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Tania Coelho dos Santos: Silvia Tendlarz retomará o tema de sua primeira
conferência, fazendo agora uma mudança na cronologia. É
preciso então estar atento e ver que tudo o que ela disse ontem
se refere ao primeiro Lacan, recaindo a ênfase no eixo simbólico-imaginário.
Na primeira aula, ela trabalhou as versões do Nome-do-Pai no
primeiro Lacan. Hoje, ela avançará um pouco, talvez entre o
segundo e o último Lacan. Assim, vocês ouvirão algumas
formulações discordantes e diferentes das formulações
trazidas na aula passada.
Ela me pediu que advertisse vocês de que hoje a aula será bastante
densa conceitualmente. Pedimos a Márcia Zucchi para nos ajudar,
traduzindo as palavras desconhecidas e mais difíceis do
espanhol. Se vocês sentirem dificuldade em relação ao
espanhol, basta levantar o braço para que Márcia entenda que
as últimas coisas que foram ditas não foram bem entendidas por
causa da língua, e ela traduzirá a última frase.
Silvia Tendlarz: Na aula de hoje vamos trabalhar, principalmente, dois
eixos:
1.
O
primeiro, diz respeito à formalização do Édipo, feita por
Lacan, através da metáfora paterna.
2. O
segundo, diz respeito aos paradoxos do supereu.
Na aula passada, paramos no ponto em que Lacan afirma, no Seminário
7: A ética, que o supereu implica a incorporação do pai,
e que, se ele é tão malvado conosco, é porque temos muitas
reprovações a fazer ao pai. Ficamos então neste binômio:
pai-supereu ou pai–falta/mandado superegóico. Para
desenvolver este binômio, trabalharemos hoje a apresentação
que Lacan faz do Nome-do-Pai e da metáfora paterna, assim como
a apresentação, em Freud e em Lacan, do conceito de supereu.
Como vimos ontem, a primeira apresentação do pai é a de um pai simbólico.
Lacan começa a trabalhar mais detidamente a questão do pai a
partir do Seminário 3: As psicoses[1].
Já falara do pai, mais rapidamente, em, por exemplo, “Função
e campo da fala e da linguagem em psicanálise”[2]
ou em “O mito individual do neurótico”[3]
– que são textos de 1953, ou seja, do início do ensino de
Lacan – sobretudo pontuando que se trata de um pai simbólico.
Se tomarmos o Esquema L, de Lacan (em que temos dois eixos: um
eixo simbólico e outro imaginário), o Pai fica situado no eixo
simbólico.
Eixo
imaginário: a-a’
Eixo simbólico: A ® $
Lentamente, Lacan vai criando o seu conceito de Nome-do-Pai. É verdade
que, em “Função e campo da palavra e da linguagem”, já
encontramos a expressão “nome do pai”, que vem da teologia,
mas que é escrita ali com minúsculas – ou seja, sem o
estatuto conceitual que Lacan lhe dará mais tarde. Ele fala do
“nome do pai” para indicar a sua função simbólica. Ele próprio
dirá isto nos Escritos[4],
bastante tempo depois, no texto “Subversão do sujeito e dialética
do desejo”: “Esse lugar de Deus Pai que designei como nome
do pai”[5].
Isso mostra que, nas origens do Nome-do-Pai, há uma fonte teológica
e que, mais tarde, Lacan abandonará.
No Seminário 3: As psicoses, Lacan começa a trabalhar as
particularidades do que é ser pai. Vocês devem se lembrar que,
neste seminário, Lacan está trabalhando as figuras lingüísticas,
a metáfora e a metonímia e, em determinado momento, trabalha o
que ele chama de ponto de basta.
Se na intenção de significação, os significantes metonimicamente se
põem em relação um com o outro, ao chegar ao ponto de basta,
se produz um efeito de retroação significante que, por sua
vez, produz o efeito de significação.
Ao
se interessar pelo significante “ser pai”, ele indica que não
se trata de algo biológico, chegando a dizer que ser pai é um
significante. Diz então que o pai dá justamente a via
principal no caso da neurose. A via principal é aquela que une,
por exemplo, a Av. N. Sra. de Copacabana ao Túnel Novo. Pensem,
se não houvesse a Av. N. Sra. de Copacabana seria muito difícil
chegar ao Centro. A via principal é aquela que permite que,
seguindo os automóveis, consigamos atingir um determinado
ponto. Lacan vai dizer que na neurose há essa via principal,
enquanto que, na psicose, ela não existe. Nela falta o
Nome-do-Pai, esta via principal e, então, as alucinações
funcionam como pequenas placas no caminho que permitem ao
sujeito orientar-se. Isso já nos mostra que o Nome-do-Pai dá
uma orientação à existência. Inclusive na fobia, na qual,
apesar de não haver a foraclusão do Nome-do-Pai como na
psicose, há uma falta do pai, falta que a fobia vem suprir.
Lacan usa aqui a mesma metáfora, dizendo que o objeto fóbico
funciona como pequenas placas que indicam o caminho, para que o
sujeito saiba como se orientar, sem angustiar-se. Vejam que há
uma certa equivalência entre o que Lacan propõe, no Seminário
3, em relação às psicoses, e o que ele diz, no Seminário
4: A relação de objeto, em relação à fobia. Os
objetos fobígenos permitem ao sujeito orientar-se, sem ter um
ataque de angústia. Porque quando o sujeito tem medo, ele não
está angustiado: esta é a função do objeto fobígeno.
Então o pai como significante, como pai simbólico, é distinto do pai
imaginário. Esta é a pergunta que me foi feita ontem. Aqui
eles ficam claramente diferenciados. No final do Seminário
3, destaquei este trecho em que Lacan, referindo-se ao pai
portador do falo e ao triângulo formado pela mãe, o falo e a
criança, pergunta: “onde estará o pai?” E responde: “ele
está no anel que faz manter-se tudo junto”[6].
Isto é uma antecipação do que Lacan proporá, no Seminário
23: O sinthoma, acerca do Pai como quarto nó. É uma
antecipação, mas proposta em outros termos. Ou seja, se no Seminário
4, ele dizia que entre a mãe e a criança está o falo, ele
vai acrescentar um quarto elemento, que é o pai. Isso vai dar
origem ao Esquema R.
Eu dizia que Lacan se perguntava: onde está o pai neste triângulo mãe-criança-falo?
Ele diz que o pai, como quarto elemento, está no “anel que
faz manter-se tudo junto”. Vejam que ele usa aqui um termo
topológico (anel, elo), e não o termo quadrângulo, por ele
utilizado no Seminário 5: As formações do inconsciente[7],
para falar do Esquema R.
Assim, embora ele não utilize aqui os três registros: Imaginário,
Simbólico e Real usados no Seminário 23: O sinthoma
(1976), isto já aparece, de certa forma, em 1956. É uma intuição
que Lacan tem vinte anos antes do Seminário 23, intuição
à qual dará futuramente outra apresentação. Trata-se de um
detalhe, mas que me pareceu interessante. Já podemos situar
aqui o significante do Nome-do-Pai no ponto de basta, e isso
produz, por retroação significante, a significação fálica.
