Introdução:
Nosso projeto de Extensão é fruto
da parceria entre a Vara da Infância, Juventude e Idoso, de
Teresópolis/RJ com o Núcleo Sephora de Pesquisa sobre o moderno
e o contemporâneo, coordenado pela Profa. Dra. Tania Coelho dos
Santos. Esse projeto, hoje, se dedica a pensar a relação
existente entre a perda precoce dos pais, seja por morte e/ou
abandono, e a delinqüência daquelas crianças.
Nossa reflexão
terá como baliza a tese freudiana (1921), formulada em
“Psicologia de grupo e análise do eu”, que situa a psicologia do
sujeito como fazendo parte da psicologia do grupo. Esta
orientação nos leva a fazer uma contextualização da inserção
sócio-econômica e cultural dos sujeitos aos quais nos dedicamos.
A Vara da
Infância e Juventude funciona de modo diverso das outras Varas.
Ela tem um caráter sócio-educativo. Recebemos crianças de 8 a 18
anos com distúrbios de comportamento e/ou infratoras que se
encontram em estado de risco moral e social, sentenciados com
medidas preventivas ou com medidas sócio-educativas de liberdade
assistida ou semi-liberdade. Eles são, na sua maioria, de uma
camada menos favorecida da população e possuem uma organização e
um funcionamento familiar e psíquico bastante peculiar - vivem à
margem da legalidade, seja pelos terrenos ocupados nos quais
construíram suas casas, pelos “gatos” usados para puxar sua luz,
ou pelos laços matrimoniais que dificilmente são legalizados.
Nestas comunidades há uma enorme dificuldade de separação entre
o público e o privado. A vida privada de cada indivíduo é
pública e, por isso, “solidariamente”, todos participam de tudo.
No entanto, a responsabilidade pessoal é fraca quanto aos seus
laços afetivos e sexuais.
As famílias
destas comunidades são, muitas vezes, compostas pela mãe com
seus filhos, frutos de parceiros variados, outras, por um pai
cuja mulher o deixou sozinho com seus filhos, que acabam vivendo
junto aos avós, ou mesmo de filhos abandonados por pai e mãe
vivendo sob a tutela de seus avós. São, pois, menores advindos
de uma classe da população que é assistida pela rede pública –
de saúde ou educacional - onde o comportamento e o equilíbrio
psíquico das crianças e adolescentes também é assunto do
Ministério público (Coelho
dos Santos e Amin
de Freitas, 2005).
Para Coelho
dos Santos e Amin de Freitas (2005), mesmo que estes sujeitos
estejam fora do que se define como "contrato moderno dos
direitos e deveres", da acumulação, do projeto e do planejamento
do futuro, eles não deixam de participar da sociedade de
consumo. Nossa sociedade está regida pelo discurso religioso da
fraternidade, da caridade e da igualdade. Notamos que uma
importante camada da população está sob o império desta lógica.
Assim, grande parte da camada carente de nossa população, os
desfavorecidos econômica e socialmente, se encaixam nesta lógica
dos desamparados filhos de Deus que devem ser tomados como
vítimas da história pessoal ou política deste país. Esta lógica
se encaixa bastante bem no que Freud (1916) chama de caráter de
exceção.
Ele narra que
encontramos no trabalho psicanalítico três tipos básicos de
caráter: os que se consideram "exceções", os "fracassados pelo
êxito" e os "criminosos devido ao sentimento de culpa". Coelho
dos Santos e Azeredo (2005) consideram que os dois últimos tipos
de caráter vinculam-se ao sentimento de culpa, ligado a uma
sociedade sustentada pela figura de autoridade - do pai -
servindo como ideal do eu em sua formação. A autora escreve que
a sociedade contemporânea é acompanhada de um avanço na direção
da satisfação direta das pulsões, reconhecendo o crescimento do
tipo de caráter dos que reivindicam ser tratados como
“exceções”. Aquele em que um sujeito, a partir de seu lugar de
lesado, acredita não precisar abrir mão de mais nada, não
precisando inclusive se responsabilizar e se implicar no que
tange a seus laços de inserção na sociedade.
A orientação
de nosso trabalho visa à legalização dos lugares de autoridade e
a marcação das diferenças sexual e geracional, assim como ao
comprometimento do sujeito em seus atos, tentado provocar neles
sua divisão e implicação subjetiva em seus atos.
Para Coelho
dos Santos (2001) há uma expansão de “laços sintomáticos frouxos
que deixam o sujeito mais exposto à invasão de um gozo
deslocalizado, ao excesso de angústia e à produção de suplências
fora do discurso, fora do laço social”. Assim, quando essas
crianças sofrem a perda de um dos pais, essa perda é gravíssima
e incita respostas contundentes porque já existe antes dela uma
desagregação familiar que provoca um funcionamento psíquico
banhado de precariedades.
É a partir
deste contexto e de nossas observações que tentamos avançar
quanto à especificidade da perda em jogo nestes casos, seja
relacionada à precocidade da perda e suas conseqüências, seja na
particularidade do laço destas crianças, menino ou menina, ao
pai ou à mãe no referido contexto.
