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1.
Obesidade: sintoma ou solução?
Defendo
a tese de que, do ponto de vista psicanalítico, a obesidade não
é uma formação simbólica, ou seja, não é um sintoma1.
No sentido freudiano, o sintoma é um enigma que divide o
sujeito, é uma solução de compromisso entre o desejo sexual e
uma exigência da realidade que se lhe opõe. O sintoma surge
como uma mediação de um conflito psíquico, sendo, portanto,
uma formação simbólica que visa conciliar tendências psíquicas
opostas e tem a sua fonte num desejo sexual proibido, recalcado.
Nesse sentido, o sintoma se escreve no corpo como uma mensagem
que se enlaça a uma satisfação sexual disfarçada, não
reconhecida como tal.
Tomar
a obesidade como uma solução significa pensá-la como
tratamento de um gozo que não pôde ser tratado pela via da
sexualidade e, ou seja, pela via do inconsciente. A obesidade,
portanto, não é uma formação simbólica, não se trata de
uma formação do inconsciente. Não é um saber a decifrar, mas
algo que se exibe, se mostra e não diz nada. A obesidade é uma
solução, o tratamento de um gozo que envolve a recusa da
sexualidade e do inconsciente.
Nos
casos de mulheres obesas crônicas e obesas mórbidas que
entrevistamos, não há mal estar sexual. O parceiro sexual,
quando existe, não é a fonte do conflito, da divisão, ou do
mal estar. Essas mulheres até relatam problemas conjugais ou
dificuldades nos relacionamentos amorosos. Entretanto, estes
sujeitos não localizam o seu incômodo, o seu mal estar na vida
sexual. O desencontro sexual não as divide, não é disso que
elas sofrem. Tampouco vêem qualquer relação entre o excesso
de peso e o eventual mal estar na sexualidade. Nessas
entrevistas, observei que essas mulheres entendem o casamento de
modo semelhante a uma relação mãe e filho.
Quanto
à parceria amorosa, encontramos, nessas mulheres, as seguintes
situações:
1.
Mulheres que jamais fizeram um vínculo conjugal
com um homem ou que tiveram relações esporádicas, precárias,
com homens, mas mantêm, inalterada, a sua parceria com a mãe,
morando, muitas vezes, na mesma casa. O importante nas suas
vidas é a relação amorosa com a mãe, mantendo-se na posição
de filhas.
2.
Mulheres que realizam um casamento, tiveram
filhos, mas a relação conjugal, sexual, desaparece, diminui de
importância perante a sua função como mãe. São mulheres que
se dedicam aos filhos e estabelecem, com eles, a relação
amorosa mãe e filho.
3.
Mulheres que têm um parceiro conjugal, mas jamais
se afastaram de suas mães. O homem parece, nestes casos, um
acessório na relação libidinal mãe e filha. Em alguns casos,
ele é transformado em filho também pela família da mulher.
O
laço social destas mulheres é parasitado pelo modelo da relação
amorosa mãe – filha. Uma entrevistada me disse, certa vez,
muito surpresa com uma observação minha, que jamais se
separaria de sua mãe, que ela é a sua melhor amiga e que mãe
é para sempre. Ou seja, não se deixa, jamais, a posição de
filha e a expectativa é a de tudo receber da mãe. Numa outra
perspectiva, mas na mesma lógica, encontramos mulheres que dão
tudo aos filhos, ao marido, aos parentes etc. Elas são cativas
de uma doação e de um amor inesgotáveis.
Resumindo,
podemos dizer que essas mulheres são “cheias de amor”. A
observação destes casos levanta a questão da relação entre
o amor e o sexo na sexuação feminina, que passarei a
desenvolver seguindo as coordenadas do último ensino de Lacan
conjugadas com as fórmulas da sexuação apresentadas por ele
no Seminário 20 (Lacan,
1985).
2.