No sujeito psicótico, em que está foracluído o
Nome-do-Pai, não há significação fálica.
O que se passa com um sujeito psicótico, mas que não teve um
desencadeamento? Lacan traz o exemplo clínico de um paciente
que, em certo momento, recebe a notícia de que será pai. Neste
momento, ele começa a delirar. Porquê? Por não contar com o
significante do Nome-do-Pai, ao ser convocado a dar uma resposta
a partir de um lugar simbólico, ele só pode dar uma resposta
delirante. Este exemplo mostra claramente o ponto de
desencadeamento da psicose. Mas o desencadeamento não se dá
apenas frente ao anúncio da paternidade. Falando do
desencadeamento da psicose, Lacan diz: quando um sujeito está
em relação dual com outro e aparece um terceiro termo, que
ocupa o lugar de um pai, se o sujeito não dispõe do
significante do Nome-do-Pai, se produz o desencadeamento da
psicose.
Ele dá uma série de exemplos:
1.
A
mulher que vai se confessar com um padre. Certa vez, atendi uma
mulher que, enquanto falava sozinha com seu Deus, mantinha com
ele uma relação imaginária (a-a’). Até este momento
não ocorrera o desencadeamento da psicose. Porém, no momento
em que se dirige a um padre para confessar-se, como ela não tem
o recurso do significante do Nome-do-Pai, a sua psicose é
desencadeada.
2.
O
momento em que uma mulher dá à luz (o que se chama psicose
puerperal). Como explicava certa vez Éric Laurent, a mãe e seu
bebê estão numa relação dual, a-a’. Mas quando o médico
– vejam que aqui não se trata do pai da criança – se
aproxima em posição terceira, para mostrar a criança à sua mãe,
quando ele aparece em posição simbólica, que se opõe a esta
relação dual, isso basta para desencadear a psicose.
3.
Um
paciente meu vai pedir a mão de sua noiva ao pai da moça. Ao
se dirigir ao pai, um pai em posição simbólica que se opõe
à relação dual que ele mantém com sua noiva, se dá o
desencadeamento da psicose.
O interessante nestes exemplos é que eles mostram que não é
necessariamente o próprio pai e que, mesmo sem falar da
pluralização dos Nomes-do-Pai, a clínica da psicose mostra
que há múltiplas versões do que se apresenta para um sujeito
como pai. Ou seja, há inúmeras versões do pai que funcionam
para um sujeito como Nome-do-Pai. A clínica da psicose mostra
claramente que nem todos os sujeitos desencadeiam sua psicose no
mesmo ponto. Assim, é preciso verificar, em cada caso, o que
funciona, para cada sujeito, como um pai em posição simbólica,
capaz de produzir o desencadeamento da psicose.
Na “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da
psicose”[8]–
vocês sabem que Lacan escreveu este texto depois de terminar
seu Seminário 3: As psicoses – ele vai avançar um
pouco em relação à sua apresentação da paternidade, falando
da função significante que condiciona a paternidade.
Ele menciona ainda que a atribuição da procriação pode ser um fato
puramente simbólico. Por exemplo, em algumas tribos há a idéia
de quando uma mulher grávida passa ao lado de uma pedra, ela
vai conceber um bebê que será da linhagem x. Suponham
que existem várias linhagens: do Leão, do Tigre. Ou seja, quem
é o pai, a que linhagem esta criança pertence? Neste caso, a
idéia seria que, ao passar ao lado de uma pedra, o pai deste
bebê seria, por exemplo, o Leão. Tudo isso que Lacan aponta é
para distinguir o pai biológico da paternidade simbólica. Isso
traz como conseqüência a idéia de que o que funciona como pai
é definido caso a caso. Embora não esteja dito com estas
palavras, a paternidade simbólica envolve um registro que não
depende apenas do pai imaginário, edípico. Mas, de qualquer
forma, o pai enquanto pai simbólico continua sendo considerado
como equivalente ao pai morto.
Eu dizia que, no Seminário 5: As formações do inconsciente,
Lacan começa a trabalhar a metáfora paterna. Prestem atenção
na seqüência:
1)
No
Seminário 3: As psicoses, Lacan fala de metáfora e de
metonímia.
2)
No
Seminário 4: A relação de objeto, vai buscar uma metáfora
paterna para o Pequeno Hans, a metáfora da construção de sua
fobia.
3)
No
Seminário 5: As formações do inconsciente, ele vai
juntar metáfora e pai, falando da metáfora paterna, assim como
do que ele chama de “Três tempos do Édipo”.
É nesse ponto em que se produz a simbolização e a formalização
do Édipo freudiano. Até aqui, Lacan é freudiano. Vocês
percebem que é uma maneira particular de dar um tratamento ao
Édipo freudiano.
No Seminário 5, Lacan diz que o Nome-do-Pai é “o Outro no
Outro” [9].
Ou seja, dentro do conjunto de todos os significantes
(conjunto no qual não falta nenhum significante), há um
significante eletivo que é o Nome-do-Pai. Ele é o princípio
de ordenação interna do conjunto. O Nome-do-Pai é um
significante no Outro.
Na página 570, da tradução espanhola, Lacan diz: “O Nome-do-Pai é
preciso tê-lo, mas também é preciso saber servir-se dele”[10].
Vejam que Lacan retomará essa frase no Seminário
23: O sinthoma, quando diz:
“Ir além do pai, com a condição de saber servir-se dele”[11].
Aqui Lacan diz exatamente a mesma coisa, sem dizer, no entanto
que é preciso ir além do pai. No Seminário 5, ele
extrai o Nome-do-Pai do contexto simbólico. Quando ele diz que
o Nome-do-Pai é preciso tê-lo, mas também é preciso saber
servir-se dele, ele está falando do Nome-do-Pai como um
significante no Outro. Quando Lacan volta a dizer, no Seminário
23, que é preciso ir além dele com a condição de
servir-se dele, estamos em outro contexto discursivo, e esta
frase não terá a mesma ressonância.
O que permanece é a idéia
de que, na neurose, o Nome-do-Pai é um princípio de organização
fundante. Isso não irá se modificar no final do ensino de
Lacan. No final, ele irá simplesmente generalizar a foraclusão.
Na teorização do Seminário 5, a foraclusão é do
Nome-do-Pai como indicadora da psicose; ao contrário, no final
do ensino de Lacan, ele falará de foraclusão generalizada. O
conjunto A não é completo, pois há um significante que sempre
falta. Mas, de qualquer forma, se a foraclusão no sentido
restrito recai sobre o Nome-do-Pai, temos a psicose. Portanto, a
hipótese causal não se modifica, incluindo-se, porém,
num esquema conceitual mais amplo.