Teoria
Para Freud
(1915), no processo de luto, a retirada de libido do mundo
externo pelo sujeito neurótico é condição para que ocorra a
subjetivação da perda de uma pessoa amada. Este trabalho por
parte do sujeito é a condição para que ele possa reinvestir o
mundo e seus objetos. Mas, naquele momento, Freud não se dedica
a pensar qual a especificidade do luto em crianças.
Helène Deutsch
(1937), em seu artigo sobre a falta de lamento nos lutos
infantis, nos ensina a reconhecer o papel central ocupado pela
perda de um dos pais na infância. Segundo ela, a partir disso,
assistiremos nas crianças a uma produção de sintomas e anomalias
de caráter. Elas lançarão mão de mecanismos de defesa narcísicos
para subjetivar minimamente a perda em questão. Tais defesas
poderão desembocar numa patologia do laço social.
A perda
precoce leva os sujeitos ao recurso narcísico, fazendo com que a
angústia insuportável da perda e suas conseqüências se localizem
no outro e não mais neles próprios ao se fixarem na posição de
objeto. É deste modo, que eles se dispensam da responsabilidade
por sua enunciação e deixam ao encargo do outro tanto a angústia
quanto a impotência diante de tamanho desastre. Esta é a razão
pela qual encontramos freqüentemente, entre as crianças que
atendemos quadros de estruturas psicóticas, posições psicóticas
e/ou delinqüência como respostas diferentes, para meninos e
meninas, aos momentos diversos da incidência da perda e segundo
a perda seja do pai e/ou da mãe. Quanto mais cedo as perdas se
dão, mais estragos são colhidos na vida psíquica dos sujeitos. O
retorno ao funcionamento narcísico protege-os do pior quando o
recobrimento fálico vacila para um sujeito.
O Eu e o
narcisismo
Nos anos de
1910-1911, Freud desenvolve duas linhas importantes para pensar
a constituição do ego: em seu estatuto pulsional baseado na
auto-conservação, e como objeto da libido, primeiro objeto
organizador das pulsões.
Freud (1885)
escreve que a realidade de pensamento – que vem a ser chamada de
realidade psíquica em 1900 - é o trabalho do aparelho psíquico
para nos tornarmos humanos. Ele escreve que esta realidade
advirá das experiências vividas entre o bebê e seu semelhante (Nebenmensch),
ou seja, aquele que cuida com ações especificas das
urgências do bebê.
Em 1915, ele
nos ensina que a libido vem da assistência alheia desempenhada
por aquele que se ocupa do bebê, a mãe. Freud (1921) fala que a
identificação é o tipo de laço libidinal mais primitivo do
indivíduo baseado em traços de outra pessoa que servem de molde
para construção do eu.
A mãe que se
ocupa de seu bebê, investirá seu rebento falicizando-o e
dando-lhe um corpo tecido por suas palavras e olhares que
constituirão este sujeito. Quando Freud fala do investimento
pulsional da mãe em seu bebê, ele está se referindo à capacidade
de amar da mãe. Este amor provoca a “nova ação psíquica” (Freud,
1914) que retira o bebê do auto-erotismo, convidando-o a amar a
si mesmo, ao mundo e a seus objetos. Este passo é necessário ao
complexo de Édipo, ao complexo de castração e à sexuação.
Em 1905, Freud
estabelece a satisfação auto-erótica das pulsões sexuais.
Voltadas para o próprio corpo, constituem as zonas erógenas
orientadas pelo princípio do prazer sem a preocupação com sua
autopreservação. Há uma dispersão pulsional em que estas
pulsões, independentes umas das outras, não promovem a
necessidade do bebê buscar um objeto fora de si para sua
satisfação. A parcialidade, plasticidade e a satisfação
auto-erótica das pulsões sexuais são as características que lhes
dão a condição de não se submeterem ao princípio de realidade,
mas esta ilusória harmonia tem seus dias contados. O excesso de
excitação leva o bebê a ter uma descarga motora que a mãe, no
melhor dos casos, tomará como um chamado dirigido a ela. Assim,
ao tomar o bebê como seu objeto de cuidado e de amor, investirá
seu corpo e o inserirá na história daquela família. Esta ação
instaurará a relação com a imagem da unicidade do Eu e fará a
passagem da proliferação perverso-polimorfa das pulsões à
unificação da imagem à qual o bebê procurará amar e preservar.
O sujeito
amará a si mesmo através do semelhante que o cuida, em
particular quando este outro se apresenta como um complexo
separado dele. Tomar a si mesmo como objeto de amor transporta
para si a qualidade das relações eróticas com o primeiro objeto
libidinalmente investido, a mãe.
O narcisismo
seria, portanto, uma etapa de constituição de um objeto único, o
ego que confluiria as pulsões sexuais, parciais e auto-eróticas
em si. A libido convergirá em direção ao próprio corpo como
objeto de amor e se organizará a partir do primado da imagem, do
corpo e da diferença sexual. O investimento pulsional se dá no
campo dos objetos e no campo onde o próprio indivíduo se inclui,
através de seu corpo, inserindo-se na sexualidade enquanto
objeto de amor como todos os outros objetos.