A sexuação feminina
Freud
(1931, 1933), ao investigar a sexualidade feminina, se
interrogou sobre os destinos da relação primeva da menina com
a sua mãe, anterior ao Complexo de Édipo. Chegou mesmo a se
perguntar se, no caso da menina, a relação com o pai é capaz
de substituir, completamente, a relação da menina com a sua mãe.
Segundo
ele, nos avatares da sexuação feminina, a substituição da mãe
pelo pai é feita, pela menina, a partir da descoberta da
diferença sexual e da conseqüente decepção com a mãe por
esta não ter e não dar o falo que ela, a menina, deseja.
Surge, neste momento, a reivindicação do falo e, numa evolução
favorável, a menina localiza o pai como aquele que tem o falo e
pode lhe dar. O desfecho desse remanejamento, na sexualidade
feminina, surge no consentimento da menina em substituir o pai
por um homem e receber dele um filho, como equivalente simbólico
ao falo que ela não tem.
Neste
raciocínio, a reivindicação do falo é o operador que
possibilita à menina separar-se da mãe e orientar-se em relação
à sua sexuação como mulher. Freud designa o desejo de ter um
pênis como sendo um desejo feminino por excelência (1933, p.
158). Não escapa a ele que a evolução edipiana da menina,
introduzida pela inveja do pênis, é longa e difícil. O Édipo,
ou seja, a orientação da menina para o pai, é um refúgio e
ela não tem grandes razões para abandoná-lo.
Do
que a menina se refugia quando recorre à ligação com o pai?
Freud nos dá uma pista ao afirmar que a relação da menina com
sua mãe permanece subjacente à sua relação com o pai,
parasitando a organização da sua sexualidade como mulher.
Na
perspectiva freudiana, a reivindicação do falo orienta a
menina em direção à sexualidade feminina. Ela se aferra a
essa reivindicação e não ultrapassa esse limite numa análise.
Freud articula, nessa resistência, a reivindicação do falo
com o repúdio da feminilidade. Para esclarecer esta articulação,
recorro a Coelho dos Santos (2006), que propõe que, em Freud, a
sexualidade feminina (Weiblich
sexualität) não se confunde com a feminilidade (Weiblichkeit). A sexualidade feminina se resolve a partir do falo e
seu substrato é a reivindicação do falo endereçada ao pai e
depois ao homem. Segundo Coelho dos Santos, o mistério, para
Freud, não era a sexualidade feminina, que se resolveria no
campo da organização fálica, mas a feminilidade, que ele
nomeia como continente negro, e que as mulheres também
repudiam. A conclusão da autora é que a reivindicação fálica,
à qual a mulher permanece fixada, representa uma manobra de
proteção em relação à feminilidade.
De
que trata, então, o repúdio da feminilidade na sexuação
feminina? Tentarei delimitar esse impasse na sexuação
feminina, a partir das fórmulas da sexuação, orientada por
Miller e Coelho dos Santos.
3.
As fórmulas da sexuação
O
axioma não há relação sexual sustenta as fórmulas da sexuação.
Não há relação sexual significa dizer que não há, de
partida, uma lei, uma regra de formação que ligue, que
possibilite a relação entre homens e mulheres. Trata-se, aí,
de uma inversão de perspectiva: da primazia do simbólico ao
axioma de que o real é sem lei (Miller
apud Coelho dos Santos,
2006, p. 91). Nas fórmulas da sexuação, aparecem os dois
modos de fazer suplência à relação sexual que não há, ou
seja, ao real sem lei: a sexuação masculina e a sexuação
feminina. Assim, a modalidade de laço sexual é diferente para
homens e mulheres. “O que uma mulher reivindica, seu sintoma,
sua posição subjetiva, é estritamente diferente da posição
masculina” (Coelho dos
Santos, 2006, p. 191).