O que é então o Nome-do-Pai? Há meia hora falo do Nome-do-Pai e
novamente pergunto: o que é o Nome-do-Pai? O Nome-do-Pai tem
duas vertentes:
1. A
vertente relativa à formalização do Édipo.
2.
A
vertente relativa à nomeação, já que se trata de um nome –
o Nome-do-Pai.
Lacan se interroga então sobre essas duas vertentes, a vertente do Édipo
e a da nomeação. O que é este nome particular, o Nome-do-Pai?
Que estatuto dar a ele?
O
Nome-do-Pai na vertente relativa ao Édipo
Comecemos
a examinar a metáfora paterna. Lacan começa a desenvolvê-la
no Seminário 5, mas só a escreve em “De uma questão
preliminar.à todo tratamento possível da psicose”. A única
escrita que existe da metáfora paterna está neste escrito:
O Nome-do-Pai, ao ser inscrito, barra do Desejo da Mãe, dando a esse x
desconhecido uma significação, por meio do quê o Nome-do-Pai
inscreve o falo no Outro. Vejamos a significação de cada
termo:
NP
= significante do Nome-do-Pai.
DM
=
Desejo da Mãe.
x
= significação desconhecida para o sujeito
A
=
Outro
F
=
Falo
O que é DM? O Desejo da Mãe. Ora, o DM não é um desejo,
porque Lacan no Seminário 5 escreve desejo com d minúsculo.
Ao contrário, este DM é escrito com D maiúscula. Isso indica
que o Desejo da Mãe traduz, na verdade, uma vontade sem lei. É
puro capricho. Estamos no primeiro tempo do Édipo, no qual o
sujeito fica à mercê dos caprichos do Outro materno, que
responde segundo a sua vontade. Este x é a
significação desconhecida para o sujeito.
Já me perguntaram se DM é uma função. Ora, Lacan fala de função
paterna, mas nunca de função materna. Na verdade, nesta nossa
época onde o “Outro não existe”, não é garantido que
este x seja o desejo da mãe. Em muitos casais, o
homem se ocupa dos filhos, enquanto a mulher vai trabalhar, e
com isso, muitas vezes, os cuidados maternos são efetuados
pelos homens, e não necessariamente pelas mulheres. Ou seja, a
distribuição sexuada: homem/mulher, já não estabelece mais,
de acordo com os ideais, uma distribuição: pai/mãe. Não
necessariamente. É preciso verificar isso em cada caso.
Vocês conhecem a couvade? É uma experiência da antropologia
descrita por Lévi-Strauss e por Lacan. No momento em que a
mulher está para dar à luz, o homem se deita numa rede, faz
todos os movimentos como se ele fosse dar à luz e fica
descansando depois deste pretenso parto. Hoje, isto já não
espanta mais ninguém. Há alguns anos, atendi um homem na
Inglaterra, que me dizia: acabo de começar minha licença de
paternidade. Sua mulher havia tido um filho e isso implicava tal
esforço para ela, que ele acaba pedindo sua licença de
paternidade. Bom, isso é um progresso social no sentido de que
o pai também possa se ocupar do filho, contudo, a maneira que
esse sujeito apresentou isso ressoava de algum modo com uma
couvade, ou seja, parecia que ele tinha tido um parto e estava
de resguardo. Penso que, de qualquer forma, a maternagem tem
também algo de função.
Quando Lacan escreve DM, podemos dizer que, num primeiro tempo, a mãe
está sozinha com a criança. Bem entendido, isso jamais é
completo, pois a mãe tem um pai; toda mulher que faz as vezes
de mãe, tem um pai – ou seja, ela pode ou não transmitir o
simbólico em que esta criança se inclui, isto é, ela pode ou
não introduzir essa simbolização primordial, pode ter ou não
uma posição frente à falta que vai possibilitar a transmissão
da castração.
Mas o que marca esta metáfora é que não existe uma relação direta
entre o pai, seu significante, e a criança. A relação entre o
pai e a criança é mediada pela mãe. Primeiramente então,
temos a relação da mãe com a criança. A transmissão da
castração será mediada pela mãe. Por isso Lacan vai
valorizar, em “De uma questão preliminar a todo tratamento
possível da psicose”, o lugar que a mulher outorga à palavra
do pai. Não se trata necessariamente do marido da mãe – o
pai simbólico é o que impõe esse significante do Nome-do-Pai.
Então Lacan valoriza o lugar que a mulher vai dar ao homem como
portador dessa palavra.
Quando o Nome-do-Pai se inscreve, sua inscrição produz um limite a
essa vontade sem lei. Assim, numa simplificação, Miller propôs
uma primeira metáfora paterna: Pai/Mãe, na medida em que o pai
impõe um limite à mãe. Na verdade, há distintas variações:
isso pode ocorrer ou não. Em caso positivo – ou seja, quando
a inscrição do Nome-do-pai impõe um limite ao Desejo da Mãe
– temos a neurose na criança. A inscrição do Nome-do-Pai
faz com que a criança entre na neurose. Aqui é preciso
enfatizar que tudo isso é o sujeito, a subjetividade.
Em 1969, num artigo chamado “Notas sobre a criança”,[12]
Lacan diz que o sintoma da criança é o sintoma do casal
parental. Não é o sintoma da mãe, como diria Maud Mannoni, em
“A criança retardada e a mãe”[13]:
ela diz ali que se trata de um único discurso. Façam falar
a mãe e se vê qual é o sintoma da criança, diz ela. Para
Mannoni, a criança é o sintoma da mãe.
Lacan não concorda com isso. Ele diz que o sintoma da criança é o
sintoma do casal parental. Porquê? Porque para além de serem
pai e mãe, há um casal: um homem e uma mulher, ou seja, há um
encontro sexual entre dois sujeitos, e se trata de que lugar
é dado, nesta relação, ao tratamento da falta. Então, poderíamos
traduzir o que diz Lacan sobre a importância do lugar que a mãe
dá, ou não, à palavra do pai como: há ou não, a inscrição
do Nome-do-Pai. E, por outro lado, Lacan diz, no Seminário
XXII: RSI, que “um pai só merece o amor e o respeito”
– isto é, ele só é de fato pai, “se faz de uma mulher o
objeto a, que causa o seu desejo”[14].
O que significa isso? Ora, se um objeto é causa do desejo, este objeto
nos falta. Há muitas maneiras de entender isso. Nesse contexto,
vamos explicar isso desse modo: é o ponto no qual um homem pode
escrever uma mulher como sua falta. Isso implica que ele está
castrado. No lado da mulher, o central é se ela pode ou não
inscrever o Nome-do-Pai. Se ela pode inscrevê-lo, isso implica
que ela está castrada. Portanto, os dois sujeitos têm que
estar castrados para que o filho possa funcionar como sintoma do
casal parental.