É via
identificação com o traço que vem do semelhante (Nebenmensch)
que o eu poderá se formar, trazendo consigo uma história que o
enquadra numa identificação sexuada a partir da qual ele
subjetivará seu destino sexual. Ele se organizará a partir do
primado da imagem tomada do outro, do primado do corpo e da
diferença sexual - sede da ambivalência do sujeito. A estrutura
dinâmica narcísica, portanto, é constituída da formação do Eu e
da perda da ilusão da indiferenciação eu/mundo externo. Freud
(1923) definirá o Eu como um precipitado de catexias orientadas
para o semelhante já marcado pela diferença sexual. Por isso, o
Eu pode representar as exigências de um mundo exterior, do pai,
da mãe, enfim, das pessoas significativas para aquele sujeito.
O narcisismo
será o passo necessário para a entrada no Édipo. O Édipo
introduz a necessidade de identificação a um tipo sexual, o que
introduz para o sujeito uma perda: a da sua indiferenciação
eu/mundo. A relação consigo mesmo marca e se atualiza através da
relação com o Complexo paterno.
As
identificações secundárias, pertinentes ao desfecho do Édipo e
advindas dos efeitos do complexo de castração, se estruturam
através do ideal do eu. Ideal este que deverá ser transmitido
pelo pai. Sendo aquele que interdita o objeto incestuoso, a mãe,
o pai desempenha uma função apaziguadora da rivalidade instalada
pela identificação primária. A rivalidade com a figura parental
do mesmo sexo no Édipo advém do solo já plantado pelo jogo de
vida ou morte encenado pela identificação imaginária.
O ideal
implantado pelo pai está, portanto, referido ao narcisismo e nos
mostra como a transferência da libido para os objetos constitui
o fundamento do laço social. O ideal é aquele que esclarece o
funcionamento da constituição e organização do investimento
objetal enquanto amplia o alcance da libido sendo tomado na
constituição do laço social.
Lacan e o
eu
Lacan (1949)
em seu primeiro ensino dedicou-se à releitura dos textos
freudianos. Com este intuito, ele toma Estádio do espelho, uma
experiência retirada da biologia comportamental para explicar o
que Freud chamou de construção do eu e da realidade psíquica,
pela via dos efeitos psíquicos da imagem no espelho nos bebês.
Lacan descreve
(1949, p. 94) a experiência do estádio do espelho dizendo que a
partir da idade de 6 meses, mesmo antes de conseguir ficar
ereto, notamos o júbilo do bebê diante de uma imagem
antecipatória de unidade corporal diante do espelho, que será
tomada para si pelo bebê a partir do olhar e da fala do Outro
materno que lhe designa enquanto tal. Lacan escreve que, para
que esta apropriação do que se vê se dê na medida satisfatória,
é preciso que este sujeito esteja posicionado em um lugar de
onde ele possa ter a ilusão da unidade corporal produzida por
este olhar do Outro. Assim, a partir da fala e da imagem, este
sujeito se situa no mundo Simbólico ordenado pelo Nome-do-Pai.
Esta imagem
será a matriz imaginária da relação do sujeito com os outros.
Trata-se de uma imagem investida libidinalmente pelo Outro
materno que se encontra relacionada e sustentada pelo universo
simbólico. Ou seja, pelo campo do Outro como tesouro dos
significantes, que irá banhar o sujeito de suas palavras
respaldando sua imagem enquanto imagem de si mesmo. O eu será,
então, o lugar onde o mundo se organiza através das formas e das
relações, por isso o eu lacaniano é imaginário.
Esta
experiência do Estádio do espelho mostra como a imagem se enreda
no Simbólico. O Simbólico é feito de palavras, de metáforas e
metonímias das substituições significantes que vão cavar as
faltas e as interpretações, construindo desta forma o
inconsciente como uma interpretação da diferença e formando
então a realidade psíquica (Freud, 1900) que Lacan fará equivaler ao significante do
Nome-do-Pai.
O
Nome-do-Pai
A ordem
simbólica constitui-se enquanto função mediadora da relação
imaginária, intervindo como reguladora da distância entre o
sujeito e o outro. O Simbólico introduz, pois, o sujeito no
mundo.
O Nome-do-Pai
será destacado por Lacan como o significante que ordena o mundo,
a cadeia, operando a possibilidade do laço social entre os seres
humanos, seus engajamentos e diferenças. Insere o sujeito na
cultura, no campo do Outro da linguagem. Portanto, o Nome-do-Pai
ordena para o sujeito o campo do Outro, fornecendo um sentido ao
obscuro desejo materno.
No jogo
dialético da presença ausência da mãe, o Nome-do-Pai dará a
significantização à ausência da mãe, retirando-a da categoria de
capricho, e ao sujeito, do puro desamparo. Do capricho materno
ao desejo, o sujeito poderá passar do desamparo à interpretação
do desejo da mãe como sendo algo que está para além dele mesmo.