Para
os meus propósitos, explorarei o que vem a ser a lógica do não-todo,
que opera na vertente feminina das fórmulas da sexuação, e os
avanços que ela permite realizar em relação à sexualidade
feminina. Segundo Miller (2003), o não todo, como lógica da
sexuação feminina, não é um limite ao tudo, não é uma
fronteira, além do qual haveria uma transgressão. O não-todo
também não pode ser pensado sob o modo do incompleto. A oposição
completo–incompleto está no âmbito da lógica fálica,
denominada por Lacan, nas fórmulas da sexuação, de lógica do
todo. A lógica do todo diz respeito à vertente masculina da
sexuação. Diz respeito à crença na exceção à castração,
funda um conjunto por identificação ao modelo. Para
compreender essa lógica é preciso sustentá-la nos mitos
freudianos do pai da horda primitiva (Freud,
1912-13) e no mito do Complexo de Édipo (Coelho
dos Santos, 2006). Nesta lógica, a feminilidade está
revestida pelas insígnias da pobreza, da falta, o ser da mulher
é marcado por um “a menos” irremediável.
O
não-todo é uma lógica de funcionamento para além da lógica
fálica. Nesse sentido, não funciona sob a crença da exceção
à castração. A crença é na universalidade da castração. Não
há a submissão à castração a partir da ameaça de castração
e a posterior identificação ao modelo. A mulher já é
castrada. Do lado da mulher, temos, então, “não a
identidade, mas a diferença, o sem identidade” (Miller,
2003, p. 17). Nesse sentido, “[...] o ser feminino é suposto
encarnar a diferença, inclusive consigo mesma, o que coloca de
forma subjacente uma vacuidade essencial” (Id.). Como conseqüência,
Miller aponta que a mulher receberia a sua identidade somente a
partir de um homem.
Na
sexuação feminina, como Freud apontou, a partida se joga a
partir da reivindicação do falo, na substituição da mãe
pelo pai e do pai pelo parceiro sexual. Esta substituição se
coordena com o consentimento da mulher em ser o objeto de desejo
de um homem, que, em Freud, pode ser pensado como a passagem da
atividade à passividade na sexualidade feminina. Este é o modo
como a mulher se insere na lógica fálica: ser o objeto causa
de desejo de um homem.
Há,
entretanto, uma outra vertente na sexuação feminina que
aparece, em Freud, sob o tema do enigma da feminilidade e que
Lacan formaliza sob o matema
. Segundo Coelho dos Santos,
“Lacan
contribuiu decisivamente para distinguir a reivindicação do
falo, própria da sexualidade feminina, da feminilidade
propriamente dita. Ele propõe formalizar esta última por meio
do matema .
Lacan equipara a feminilidade, o gozo da mulher – mais além
do gozo fálico da mãe – ao Outro gozo.” (2006, p. 3).
Esta
formalização permite circunscrever os impasses da sexuação
feminina. Na vertente fálica, trata-se de uma mulher transferir
para o parceiro amoroso o amor ao pai e o desejo de receber um
filho dele. O outro passo diz respeito ao repúdio da
feminilidade: “[...] é preciso que uma mulher efetue uma
separação a mais da posição de objeto suplementar ao gozo
feminino da outra mulher, ou seja, sua mãe.” (Coelho
dos Santos, 2006, p. 6).
Segundo
Coelho dos Santos (2006), esse outro gozo é o que Freud
denomina como pulsão de morte. Trata-se do real sem lei, sem
nome, sem a medida fálica que regula e submete todo gozo ao
princípio do prazer. Na sexuação feminina, a pulsão de morte
diz respeito ao gozo feminino da mãe, para além do falo.
Trata-se de situar a posição
que a menina ocupou, ao
responder ao que falhou para a mulher, que foi sua mãe,
em relação ao parceiro conjugal. Na análise de uma mulher,
este é o ponto que se transmite da mãe, como mulher, à sua
filha.
4.
Erotomania e amor
Como
apontei, a feminilidade, na sexuação feminina, diz respeito à
relação da mulher com
com um parceiro sem limites e que Lacan (1985) nomeia como Deus.