Volto a explicar isso com outras palavras. Trata-se de que haja, ou não
haja, a inscrição do Nome-do-Pai como aquilo que barra o
Desejo da Mãe. Isso implica uma substituição. O próprio
sintoma é uma substituição de um significante por outro. Esta
barra sempre é a mesma barra – ela implica que há repressão,
para dizê-lo em termos freudianos, implica a inscrição de uma
falta.
Se esta falta se inscreve, a criança é neurótica, é capaz de ter
sintomas. Mas se o Nome-de-Pai não se inscreve e o DM não é
barrado, se este Outro do capricho não é barrado, a criança
irá se incluir na estrutura da psicose. Lacan diz, no texto
citado acima, que a criança fica capturada na estrutura fantasmática
da mãe. Ela se torna um objeto da fantasia materna, a criança
se torna um objeto condensador de gozo[15].
Ou seja, é um objeto que não está simbolizado, que não
entrou nas equações simbólicas por uma falha na simbolização.
Esta falha, do lado da mãe, é subjetivada pela criança como
foraclusão do Nome-do-Pai. Não houve uma transmissão do
Nome-do-Pai. Ele não foi inscrito. Então, se a metáfora
paterna funciona, temos a neurose. E se não se inscreve o
Nome-do-Pai, temos a psicose.
A primeira metáfora proposta por Lacan é então, segundo Miller, esta
substituição simples: Pai/Mãe ou NP/DM. Em “A natureza dos
semblantes”[16],
Miller retoma este tema, dizendo que o Nome-do-Pai já
metaforiza a presença do pai. O NP é uma metáfora da presença
do pai. Ao falarmos do NP, a presença real do pai desaparece.
Por isso, o Nome-do-Pai já é uma metáfora da presença do
pai. Miller escreve o NP como uma função matemática: NP(x). Há
uma função, a do Nome-do-Pai, e uma variável (x). Ele diz que
é uma função que pode ser sustentada por diversos enunciados
que desempenham o papel do dito nome. O que isso significa? Que x
é a variável que se interroga em cada caso: o que funcionou
para este sujeito como pai? O que nele se inscreveu como
Nome-do-Pai?
Ora, se o NP é uma função universal, o x indica que, para que
esse universal exista como tal, necessitamos o particular. Ou
seja, precisamos ver em cada caso como ela se escreveu. Não
basta então o universal do Nome-do-Pai. Não se trata do
Nome-do-Pai da religião: Deus ama a todos igualmente. Em psicanálise,
para que se verifique a função do Nome-do-Pai, precisamos que
o particular a inscreva. Quando Lacan fala sobre isso no Seminário
9: A identificação, diz que “todos são pais, mas apenas
alguns inscrevem a função do Nome-do-Pai”[17].
Trata-se de um particular que não se aplica a todos os casos.
É preciso ver, em cada caso, como se inscreve esta função,
como ela é encarnada para cada sujeito.
Miller diz que este x é uma referência vazia, porque não está
dito de antemão; é preciso
comprovar, em cada caso, como o NP
foi inscrito.
Há
uma segunda parte da metáfora paterna: NP (Falo/Outro), que
podemos ler assim: se o Nome-do-Pai se inscreve, disso resultará,
por retroação significante, a significação fálica. Nesta
segunda parte, o que faz o NP? Faz com que, no Outro (no
conjunto de todos os significantes), se inscreva o falo como
significante. A inscrição do falo já implica uma perda de
gozo: no lugar do gozo auto-erótico, surge o falo como
significante do desejo. Já não se trata do órgão, mas do
falo, que mostra o que é desejável.
Em “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da
psicose” há uma certa ambigüidade acerca do conceito de
falo. No Seminário 4, Lacan se refere ao falo imaginário,
metonímico. No Seminário 5, ele começa falando de um
falo imaginário, metonímico: Hans como objeto fálico da mãe,
que se move ao lado dela. Mas no final deste seminário, Lacan
propõe que o falo é o significante do desejo (F). Este Seminário tem esta particularidade: Lacan
começa falando de uma coisa e termina falando de outra: o falo
é inicialmente o falo imaginário (-φ) e, no final,
trata-se do falo simbólico, o falo como significante do desejo
(F).
No (-φ), o menos corresponde à barra, ou seja,
inscreve a castração imaginária. A castração sempre é
imaginária. A falta é subjetivada como uma castração. Já na
“De uma questão preliminar a todo tratamento possível da
psicose”, Lacan, ao escrever a metáfora paterna, fala
do falo simbólico, mas também da significação fálica, e
pensem que a castração sempre é imaginária. Miller assinala
assim, em “A natureza dos semblantes”, que existe uma
certa ambigüidade acerca do conceito de falo na “De uma questão
preliminar a todo tratamento possível da psicose”. Ambigüidade
que é superada pelo próprio Lacan no final do Seminário 5,
quando ele diz que o falo é o significante do desejo.
Sabem
aonde se inscreve, no grafo do desejo, o falo como significante
do desejo? Justamente na barra do significante da falta no Outro
– S().
Lacan situa aí, o falo como significante do desejo. Vocês se dão
conta que estamos sempre em uma operação simbólica.
Porquê?
Porque predomina em Lacan nesta época o paradigma da primazia
do simbólico. Portanto, todos os termos são entendidos sob
este paradigma. Podemos dizer então, com Miller, que há duas
versões da metáfora paterna:
1.
A
primeira versão é a que encontramos em “De uma questão
preliminar a todo tratamento possível da psicose”, que
comporta estes dois tempos da metáfora: o primeiro é a inscrição
do Nome-do-Pai que limita o DM, e o segundo implica a inscrição
do falo no Outro. Trata-se da versão da metáfora paterna com o
Édipo. É uma formalização do Édipo.
2.
A
segunda versão da metáfora paterna é sem Édipo, está para
além do Édipo. É a maneira pela qual pode ser inscrita a
perda de gozo no Seminário 17: O avesso da psicanálise.
Lacan diz que a inscrição do sujeito no Outro (no simbólico),
produz uma perda de gozo, que podemos escrever: A/J barrado (as
letras se referem às palavras Autre, Outro, e Jouissance,
Gozo em francês).
O que isto significa? Significa que não é mais um pai que proíbe que
provoca uma perda de gozo. Não se trata do pai edípico que proíbe
à mãe de reintegrar o seu produto. Não se trata do pai
proibidor. Vocês se lembram que, no Édipo, há três tempos:
no primeiro tempo, o pai funciona como um simbólico
generalizado; no segundo tempo, aparece a parte negativa do pai.
Trata-se de um pai proibidor: ele proíbe a mãe de reintegrar
seu produto, e proíbe a criança de ter acesso à mãe. Já o
terceiro tempo é o tempo positivo do pai: aparece o pai doador,
aquele que dá ao menino as identificações que marcam a potência,
a chave da identificação masculina. Trata-se do pai doador do
terceiro tempo do Édipo. Mas de qualquer forma, estamos aqui
dentro da lógica edípica, em que há uma proibição de gozo.