É a ausência significantizada da mãe que promoverá a separação
do bebê de seu objeto primordial - sua mãe, e fará o sujeito
advir como desejante.
A ordenação
promovida pelo Nome-do-Pai lança o sujeito na linguagem e ordena
a cadeia significante introduzindo a lei da oposição
significante que lhe dará a possibilidade de dialetizar as
experiências de sua vida.
No entanto, a
função da metáfora paterna não se dá de forma igual para meninos
e meninas, porque a identificação ao traço no corpo não é igual
para ambos. Por possuírem pênis, os meninos têm a possibilidade
de se identificarem ao pai a partir deste traço fazendo o
conjunto dos homens. As meninas, ao contrário, se aferram a esta
falta por não terem o significante que as identifique enquanto
tal. Embora o pai também ocupe para as meninas o lugar de ideal,
ele será aquele que tem o pênis e pode doá-lo. Portanto, a
função paterna, a função fálica, a nomeação e a simbolização do
desejo da mãe não podem se dar da mesma maneira para ambos os
sexos, haja vista que eles partem de premissas diferentes o que
os coloca de maneiras diversas em sua relação com o pai.
O desejo da
mãe se refere ao corpo e às pulsões e o pai, ao que insere a
ordem da linguagem e da cultura. O sujeito, que é fruto do
desejo de um homem por uma mulher, terá que tecer o mito do
Édipo para subjetivar, melhor ou pior, este excesso pulsional da
posição sexual de cada sujeito.
O Édipo e a
sexuação
A organização
do mundo psíquico para Freud (1925) é falocêntrica e a anatomia,
o destino a ser subjetivado, diferentemente para homens e
mulheres.
O complexo
edipiano, mito das relações do sujeito com seus semelhantes, se
enlaça ao complexo de castração e é, segundo Freud, o
responsável pelo laço entre a esfera social e a vida psíquica.
Antes do
Édipo, o primeiro objeto de amor de meninos e meninas é a mãe,
sendo que esta relação se estrutura de maneiras diversas para
ambos e é um ponto de especial dificuldade para as meninas
porque o objeto de amor não se separa do objeto da
identificação. Freud observa a intensidade da duração do caráter
libidinal resultante da relação entre a menina e sua mãe e uma
enorme permanência de disposições e fixações deixadas por esta
relação.
A
identificação primordial (Freud, 1921), tanto para meninos quanto para meninas, é
resultado do amor ao pai e é anterior a qualquer escolha de
objeto. Já a identificação sexual é fruto do complexo de Édipo e
do complexo de castração. A respeito da relação existente entre
os complexos de castração e o edipiano, existe um contraste
fundamental entre os dois sexos. Se, por um lado, os meninos
declinam do Édipo por causa da ameaça de castração, por outro, o
complexo de castração é o responsável por introduzir as meninas
no complexo de Édipo (Freud,
1921, p. 318). Tendo a castração como dado primeiro, as meninas
precisam de motivos muito fortes para a demolição do Édipo (p.
319), para se separarem de suas mães, partirem em direção ao pai
e, mais tarde, elegerem um homem.
Se na
modernidade Freud toma a anatomia como destino a ser subjetivado
com o auxílio das famílias nucleares, diante da pós-modernidade
e da conseqüente modificação da formação das famílias, Lacan nos
propõe a diferença sexual como ponto de real, ponto de
constrangimento sobre o qual o sujeito terá que encaminhar uma
solução, segundo sua posição sexuada.
Por isso,
auxiliado pela teoria freudiana sobre a diferença sexual, o
complexo de castração e o repúdio à feminilidade, Lacan (1972)
dá o passo a mais, formalizando o funcionamento psíquico de
homens e mulheres a partir da singularidade de seus gozos e
descrevendo a clínica da sexuação.
Do lado
masculino, a identificação apoiada no pênis, pedaço de carne
real no corpo, sustentará e dará o sentido ao que é ser homem. A
ameaça de castração, ou seja, seu modo de regulação fálica
levará um menino não só a declinar do Édipo, como abrir mão do
objeto incestuoso, a mãe, preservando o traço identificatório
tomado do pai que é investido na fantasia e recuperado mais
tarde pela via da eleição de um parceiro amoroso. Assim o menino
identifica-se ao pai estruturando sua relação com os ideais
paternos e culturais.
Lacan (1956)
escreve que o pai é aquele que priva a mãe do gozo do filho. É a
transmissão do falo que permite ao menino se separar do lugar
fálico ocupado em relação à sua mãe se inserindo na linhagem
masculina de sua família. São essas condições que fornecerão as
bases para que possa, num dado momento, utilizar seu pênis ao
eleger uma mulher como causa de seu desejo. É a função do pai
que dá potência à metáfora paterna e promove então a
desidentificação ao falo e a assunção da castração para um
menino. Assim, o modo masculino de nomear a relação sexual que
não existe é submeter o sexo ao discurso da interdição e do
recalque. É identificar-se ao traço unário, isolar o objeto do
gozo como fetichista e ordená-lo pela via do fantasma. Trata-se
poder se servir do pai como significante da exceção para nomear
o gozo (Coelho dos Santos, 2006).