Trata-se, conforme assinala Lacan, da outra satisfação (fora
da lógica fálica) e que consiste nas palavras de amor, no
discurso amoroso (Lacan,
1985, p. 112).
O
campo da sexuação feminina aponta para um gozo sem limites,
que não é regulado inteiramente pela lógica fálica. Coelho
dos Santos (2006) ensina que as mulheres, infensas à ameaça de
castração, não têm nada a perder e esperam tudo receber.
Segundo ela, o desejo de ser tratada como exceção especifica o
desejo feminino como sendo essencialmente da ordem da demanda de
amor. Miller (2003) denomina essa relação da mulher com
de erotomania.
A
erotomania, no campo da psicose, constitui-se no delírio de ser
amado (Miller,
2006). O postulado fundamental da erotomania é a certeza que o
sujeito erotômano tem de ser amado pelo Outro. O exemplo clássico
freudiano de erotomania apresenta-se no caso Schreber. Ele
constrói um delírio em torno de uma erotomania divina, na qual
ele é amado, como uma mulher, por Deus.
A
erotomania, na psicose, coloca a céu aberto a relação entre o
amor e a loucura. A psicose, sem poder contar com a regulação
fálica, exibe a face devastadora do amor, a intensidade
desmedida da paixão. A erotomania envolve a recusa do desejo, o
esquecimento do sexo. Nesse sentido, o amor louco é sem sexo,
isto é, sem relação com o falo. Nesse sentido, como assinala
Borie (2006, p. 13) a erotomania representa uma objeção ao
amor como resposta ao impossível: a relação sexual que não há.
Estendendo
essas noções para o campo da sexuação feminina, Miller
(2003) indica a forma erotômana da mulher amar. Amor sem
limites, que repousa, justamente, na anulação completa do ter
(regulação fálica). É pela via do amor que a mulher visa o
ser mais além do ter. Esse estatuto do amor, como mais além do
ter, explica o aspecto ilimitado, infinito do amor. Como amar é,
fundamentalmente, querer ser amado, isso se traduz, na mulher,
por uma demanda insaciável de amor. Esta é a vertente erotomaníaca
da sexuação feminina.
5.
Um exemplo clínico:
Vânia
era obesa mórbida e, em 2003, se submeteu a uma cirurgia de
redução do estômago. Quando me procura, em 2006, por ordem da
endocrinologista, está com 100 quilos. Este é o motivo da sua
consulta: ela, praticamente, readquiriu, nestes três anos, o
peso que possuía antes da cirurgia bariátrica.
Vânia
tem 54 anos e formação universitária. Entretanto, trabalha
numa função burocrática, sem qualquer relação com a sua
formação. Aos 37 anos, o marido separou-se dela porque
arranjou outra mulher. Foi casada por 15 anos. Antes de se
casar, trabalhava na sua profissão. Logo que casou, perdeu o
emprego e, a seguir, engravidou. Não voltou a trabalhar fora.
Dedicou-se à casa e aos filhos. Foi surpreendida pelo pedido de
separação e se sente traída e decepcionada com o ex-marido até
hoje. Não compreende como o seu amor, a sua doação integral
à casa e à família foi tão mal recebida e não recompensada
pelo marido. Investiu tudo no casamento, como mãe e dona de
casa. Começou a engordar depois que teve os filhos e nunca mais
voltou ao peso normal. Depois da separação, não teve nenhum
parceiro amoroso.