Proíbe-se o acesso da criança à mãe, o que implica uma perda
de gozo. Como esta perda de gozo é recuperada? Sob a forma de
uma simbolização do falo. Esse gozo perdido se inscreve como
falo. Por isso, Freud pode dizer falo/castração, em “A
organização genital infantil”[18].
O falo é o símbolo que inscreve o gozo perdido, que inscreve a
falta. Mas isto sob a versão de um pai que proíbe.
Porém,
no Seminário 17, Lacan vai além do pai que proíbe. A
perda de gozo não advém de um pai que proíbe, mas é
produzida pela inclusão do sujeito na linguagem. A perda de
gozo não é por causa da castração do pai, mas por causa da
inclusão do sujeito na linguagem. Lacan pode operar então um
para além do Édipo, situando o pai em outro lugar. Já não se
trata do pai morto: o pai se torna um operador estrutural, real,
o agente da castração, diz Lacan. Porquê? Por possibilitar
esta inclusão na linguagem. No Seminário 17, Lacan fala
de uma entropia de gozo. O sujeito se inclui no Outro e há uma
perda automática de gozo.
O problema é o seguinte: só há perda então? Não. Lacan diz que
gozo é recuperado sob as formas do objeto a, nomeado
neste seminário como objeto mais-de-gozar. Porquê? Porque o
gozo, que é perdido automaticamente pela entrada no
funcionamento da linguagem, nessa entropia de gozo, o gozo não
é perdido totalmente; ele é recuperado através do objeto
mais-de-gozar. O mais-de-gozar é o mesmo objeto do qual falamos
antes, este que, desde o Seminário 11, Lacan chama de
objeto a, causa de desejo. Na verdade, este objeto
aparece, em diferentes momentos do ensino de Lacan, de várias
maneiras:
§
Se
tomarmos o momento do paradigma imaginário, ele é o a-a’
do Esquema L, o a-a´da relação com o espelho.
Em i(a), a imagem especular, já temos o objeto a.
A primeira apresentação de Lacan do objeto a é a do
Estádio do Espelho. Trata-se de um objeto imaginário.
§
Na
segunda apresentação, a do Seminário 5, este objeto a
é recortado pelo simbólico. Porquê? Porque tudo o que é
imaginário tornou-se simbólico.
§
A
terceira apresentação é o objeto a como causa de
desejo. No Seminário 5, ele é objeto de desejo. Objeto
de desejo significa o objeto almejado pelo meu desejo. Uma vez
que ele é alcançado, podemos dizer que o desejo desaparece.
Lacan inverte esta idéia no Seminário 10: A angústia
[19],
dizendo que o objeto é causa de desejo. Diz que nenhum objeto
pode satisfazer o desejo: o objeto a não está na
frente, mas detrás, causando, empurrando o desejo. Não é um
objeto que pode ser alcançado. Nos Seminários X e XI,
Lacan diz que os objeto a, causa de desejo, são: os objetos
oral, anal – os objetos freudianos –, o objeto nada
(o objeto da anorexia), o olhar e voz. Isso se mantém.
§
No
entanto, quando Lacan fala, no Seminário 17, da entropia
do gozo e do objeto mais-de-gozar, este objeto pode ser qualquer
coisa. Por exemplo: algum de vocês adora passar o dia no
computador? O computador pode ser um objeto mais-de-gozar, o que
está se tornando freqüente entre os adolescentes. Li, outro
dia no jornal, que um rapaz, que passava seus dias, grudado no
computador, foi levado a um centro de drogadição. Isso foi
levado a sério, realmente como uma drogadição, e o rapaz foi
tratado pelo princípio de abstinência à droga: foi proibido
de usar o computador, e ia ao Centro de reuniões, para se
encontrar com os outros drogaditos. Isso me pareceu
surpreendente, mas é um fato. Isso mostra claramente que o
computador pode ser um objeto de gozo. Um sujeito pode gozar de
um computador, tal como pode gozar de uma droga, assim como da
relação com um parceiro. É preciso entender que o conceito de
gozo não implica somente satisfação, mas que também inclui a
pulsão de morte. Então, nunca é para o melhor.
Quando
Lacan critica o mandamento cristão do amor ao próximo, ele diz
que Freud já o havia criticado, pois isso conduz ao pior. Ora,
diz ele, o sujeito não gosta nem de si mesmo – isso reflete
apenas o seu narcisismo – e em relação aos outros, a única
coisa que ele faz é transformá-los em seus objetos de gozo:
ele o mata, telefona para o outro para dizer que não virá, ou
seja, faz todas as pantomimas da vida amorosa que podem levar ao
pior. Portanto, não se trata do amor ao próximo. Trata-se de
outra coisa: de gozar do outro.
Então, dei essa volta toda para tentar explicar que esta parte: A/J
barrado seria outra maneira de escrever a metáfora paterna sem
pai. Seria o que resulta da metáfora paterna vista do para além
do pai. Ou seja, explicar como pode ser produzida esta inscrição
sem a mediação do pai, pela simples inclusão do sujeito na
linguagem. Miller diz, a respeito de NP/DM, que este gozo, que
estava do lado da mãe, é limitado pelo pai. Mas há uma
particularidade, no texto “Totem e tabu”[20]
de Freud. Em “Totem e tabu”, aparece o pai da horda
primitiva, esse orangotango que goza de todas as mulheres (não
das mães) e, assim, seus filhos ficam privados das mulheres. No
Seminário 23: O sinthoma, Lacan diz que é justamente
por estarem privados das mulheres que os filhos amam o
pai. Esta é a base do amor ao pai. Então, os filhos se
revoltam e matam o pai para poder aceder às mulheres. No
momento em que acedem a elas, eles sentem o peso da culpa. Ou
seja, se antes havia ambivalência, amor e ódio ao pai, e se o
ódio os leva a assassinar o pai para aceder às mulheres, o que
acontece após sua morte é que o amor ao pai retorna trazendo
culpa, gerando uma obediência retroativa ao pai, ao mandato do
pai. Isto leva Lacan a dizer, no Seminário 7: A ética da
psicanálise[21],
que o assassinato foi em vão, já que o único resultado foi
reforçar a proibição.
Prestem atenção: este pai de “Totem e tabu” é um pai bem vivo.
Trata-se de um pai que goza de todas as mulheres, em total oposição
ao pai morto (pai simbólico). Podemos dizer que temos uma dupla
vertente do pai: uma vertente de pai morto, que é o pai simbólico
esvaziado de libido, e esta vertente do pai de “Totem e
tabu”: o pai vivo que goza que todas as mulheres, a faceta de
gozo do pai. Temos, então, o pai morto (pai simbólico) e o pai
do gozo. Miller diz que este gozo que estava do lado da mãe é
deslocado para o pai em “Totem e tabu”. Isso é muito mais
verdadeiro, pois o pai não é apenas a figura de um pai morto,
já que esta função tem que estar encarnada por um ser vivo.