A carência do
pai na sua função possui gradientes para os sujeitos. A carência
radical requer do sujeito seu ego e seu narcisismo tanto para
meninos como para meninas de maneiras diferentes.
O
funcionamento do narcisismo é um obstáculo aos investimentos
objetais necessários à futura escolha de um parceiro sexual,
pois quanto mais o sujeito, seja ele homem ou mulher, se aferra
ao narcisismo, mais auto-erótico e menor a possibilidade de uma
escolha de um parceiro sexual. Segundo Lacan (1998, p. 692), a
entrada no Édipo aponta três articulações importantes que
deverão se dar para cada sujeito: a identificação a um tipo
sexual, a futura escolha de um parceiro sexual e o cuidados com
os filhos advindos da mesma. A perda precoce parece colocar em
questão os dois primeiros pontos.
Quanto às
meninas, Freud (1931) nos ensina que o laço dela com a mãe porta
uma ambivalência importante e uma devastação estrutural. Para
Dominique Laurent (2006), este laço será mais ou menos intenso e
devastador segundo a possibilidade da mãe, enquanto mulher,
encontrar um parceiro sexual que possa ser suporte do
significante fálico e âncora de seu gozo.
Uma mulher,
pela falta de pênis, não tem um suporte no corpo que possa ser
âncora de sua identificação. Sua castração efetiva torna a
dissolução do Édipo problemática porque a decepção de não ter
recebido um pênis da mãe é interpretada como sendo da ordem de
um capricho da mãe. Por isso, o que resta irrecalcável nesta
relação entre duas mulheres é o que Freud conceitua como
reivindicação do falo.
Freud (1914)
afirma que a escolha objetal feminina é do tipo narcísica, Ele
colheu esta observação nas escolhas amorosas feitas pelas
mulheres. Uma relação pautada pela maior ou menor necessidade de
ser amada por seu parceiro sexual. A eleição do parceiro amoroso
é o ponto onde aparece a fixação ao gozo mortífero relativo à
vida pulsional pré-edípica da menina com sua mãe. O amor será
então para uma mulher o eixo em torno do qual se dará seu
funcionamento.
A relação da
menina com o limite, com a localização do gozo, não pode se
fazer via órgão peniano, mas pela via do amor. Como Dominique
Laurent (2001) ressalta tão bem em seu texto, essa via é
contingencial porque depende do parceiro sexual para ser
localizada. A relação da mulher com o amor é erotomaníaca por se
tratar de uma demanda ilimitada e incondicional de amor ao
Outro.
A relação da
menina com sua mãe depende diretamente da relação da mãe,
enquanto mulher, com um parceiro sexual. A insatisfação sexual
da mãe leva facilmente uma menina a se oferecer como suplemento
ao gozo feminino desta Outra mulher que é sua mãe.
O amor
funciona, para ambas, como uma borda, um obstáculo mesmo à
aspiração pela pulsão de morte, ao excesso feminino, por isso
qualquer vacilo na esfera do amor a coloca a deriva em sua vida
pulsional e pode levá-la facilmente a ser aspirada pela pulsão
de morte (Laurent,
2001). Será o parceiro sexual que poderá ser o suporte do
significante fálico do desejo de uma mulher e do discurso
amoroso. Ao elegê-la como sua mulher, o homem lhe dá o
suplemento de ser de mulher localizando seu gozo e seu desejo.
Vinhetas
Clínicas:
Tomaremos três
casos de neurose entre meninos e meninas que são encaminhados à
Vara da Infância por suas escolas por causa de atitudes
delinqüentes no meio social.
São casos que
envolvem, respectivamente, uso de drogas, roubo e prostituição,
mas que, diferente do que poderíamos supor a princípio, não se
trata de invenção ou suplência do Nome-do-Pai, mas sim de
sintomas que se enodam pela via Nome-do-Pai articulado à
pére-version de cada pai especificamente.
A justa medida
da versão do pai ao posicionar seu mais de gozar, seu objeto
a, elegendo uma mulher como causa de seu desejo, incide
sobre o obscuro desejo da mãe. Quando o pai se posiciona como
desejante, como sexuado, a inscrição do falo para uma criança
pode operar abrindo a possibilidade para aquele sujeito se
colocar em relação ao significante do gozo e do desejo. Esta
posição terá como argumento a função fálica em que o Nome-do-Pai
fará a função de enodamento do sintoma para aqueles jovens.
Encontraremos
dois casos de meninos e um caso de menina nestes relatos. Os
casos dos meninos coincidem no tipo de perda, na idade da perda
e do abandono, assim como no seu destino, a família paterna.
Diferenciam-se no acolhimento destes meninos por estes
familiares, fato que será determinante em suas respostas à perda
e ao abandono porque atacam sua inserção na linhagem masculina
de sua família.
Quanto à
menina, ela responde à morte da mãe de acordo com sua posição
sexuada, com a denegação da morte da mãe provinda do discurso
familiar, mas ainda lhe resta um pai que está decidido a exercer
sua função enquanto tal, o que lhe proporciona um destino
melhor.
