é modificável. É preciso introduzir um “assim está bom” no lugar de ficar tentando corrigir a insuficiência pelo caminho da questão fálica, ou seja, tentando incluir algum objeto.

O que este caso nos mostra é que, quando todo mundo pula fora, isso é indicativo de que não há Outro.

Uma outra via para abordar esses novos sintomas é a do complexo caracteriológico, que Lacan tratou em Complexos familiares (1938).

Qual é a incidência do significante no corpo?

A incidência do significante no corpo tem dois efeitos:

  • Mortificação;

  • Produção de um mais-de-gozar, vivificação.

Segundo Miller (1995, p. 99), o essencial “não é que o significante tenha um efeito de mortificação sobre o corpo, é que o significante é causa de gozo, é que o significante tem uma incidência de gozo sobre o corpo”. Portanto, na medida em que o sujeito tem um corpo, não se trata apenas do gozo do corpo, mas também do gozo da linguagem, do gozo do corpo habitado por um sujeito marcado pelo significante. No ser falante, “o gozo do corpo é ligado ao significante como sua conseqüência”.

Em relação ao mais-de-gozar, os sintomas da atualidade são “o que não vai bem” em relação ao gozo. O mais-de-gozar precisa estar articulado em um discurso. É a isso que o discurso analítico se propõe. A clínica atual mostra algo em relação ao corpo, mostra questões que tentam localizar um gozo à deriva.

Desde Arcachon (Miller, 1997), o diagnóstico não se restringe mais à neurose, psicose e perversão. Ele passou a incluir uma gama de psicoses e de nós de gozo.

O crack é uma substância cujo efeito é o de promover um rápido curto-circuito. Os pacientes buscam objetos concretos: o próprio corpo, a comida... Como colocar esses objetos demasiadamente concretos na via do semblante? Ainda uma outra questão importante: qualquer objeto vale?

A neurose caracterial se distingue pela existência de indivíduos agarrados aos objetos do curto-circuito autoerótico. Estes objetos condensam o gozo do sujeito de ser tratado como exceção pela mãe. O único momento em que fomos exceção foi aquele em que, ao nascer, fomos amparados pela mãe.

Diante do empobrecimento da nomeação, há uma demanda por palavras que nomeiem, que introduzam outros circuitos pulsionais, que separem.  

 

Referências bibliográficas

CLÉRAMBAULT, G. G. (1920) “Le Syndrome érotomaniaque, In: L’Érotomanie, Paris, Les Empêcheurs de penser em rond, 2002.

Freud, S. (1911) “Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia (Dementia paranoides)”, In: Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1977, Vol. XII.

Lacan, J. (1938) Os complexos familiares na formação do indivíduo – ensaio de uma função em psicologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1987.

Miller, J.-A. (1995). O osso de uma análise. Salvador: Escola Brasileira de Psicanálise/Seção Bahia.

_________. (1997). “La conversation de Arcachon”, In: Los inclasificables de la clínica psicoanalítica. Buenos Aires: Paidós, 2003, p. 197-414.

_________. (1997). A conversação de Arcachon – Os casos raros, inclassificáveis da clínica psicanalítica. São Paulo: Biblioteca Freudiana Brasileira, 1998.