De que maneira? Em “Nota sobre a criança”, Lacan diz
que não se trata apenas de que o pai transmita uma lei, de que
seja uma versão do pai como morto, esvaziado de vida, que
apenas transmite a lei. Ali, ele enfatiza que o importante é
que o pai possa unir a lei ao desejo[22].
Não se trata de uma lei universal desumana, mas sim de como um
ser vivo pode enlaçar essa lei universal, essa lei simbólica,
a um desejo. É esse desejo encarnado que faz com que um homem
possa tomar uma mulher como objeto causa de seu desejo. O NP não
deve ser apenas uma lei simbólica; é preciso que ela esteja
encarnada por alguém que possa uni-la ao desejo, e fazer de uma
mulher a causa de seu desejo.
Elisa Monteiro: Aqui se fala de um pai, e não do pai.
Silvia Tendlarz: Sim, de um pai, de um pai singular. Para que esta função
universal se cumpra, é preciso um ser existente que possa
inscrevê-la. É preciso então um ser vivo. Daí eu ter
enfatizado a oposição morto/vivo.
Isso não significa que um filho de uma mulher viúva, por exemplo, não
tenha NP. Ora, o NP pode ter sido inscrito nesta mãe. O NP não
é um lugar vazio. Quando falamos de referente vazio é para
marcar que é preciso alguém que venha a encarná-lo, que venha
enchê-lo de vida. Sem isso, trata-se apenas de um funcionamento
simbólico, automático da linguagem, que é o que Lacan propõe
no Seminário 2: o eu na teoria de Freud e na técnica da
psicanálise[23].
Não é isto o que ele propõe no Seminário 17. Neste
Seminário, já não se trata de cadeias simbólicas que
funcionam sozinhas, mas de cadeias simbólicas que funcionam e
produzem gozo, introduzem uma entropia de gozo. Em “Televisão”,
Lacan chega a dizer que essas cadeias são metonímias
significantes, mas se trata de metonímias de gozo[24].
Então, isso está encarnado. Não se trata de um puro
funcionamento simbólico.
Estou insistindo muito nisso, pois daí decorrem sérias conseqüências
clínicas. Muitas vezes se banaliza o que é um pai. Isso é
muito comum na clínica com crianças – por exemplo, é
preciso fazer com que o pai venha e faça papel de pai, etc.
Ora, não se trata simplesmente que o pai venha e de dizer-lhe:
você tem que fazer isso ou aquilo. Na verdade, trata-se de
outra coisa: é preciso que se tente inventar um pai. A presença
do pai às vezes ajuda, mas se trata de um pai imaginário, e não
da função simbólica. É preciso introduzir a lei neste
sujeito, mas atenção: introduzir a lei apenas é o que faz o
pai de Schreber, que era um psicótico. Trata-se então de uma
lei humanizada, que nunca é uma lei sozinha, como um
funcionamento estrito. Vejam que esta lei, no caso de Schreber,
resulta numa psicose, tal como o pai de Otto Gross, um grande
criminalista, resulta noutra psicose, porque é uma lei que vale
para todos, universal, mas que é desumana, não foi inscrita
numa singularidade.
Sra X: Gostaria que você falasse um pouco mais sobre como pensar essa mudança
do gozo do lado da mãe para o lado do pai.
Silvia Tendlarz: Na verdade a mãe é limitada neste gozo, nesta vontade
sem lei. A mãe fica atravessada por uma lei. Na leitura
particular de Miller de “Totem e tabu”, o pai não aparece
como alguém morto mas como vivo. Como acentua Miller, trata-se
do pai não apenas como metaforizador, aquele que introduz a metáfora
paterna, mas de um pai que é metaforizado. Ou seja, a metáfora
atua sobre ele próprio: o NP metaforiza a presença do pai.
Temos então esta vertente do pai metaforizador e a do pai
metaforizado.
O
Nome-do-Pai na vertente relativa à nomeação
O que é o nome, por exemplo, o nome próprio? O tema do nome próprio
é trabalhado por Lacan a partir de duas vertentes:
1. No
Seminário 9: A identificação, Lacan trabalha este
tema a partir da lingüística. Não vamos trabalhar isso
hoje.
2.
Mais adiante, ele o trabalhará a partir da lógica matemática
– o que trabalharemos minimamente hoje.
Em 1972, Lacan toma Kripke como referência. Segundo Kripke, o nome próprio não é a abreviação de uma lista de propriedades; ele é um designador rígido. Por exemplo, se Moisés não houvesse sido egípcio, se não tivesse atravessado o deserto, ele teria deixado de se chamar Moisés? Ora, é claro que não. Kripke diz então que o nome próprio não é a abreviação de um conjunto de propriedades; mas um designador rígido. Ou seja, ele se chamava Moisés na Antiguidade, quer fosse um camponês ou qualquer outra coisa. Seja qual for a sua história, ele se chamava Moisés. O nome próprio é de tal ordem um designador rígido, a ponto de funcionar sem as pessoas. Assim, como no caso de Moisés, Lacan, por exemplo, está aqui agora; não é preciso que ele esteja vivo. As pessoas morrem, mas seus nomes continuam existindo. O nome próprio antecede a existência de um sujeito, acompanha-no em sua vida, e perdura após sua morte, mas não é a abreviação do conjunto dos atos desse sujeito, é um designador rígido: não depende da referência, nem de significações. Ele permanece igual a si mesmo.
Nos Escritos, p. 799 da versão espanhola, Lacan diz que o nome próprio é um significante que não significa nada, cuja significação não é senão seu próprio
enunciado[25]. O que significa meu próprio nome, Sílvia Tendlarz? Para mim significa muito, para minha mãe e meus amigos certamente significa algo. Para vocês, significa a pessoa que está dando esta aula. Mas nenhuma dessas experiências é o nome próprio. Lacan diz que ele só vale por seu enunciado; não tem nenhuma significação. É um significante fora de significação. Lacan diz que “o sujeito só designa seu ser ao barrar tudo aquilo o que ele
significa”[26]. Ele enfatiza que o nome próprio é o vazio de significação. É neste lugar que se inscreve o nome próprio. É apenas sua própria enunciação; não significa nada.
Esse significante fora de qualquer significação, designa o ser do sujeito. Vejam a solução neurótica: se perguntarmos quem é Juan Perez, ele responde: Eu. Mas o eu não é o sujeito. A solução neurótica é pôr o eu no lugar do sujeito. O nome próprio designa o ser do sujeito, mas a solução neurótica é sempre colocar o eu no lugar do sujeito. Por isso Lacan pode dizer, em “Subversão do sujeito e dialética do desejo”, que “o neurótico é, no fundo, um
Sem-Nome”[27]. Porquê? Porque ao responder “eu”, ele dá uma resposta imaginária com a qual barra, de alguma maneira, seu ser de sujeito que, em última instância, é seu ser de gozo. Cada sujeito tem um ser de gozo. No final de uma análise, cada sujeito pode nomear seu ser de gozo. Por exemplo: o Homem dos ratos nomeia o ser de gozo daquele paciente de Freud. O Pequeno Hans poderia ser chamado de “o menino dos cavalos”. Temos um objeto superegóico que designa o seu ser de gozo. Ora, cada um de nós tem, em última instância, um objeto: o olhar, a voz, mas que se encarna em uma figura imaginária, para nomear seu ser de gozo.