1° caso:
X é um rapaz
de 17 anos e desde 1 ano de idade vive sob a guarda da avó
paterna quando sua mãe o abandonou depois da morte de seu
companheiro. Desde então foram raras as vezes que a mãe procurou
por X. Hoje ele vive junto aos tios e a avó paterna.
X foi
encaminhado pela escola à Vara da Infância. Seu desempenho
escolar é muito bom. Usa drogas e foi retirado do tráfico por
sua avó. Ela narra que ele é um bom menino, carinhoso, mas
quanto ao trabalho, "não quer nada com nada".
X diz que usa
drogas porque não entende o motivo que leva sua mãe a
abandoná-lo. Ele diz que ela “não quer nada com nada”. Ninguém
sabe dela, do que vive, onde vive. No entanto, ele relata ter
começado a usar drogas quando, numa festa, soube que o pai era
usuário. Ali, ao usar drogas, ele se sentiu filho deste pai,
assim como os colegas, que o ovacionaram dizendo "Ah, sim, você
é tão bom nisto quanto seu pai."
2° caso:
Y é um menino
de 12 anos e desde 1 ano de idade vive sob a guarda da avó
paterna quando sua mãe o abandonou depois da morte de seu
companheiro. Desde então foram raras as vezes que a mãe procurou
por Y.
Este menino
foi encaminhado à Vara da infância pela escola porque seu
desempenho escolar é o pior possível. Ele mente, rouba pequenos
objetos na escola e na rua, agride os colegas e enfrenta os
professores. Não obedece a avó, mas não a desacata. Ela reclama
o tempo todo dele e o trata como um fardo.
Ele viveu até
4 anos de idade com esta avó. Foi levado para casa da tia
materna onde era tratado como um empregado da casa, segundo a
avó. Retorna, dois anos mais tarde, para casa da avó, que sempre
o ameaça de entregá-lo aos cuidados da justiça. Há um enorme
descompromisso desta família com este menino. Não se sabe ao
certo quem se responsabiliza por ele.
3° caso:
Z é uma moça
de 15 anos. Vivia até o ano anterior com sua irmã e sua mãe em
outra cidade, depois da separação dos pais. A mãe morreu ano
passado, tempo em que ela e a irmã vieram para junto do pai, já
casado pela segunda vez. Elas têm uma péssima relação com a
madrasta e, apesar dos esforços do pai, elas enfrentam a ambos e
os desobedecem.
Z foi
encaminhada à Vara da Infância pela escola por desacato aos
professores, agressão aos colegas e suspeita de prostituição.
Z narra que a
mãe era sua melhor amiga e, quando saíam juntas com a turma, ela
sabia que Z esvaziava os pneus dos carros, mas ainda mantinha um
certo respeito pelos professores e colegas de escola. Depois da
morte da mãe ela diz que teve certeza de que não tinha mais nada
a perder. "A partir daí não tenho mais que fingir que sou
boazinha, não tenho que respeitar mais as pessoas. Elas que se
danem.”
Ela ameaça o
pai o tempo todo dizendo que irá morar com suas irmãs mais
velhas em outra cidade. Ele se acovarda e recua.
Tomamos a
decisão de convocar estas irmãs de Z as quais se negaram a
levá-la consigo.
Conclusão:
A escolha
destes três casos de neurose se deve à tentativa de mostrar
como, neles, a delinqüência, o uso drogas, o roubo e a
prostituição configuram-se como sintomas relacionados à
pére-version e não como uma invenção ou suplência do
Nome-do-Pai. A estruturação do funcionamento psíquico de meninos
e meninas nos mostra os pontos problemáticos e o que fica em
questão quando da perda precoce das figuras parentais.
A perda,
principalmente a da mãe, ataca a imagem unificada a qual o bebê
se dedicou a amar e a preservar fazendo o sujeito retornar às
suas fixações narcísicas porque quando o que teria que ficar
recoberto pela imagem fálica vacila, há um retorno ao
funcionamento narcísico e auto-referido nos meninos e uma
acentuação do funcionamento narcísico nas meninas.
No 1° caso – X
– verificamos que o uso de drogas surge no momento exato em que
numa festa seus companheiros lhe revelam que seu pai era usuário
de drogas. Trata-se do traço paterno que ele retira do labirinto
de objetos e identificações edipianas.
X é fruto de
uma relação entre um homem e uma mulher que não tem grande valia
para ele, trata-se de uma relação fugaz, sem maiores
compromissos. Ele se queixa e se ressente do seu abandono por
sua mãe e ao descrevê-la ele diz “ela não vale nada”. A
possibilidade de enunciar que seu uso excessivo de drogas era
uma forma de se "anestesiar" da imensa dor que sentia pelo fato
de ter sido abandonado pela mãe, reduziu drasticamente este uso.
Seus sintomas – o uso de drogas e não querer nada na vida – se
articulam com o que pode ser extraído como traço identificatório
deste pai e com o valor de sua mãe. O que ele pode pinçar da
pére-version, ou seja, da versão que ele supôs a seu pai
quanto ao seu objeto mais-de-gozar.