Neste
relato, o primeiro ponto que desejo destacar é o
desaparecimento da sexualidade de Vânia no casamento. Logo que
se casa e tem filhos, torna-se toda mãe e parece reduzir o
casamento à parceria pai e mãe. Vânia não relata qualquer
mal estar sexual durante seu casamento, nem percebeu qualquer
sinal e insatisfação ou afastamento sexual do seu marido em
relação a ela. Eles trabalhavam, cooperavam, cada qual à sua
maneira, para manter e cuidar da família. A família ocupava
toda a preocupação de Vânia e a parceria sexual parece ter
desaparecido. A recusa em saber algo sobre o mal estar sexual
aparece, de forma traumática, com o pedido de separação do
marido. Até hoje, Vânia chora, penosamente, ao falar do
ex-marido, do divórcio. Ela parece não compreender porque o
amor não foi suficiente, não bastou para assegurar a relação
com o marido.
Sobre
seus pais, ela os descreve, unicamente, como pai e mãe.
Constituíram uma família, lutaram muito para sobreviver.
Dedicaram-se aos filhos. Interrogada sobre o casamento dos pais,
sobre a vida amorosa, sexual deles, ela fica surpresa e não
consegue lembrar qualquer sinal ou dizer qualquer coisa sobre o
que foi a vida dos pais como casal. Para ela os seus pais eram
somente pais: só amor, sem sexo. Declina-se, aqui, novamente, a
recusa de Vânia em saber sobre o sexual.
Neste
ponto, impõe-se a necessidade de um diagnóstico diferencial:
trata-se de uma recusa neurótica ou psicótica? Este diagnóstico
não é simples de se fazer, já que Vânia se apresenta numa
posição que poderíamos chamar de “posição psicótica” (Coelho
dos Santos, 2005, p. 83). Trata-se de sujeitos que se
apresentam, ao analista, numa posição de objeto, indicados por
outros, portanto, sem uma questão subjetiva, e exibindo
sintomas que não são uma formação do inconsciente ou um delírio.
Nesta posição ,são sujeitos que nada querem saber, que
rejeitam o inconsciente, não associam livremente, nem tampouco
apresentam um sintoma para ser decifrado. No caso de Vânia, o
seu mal estar deriva do fato de que ela é gorda. Não vou me
deter nos detalhes da investigação diagnóstica, pois não é
esse o meu objetivo. Não encontrei fenômenos elementares e o
modo como Vânia se serve do pai me inclinam a pensar que
trata-se de uma neurose.
O
ponto que me interessa ressaltar é o modo como se estabeleceu a
relação transferencial e o lugar que eu ocupo como analista.
Nos nossos encontros, os temas que ela apresenta giram em torno
da preocupação e do prejuízo. Ela está sempre preocupada e
se sente prejudicada sempre que o Outro não lhe diz as palavras
que ela deseja ouvir e que a situam num lugar especial, de
valor.Essa demanda tem relação com uma reivindicação ao pai,
de quem ela diz que “faltaram palavras”.
A
relação comigo, desde o início, é colorida por esta
reivindicação: ser tratada como uma exceção, ter um lugar
especial. Qualquer tentativa minha de operar uma retificação
subjetiva implicando-a enquanto desejante nos eventos que ela
relata, tem como resposta lágrimas, hostilidade, recriminações
de que não compreende o que eu disse, ou ainda que eu a
considero culpada e ela, então, procura se defender dessa
injustiça. Definitivamente, neste momento, implicá-la na parte
que lhe cabe na tragédia em que vive, não são, para ela, as
palavras certas.
Vânia
não quer saber sobre o seu inconsciente. Ela procura um lugar
especial no Outro. Ela reivindica o amor do Outro. É uma
demanda insaciável de amor. Ela quer palavras de amor.
Transferencialmente, ela me propõe essa parceria. Isso fica
evidente quando, um dia, preciso trocar o seu horário. Ela
acata, mas depois me diz que “eu tirei o horário que era bom
para ela”. Como resposta, imediatamente, levantei e confirmei,
na agenda, o horário que ela queria, dizendo que achava
importante ela conservar o horário que era bom para ela. Eu me
tornei, na transferência, segundo a indicação de Miller
(1995), o seu parceiro-sintoma. Como aponta Coelho dos Santos
(2005), nestes casos, aparece a céu aberto, o ponto onde o
sujeito se serve do analista como meio de gozo, onde se
evidencia a compulsão à repetição e a pulsão de morte.