Vicente Palomera, em seu testemunho de passe, fala de um peixe ou algo assim. Numa lembrança infantil, ele descobre o nome de um peixe enquanto folheia um livro com sua irmã. É esta figura que se repete em sua vida, como imagem superegóica. Lacan diz que o neurótico é um Sem-Nome porque ele dá uma resposta egóica, encobrindo assim seu ser de gozo, do qual ele nada sabe.
Sr. X: Eu gostaria que você falasse um pouco porque, ao se encontrar
o ser de gozo, não se está na lógica da castração mas, sim,
na travessia da fantasia.
Silvia T:
São duas concepções distintas. Em “Análise terminável e interminável"
[28],
Freud diz que o final de análise é o rochedo da castração.
Isso deixa as mulheres penando. No caso das mulheres, o rochedo
implica o Penisneid, a inveja do pênis. Freud
fala do efeito depressivo que pode aparecer nas mulheres após o
término de uma análise. Porquê? Pela nostalgia em relação
ao falo desejado e, no caso do homem, por causa da castração.
Mas esta concepção de final de análise está articulada ao Édipo,
à castração, ao pai. O final de análise como rochedo da
castração remete a um pai ideal que castra. Nesta concepção,
o sujeito finalmente se confronta com isso. Lacan proporá um
para além do rochedo da castração, ao propor um para além do
Édipo. Com o rochedo da castração, não há um encontro
com o ser de gozo. No final de análise freudiano o sujeito se
confronta com a falta, confrontação que, no entanto, deixa o
pai em seu lugar, como pai ideal. Ou seja, não toca no pai.
Freud propõe o final de análise com o rochedo da castração
sem ter deixado cair a figura do pai ideal.
O atravessamento da fantasia é uma das concepções de Lacan do final
de análise. Não é a única. Nesta concepção, contemporânea
ao Seminário XI e também à “Proposição de 9 de
outubro de 1967 [29] (estamos entre 1964 e 1967), o atravessamento da fantasia – $àa,
que podemos ler: sujeito" como desejo de a – implica que
o sujeito se veja como objeto a. Ou seja, o sujeito
atravessa a construção simbólica que a fantasia implica e
muda sua posição subjetiva frente a seu objeto de gozo.
Atravessar a fantasia é um momento de passe, no interior de uma
análise. É um momento de passe porque o sujeito se situa
diferentemente em sua cena fantasmática, posiciona-se de modo
diferente em relação ao seu objeto de gozo. Algo cai. Há
atravessamento da fantasia em distintos momentos da análise,
mas o final de análise sobrevém quando isso vem acompanhado da
inscrição da falta do Outro. Ou seja, Lacan vai modificar esta
concepção porque nem todos os sujeitos terminam sua análise
atravessando a fantasia. Pode existir um atravessamento da
fantasia, uma desconstrução da fantasia, mas há um resto que
não cede. Por isso Lacan vai propor, mais tarde, o final de análise
como identificação ao sintoma.
Então, para responder à sua pergunta, eu diria que a idéia do final
de análise como rochedo da castração tem a ver com um pai
ideal, enquanto o atravessamento da fantasia é contemporâneo
à idéia de uma falta no Outro. A teorização do gozo é feita
por Lacan, e não por Freud. Em Freud, trata-se, sobretudo, de
uma renúncia pulsional, mas em Lacan funciona de modo
diferente, porque há sempre um resto, que não pode ser
eliminado. Não sei se isso responde a sua pergunta.
Sr. X: Eu gostaria que você articulasse o ser de gozo como nomeação que o
sujeito dá ao encontro com a falta do Outro.
Silvia Tendelarz: O que você quer dizer?
Sr. X: Me refiro à questão da angústia. No caso do Pequeno Hans, ele
sintomatiza a angústia pela fobia aos cavalos porque há aí o
próprio gozo do pai.
Silvia Tendlarz: O Pequeno Hans nunca se confronta com este significante
da falta no Outro.
Vou
retomar isso de outro modo: uma coisa é o final de análise e
outra, o transcurso da neurose. A metáfora paterna nunca tem
total êxito. Há um resto, que não é significantizável. Nem
todo real passa ao simbólico. Esse resto permanece enigmático
no desejo do Outro. O Outro me diz isso, mas o que ele quer de
mim? Esse resto do desejo do Outro retorna como enigmático. O
desejo do Outro também se situa no significante da falta do
Outro. O Pequeno Hans se angustia ao se confrontar com o desejo
do Outro. No Seminário 4, Lacan fala da angústia de
castração. No Seminário 10, ele vai dizer que embora a
mãe não ameace Hans com a castração, há a presença enigmática
do desejo do Outro. A angústia não é, então, a ameaça de
castração, mas sim a manifestação do desejo enigmático do
Outro. A angústia se produz no momento do encontro do sujeito
com o desejo do Outro.
Sr. X: Sim, a angústia é o sinal do desejo do Outro.
Silvia Tendlarz: Esta é uma das definições da angústia que aparecem no
Seminário 10. Há muitas outras definições da angústia
neste Seminário. Num determinado momento, ele diz que o sujeito
se angustia ante a presença do desejo do Outro. Em outro,
afirma que a angústia surge quando o objeto a, o objeto
de gozo, é desvelado. De modo geral, o objeto a aparece
como i(a), ou seja, de modo geral ele está velado.
Quando ele surge desvelado, há angústia. Lembro um dos
exemplos trazidos por Lacan no Seminário 10: os seios de
Santa Ágata na bandeja [30].
Então a angústia é uma presentificação do objeto.
A fobia localiza o objeto a. Eu propunha que se chamasse Hans de
“O menino dos cavalos”, mas o certo é que o objeto, para o
Pequeno Hans, é o olhar. Lacan recomenda que sempre busquemos o
escópico na fobia. Hans vai para a rua e olha: há um cavalo?
Se há um cavalo, foi localizado o objeto olhar, porque o objeto
olhar é exterior ao corpo; ele não está em nenhum lugar.
Pensem por exemplo, quando se vai a uma reunião na casa de alguém
muito importante. Você pensa: todos estão me olhando por causa
da mancha na minha roupa! Trata-se de uma positivação do
objeto olhar. Toda a sua vida, todo o seu ser é reduzido a esta
manchinha em sua roupa. Vocês sentem a presença do olhar,
objeto que de modo geral está de fora, não está localizado.
Pensem na paranóia: “Ele me olha! Está com raiva de mim!”
Temos aqui o olhar do perseguidor.