A sustentação
dada a X pela família paterna, o amor desta avó paterna por ele,
protegem-no do pior, inserindo-o, bem ou mal, na série da
linhagem masculina de sua família, ou seja, abrem-lhe a
possibilidade de recuar do tráfico e se arriscar menos, não
necessitando que ele chegue às últimas conseqüências de sua
delinqüência.
No 2° caso, o
abandono de Y por sua mãe e o posterior uso deste menino para
tentar apropriar-se indevidamente da possível indenização pelo
atropelamento do pai de Y, que não lhe pertencia por direito,
instala Y numa posição bastante problemática porque se soma ao
descaso da família paterna. Isso deixa Y sem perspectiva, numa
posição depressiva e sem crença no futuro.
A delinqüência
de Y vem no lugar de um estado depressivo que responde a esta
falta de lugar e de horizonte na vida. A delinqüência se
apresenta aqui como um apelo enlouquecido ao Outro. Apelo a um
significante que venha em oposição ao “não ter valor” ao qual
ele foi lançado, que possa dialetizar com este destino,
localizá-lo e interpretá-lo em seu apelo.
A ausência
parental afeta este significante que deveria vir em oposição ao
sujeito, localizando seu desejo e gozo, tirando-o deste estado
de pouca valia. A delinqüência é seu meio de vida. Na falta
deste significante o sujeito fica à deriva. A delinqüência é,
pois, para Y, a forma de se manter vivo e ainda com algum tipo
de laço. É um apelo ao Outro, uma tentativa de enlaçar-se de
alguma forma.
Muitas vezes
nos perguntamos sobre o diagnóstico deste menino e sobre que
efeitos seriam possíveis de serem obtidos diante de tanto
desamparo. Preocupamo-nos em pesquisar a existência de rastros
de traços identificatórios paternos. Encontramos alguns: o
menino tinha o mesmo nome próprio do pai, mas sem o sobrenome
paterno e era campeão de um determinado esporte como o pai
também havia sido.
Os efeitos
terapêuticos foram colhidos no rastro da recuperação da história
de seu pai, que nunca foi visto por Y, nem mesmo em foto. Nos
arquivos do jornal da cidade conseguimos uma pequena fotografia
em que ele recebia sua medalha de campeão esportivo. Por esta
mesma via, foi possível saber que o pai se dedicava a ensinar
esse esporte a crianças de uma escola do interior. Esta
descoberta possibilitou requerer junto à justiça o
reconhecimento da paternidade e a conseqüente inserção do
sobrenome paterno no nome de Y.
Hoje ele
aguarda uma vaga para trabalhar como ajudante de secretaria em
uma escola no interior. A interação do trabalho realizado entre
as entrevistas preliminares, seus efeitos terapêuticos e a
intervenção feita pela Vara da justiça interditando sua
delinqüência - que também o acolhe - talvez possibilitem, para
ele, um destino melhor. Apostamos que estas intervenções possam
trazer efeitos interessantes para vida de Y.
No terceiro
caso, vemos Z bastante articulada à reivindicação fálica e à
posição erotômana, estrutural para as mulheres. Para esta
menina, a deslocalização estava presente desde a separação dos
pais, quando sua mãe fica à deriva na localização de seu desejo
e gozo, convocando Z para sua companheira e parceira suplementar
de sua insatisfação amorosa. Segundo Z, as duas eram confidentes
e inseparáveis depois que o pai as deixou. Z vem, então, colocar
em cena o sintoma da relação entre os pais apresentando-se como
objeto suplementar à mãe e tendo como conseqüência o apagamento
da diferença geracional entre ambas.
Quando da
perda da mãe, ela afirma que não irá morar com o pai, como se
houvesse outra possibilidade que não esta, denegando a situação
atual. Ela diz que seguirá para a casa das irmãs em outro
Estado. Foi neste momento que nós, da Vara da Infância,
decidimos convocar as irmãs. Elas compareceram para dizer que
“irmã não era mãe” e que, por isso, não se viam obrigadas a
cuidar de Z. O discurso familiar até então vigente era o de
dizer a Z que ela não podia ir para esta outra cidade. No
entanto, nunca deram o devido peso ao beco sem saída em que Z
ficou em decorrência da perda de sua mãe. O desmentido da morte
da mãe atuava assim de forma dramática provendo uma ilusão e uma
deslocalização a mais para Z.
A perda da mãe
intensificou para Z a posição de injustiçada (Miller,
2003), posição que já vinha se intensificando desde a separação
dos pais. Com a morte da mãe, Z passou a cobrar de Deus e do
mundo esta injustiça com juros e correção monetária. A
convocação das irmãs de Z proporcionou sua inserção na família
atual do pai, sua reinserção na escola e em um trabalho, do qual
recebe um salário que é usado para si.