É
claro que essa estratégia transferencial não é uma tentativa
ingênua de satisfazer a demanda de amor do sujeito. A meu ver,
a resposta do analista a essa demanda é uma resposta que acolhe
e interpreta, em ato, possibilitando, simbolizar isso que, até
então, não teve paradeiro ou nomeação. O ato interpretativo
do analista, na vertente real da transferência, evidencia,
recorta, localiza a exigência pulsional.
Vânia
quer ser amada. Ela é uma crente do amor. Podemos chamar essa
posição de uma posição religiosa, pois o paradigma é a relação
com Deus, com as palavras de amor. Trata-se de uma relação
amorosa que não é atravessada e, portanto, limitada pelo sexo,
pelo desejo. Trata-se da crença em um amor incondicional.
Esta
é a vertente erotomaníaca da sexuação feminina. Trata-se de
uma exigência pulsional que a relação ao falo não recobre e
que se traduz por uma demanda insaciável de amor: fome de
palavras de amor.
Penso
que esta pode ser uma hipótese frutífera a verificar nos casos
de obesidade crônica e obesidade mórbida. A obesidade crônica,
em mulheres, do ponto de vista pulsional, pode estar relacionada
a uma demanda de amor insaciável, não regulada pelo falo, ou
seja, que não está endereçada, localizada, limitada pelo
parceiro sexual.
Notas:
1.
Ver a esse respeito: Coelho
dos Santos, T. et Antunes, M. C.: “Se todo gordo é
feliz: a obesidade é um sintoma ou uma solução?”, In: Grimberg,
A.B. e Beividas, W. (org) Psicanálise e
conexões. Rio de Janeiro: Contracapa ed., 2006.
Referências
bibliográficas
Borie,
J. “Uma versión de la vida sexual sin el falo”, In: Miller,
J.-A. (org.). El
amor en las psicosis. Buenos Aires: Paidós ed., 2006.
Coelho
dos Santos, T. et
Antunes, M.C.: “Se todo gordo é feliz: a obesidade é
um sintoma ou uma solução?”, In: Grimberg, A.B. et
Beividas, W.
(org) Psicanálise e
conexões. Rio de Janeiro: Contracapa ed., 2006.
Coelho
dos Santos, T. et
Azeredo, F.A. “Um tipo excepcional de caráter”. In: Psychê,
São Paulo, n. 16, p. 77-95, 2005.
Coelho
dos Santos, T.
“O psicanalista é um sinthoma”. In: Latusa,
n. 11. Rio de Janeiro: EBP-Rio, 2006, p. 57–72.
_______.
Sinthoma: corpo e
laço social. Rio de Janeiro, Ed. Sephora/UFRJ, 2006.
_______.
“A prática lacaniana na civilização sem bússola”
In: Coelho dos Santos, T.
(org) Efeitos terapêuticos
na psicanálise aplicada, Rio de janeiro, Contra capa ed.,
2005.
Freud,
S. (1912-13)
“Totem e tabu”. In: Obras completas. Rio de Janeiro: Imago Ed. 1980, vol.
XIII.
_______.
(1931)
“Sexualidade feminina". Op. Cit. Vol. XXI.
_______.
(1933
[1932]) “Novas conferências introdutórias sobre psicanálise”.
Conferência XXXIII – “Feminilidade”. Op. Cit. Vol. XXII.
Lacan,
J. (1972-73) O Seminário.
Livro 20: Mais, ainda. Rio de Janeiro. Ed Zahar. 1985.
Miller,
J.-A. “Uma partilha sexual”,
Clique. Belo Horizonte, n. 2, p. 12-4-, 2003.
_______.
El amor en las psicosis.
Buenos Aires. Paidós ed., 2006.
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