Os três casos
mostram a impossibilidade de abordar o Real - seja da perda ou
do abandono – sem passar pelos laços edipianos e sexuais
encarnados para cada sujeito. Se, para X, o traço
identificatório com o pai promove o sintoma, para Y, a
delinqüência era o modo de se manter vivo. Para Z a delinqüência
era o signo de sua deslocalização, do excesso feminino
apresentado na forma de uma devastação e de um pedido
incondicional de ser compreendida, aceita e amada.
Verificamos a
partir destes casos em especial e em outros tantos atendidos por
este Serviço, que, se os meninos perdem suas mães, o que fica em
questão é o seu lugar fálico. Se perdem o pai, o problema recai
sobre a transmissão do falo e sobre o uso posterior do pênis e
inserção na lei masculina de funcionamento.
Se uma menina
perde a mãe, o que vacila é a esfera do amor, a borda que a
protege da aspiração pela pulsão de morte. Se perde o pai, perde
a ponte necessária ao passo a mais que a levará, de uma boa
forma, a um parceiro sexual, resultando, em alguns casos, numa
busca e troca desenfreada de parceiros, inflando ainda mais a
posição erotômana de uma mulher e sua posição reivindicativa.
Se a menina
permanece na reivindicação fálica é porque isso a protege do
laço devastador entre ela e sua mãe. O menino se defende do laço
com seu pai através do repúdio à submissão a um outro homem, ou
do repúdio à lei do mundo masculino. O repúdio da feminilidade
no lado masculino é o repúdio à submissão ao pai, e visa
proteger o menino do fracasso de se tornar homem ao sucumbir no
seu amor ao pai. Porém, sem o amor e o cuidado do pai, ele corre
o risco de continuar para sempre na posição fálica em relação à
mãe (desde que haja esta mãe). A falta do suporte materno
aumenta sua possibilidade de cair na posição de dejeto.
Esses são os
diferentes modos de resposta subjetiva à perda ou ao abandono
parental em sua articulação à posição sexuada de cada sujeito.
Apesar de
todas precariedades, os pais dos meninos em questão conseguiram
localizar para seus filhos a singularidade das escolhas de suas
parceiras como causa de seu desejo. Esta localização provocou
uma versão que abriu a possibilidade de saída destas crianças do
lugar de prisioneiros do obscuro desejo materno, respondendo
algo sobre o ser daquele sujeito na sua relação com o Outro.
Ao eleger uma
mulher como causa de seu desejo, o pai aprova o desejo feminino
desta mulher e se oferece como suporte do significante fálico
para ela. Bem ou mal, isso abre para seus filhos homens, a
possibilidade da posse do falo e, para as meninas, a promessa de
que venham a recebê-lo. Isso se deve ao fato de que, promovido à
condição de causa de desejo de um homem, o objeto é recoberto
pela insígnia da mais-valia fálica. Desta maneira, seu filho ou
filha pode se inscrever na relação com o gozo e com o desejo
pela via da pére-version que possui uma via, um sentido,
o sentido da vida.
Esta pesquisa
nos leva a pensar na importância do pai vivo e encarnado que
toma para si o cuidado com seu filho, privando a mãe do gozo da
criança que pôs no mundo. Desta maneira, ele pode levar seu
filho homem a declinar do lugar fálico junto à mãe para assentir
na assunção da castração.
Para uma
menina, um pai ocupa o lugar de ideal, de Outro que localiza o
desejo e o gozo ao se posicionar enquanto parceiro sexual para
sua mulher - a mãe desta menina. Ao promover uma separação entre
ela e sua mãe, ele pode fazer a ponte que sua filha necessitará
para buscar um parceiro sexual.
Para Coelho
dos Santos (2006), ao incluir o pai como vivo e não simplesmente
como suporte da função paterna, Lacan (1974-75) coloca a função
paterna da transmissão dependente da particular père-version
do pai. Isso implica o sujeito no laço concreto e dá ao
triângulo edipiano - pai, mãe e filho - uma função na
constituição do aparelho psíquico do filho, na sustentação da
posição de filho e, conseqüentemente, na posição que ele ocupa
como sintoma de um homem e de uma mulher. Esta leitura tem
conseqüências muito importantes na clínica com crianças, pois
situa a hipótese do inconsciente como dependente do mal
entendido na relação sexual dos pais. Quando nós temos uma
ruptura dos laços sexuais entre os pais, algo das condições da
possibilidade de acesso e de decifração do sintoma se perde,
porque a transferência do sujeito ao inconsciente também pode se
fechar. A partir daí o sujeito pode produzir sintomas mais
inclassificáveis, de acesso e de decifração mais difíceis.
Referências bibliográficas
Coelho dos Santos, T.
e Azeredo, F. A. M.
.(2005) “Um tipo excepcional de caráter”. In: Psychê.
Ano IX, n. 16. SP, jul-dez/2005, p. 77-95.
Horne, B. (2001) “O
supereu no final da análise”, In: Ornicar digital n.171.
Disponível em: <http://www.wapol.org/ornicar>
_______.
(1972-73). O Seminário. Livro 20: mais, ainda. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1982
_______.
(1974-75). O Seminário. Livro 22: RSI. Inédito.
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