No caso Hans, a maneira desse objeto se localizar é no olhar do
cavalo, por isso Hans se mantém à distância dele: o medo de
Hans localiza o objeto e assim, ele se desangustia. Nesse
exemplo, é mostrado o objeto de gozo e o tratamento do
significante da falta do Outro. Trata-se de um tratamento sintomático.
É diferente quando isso produz angústia e quando produz um
sintoma.
Sra. Z: Você falava do nome próprio. Quando Lacan fala, no Seminário
23: O sinthoma, de Joyce como nome do sinthoma, ele não dá
de alguma forma um significado ao nome de Joyce? De que maneira
você vê o uso feito por Lacan do nome próprio de Joyce no Seminário
23?
Silvia Tendlraz: Lacan diz que Joyce, com sua obra, faz para si mesmo um
nome com o qual consegue ter uma existência.
Se tomarmos a sua pergunta de uma maneira mais geral, poderíamos
perguntar como, em certos casos, fazer um nome pode funcionar
como suplência à falta do Nome-do-Pai. Frente à falta do
Nome-do-Pai há a possibilidade da invenção de um nome –
fazer para si um nome para poder suprir a falta do NP. É um
modo de tratamento da falta do Nome-do-Pai. Isso nos leva à clínica
das suplências. Vocês sabem que Lacan acaba considerando Joyce
psicótico. Sergio Laia [31] fala, em sua tese, sobre a loucura de Joyce. Ele buscou todos os
dados com os quais se poderia provar mais claramente que Joyce
era psicótico.
Sei que não respondi a toda a sua pergunta, mas apenas a uma parte
dela. Para voltar ao pai, vou lhes apresentar um clínico,
seguindo o tema das versões do pai e como elas se modificam em
uma análise.
Trata-se de um paciente obsessivo. Ele chega apresentando um pai
poderoso, um pai ideal que tem e não quer lhe dar. Traz uma
demanda de reconhecimento por parte do pai. Prevalece neste
sujeito o amor ao pai, mas no trabalho que realizam juntos, ele
acha que o pai não lhe dá o lugar que ele merece. Há longo
tempo, ele vivia um impasse subjetivo: queria abandonar este
trabalho, porque o pai não o reconhecia, mas nunca conseguia ir
embora. O sujeito tinha dúvidas: não sabia se ia ou ficava. Ao
mesmo tempo, sua vida amorosa apresentava uma divisão que,
nesse momento, se apresentava como uma dúvida: ele não sabia
se amava, ou não, a mulher com quem vivia há muitos anos. Ele
não sabia se ia embora ou se ficava com ela. Ou seja, havia a
mesma dúvida em relação ao pai e em relação à dama: ficar
ou ir embora.
Isso redundava numa impotência, a impotência de não conseguir
decidir. Havia uma decisão a tomar que se tornava impossível.
Ele queria ir embora, mas era impossível ir embora por causa do
pai. O que foi se situando na análise é que ele queria ir
embora por causa do pai, mas justamente por causa do pai não
podia ir embora. Ou seja: ele queria ir embora por causa de sua
demanda de amor dirigida ao pai não satisfeita, mas justamente
por causa de seu amor ao pai, ele não podia ir embora. Trata-se
da versão masculina, numa demanda de reconhecimento, que é
demanda egóica, e não do lado do sujeito. Ele queria que o pai
reconhecesse seus méritos.
O primeiro ponto foi introduzir o aspecto da demanda de amor, e do amor
ao pai. Num segundo tempo, introduziu-se o pai enigmático.
Frente a este pai poderoso, aquele que tem, mas não quer dar,
pai idealizado, ele começou a abordar o pai enigmático: O que
ele quer? O que ele quis me dizer? Ele quer ou não que eu vá
embora? O surgimento desse pai enigmático foi correlativo ao
trabalho sobre a sua demanda de amor. Para ele, o fundamental
era que o pai era injusto. Ou seja, trata-se de um pai
idealizado, mas que a cada vez está castrado. E por quê o pai
é injusto? Porque não lhe dá o que ele pede. Esses sujeitos
neuróticos Sem-Nome pedem que o Outro lhe permita dizer
“Eu”, que seu lugar seja reconhecido.
Na
medida em que ele avança em sua análise, muda a versão do
pai. Se a primeira versão é um pai que tem e não dá (uma
versão idealizada do pai), a nova versão é a de um pai que não
pode. Como surge o tema do pai que não pode? Através da doença
do pai. Dizer que o pai não dá porque não quer é diferente
de dizer que ele não dá porque não tem. Dizer que o pai tem,
mas não quer dar, é uma versão do pai ideal: ele poderia, mas
não quer. Já dizer que ele não pode, é introduzir a falta no
Outro, introduzir a falta no pai. Já não se trata do pai
ideal, de um Outro consistente, mas de um Outro em que existe a
falta. O particular é que a partir do momento em que esse pai
ideal, que ele faz existir através do amor, aparece com sua
falta, isto remete este paciente à sua própria falta.
Tratava-se, até aqui, do par a-a’ (eu e pai ideal) e de uma
demanda de reconhecimento. Na medida em que o pai se torna um
sujeito que tem falta, que não pode, o pai doente que poderia
morrer, isso o remete à sua própria falta. Ele se pergunta: o
que seria dele se o pai morresse? Se seu pai faltasse, não
havia ninguém que pudesse ocupar este lugar do amor. Do momento
em que o pai não pode, e há esta mudança de posição
subjetiva, em que ele próprio percebe agora a sua falta, o que
se modifica sem que houvesse sido trabalhado é o lugar do
objeto de amor. Ele pode designar a sua mulher como seu objeto
de amor, decidindo ficar com ela.
Há aqui uma particularidade: apesar de ele jamais ter dito isso em sua
análise, ele saía com outras mulheres, ficando dividido entre
as outras e a sua mulher. Havia um desdobramento da vida
amorosa: entre a mulher idealizada e aquelas que nunca poderiam
chegar à altura dessa dama idealizada. Ele oscilava entre ela e
as outras. Mas no momento em que ele se confronta com a falta do
Outro, e que ela se inscreve nele mesmo, imediatamente se
modifica sua posição subjetiva. Ele conclui: “Ela é a
mulher que me falta”. Ou seja, esta é a mulher que desejo,
decidindo ficar com ela. Sua mudança em relação à falta lhe
permite retificar sua posição em relação à sua mulher.
Sobretudo, ele pode colocar em uma mulher o objeto causa de seu
desejo.
Isso permite ilustrar, não apenas o que víamos ontem em relação à
falta do pai, mas também o que discutimos hoje sobre uma mulher
colocada, por um homem, como objeto a causa de seu
desejo. Essa transformação só se opera se ele próprio se
relaciona à causa, através do que uma mulher pode lhe fazer
falta. Tomei este caso porque ele ilustra bem a passagem da
proibição à impossibilidade. Primeiramente, era a proibição
do pai que não permitia que ele acedesse aos lugares que
desejava. Dessa proibição, ele passou ao impossível. Em função
dessa mudança de posição subjetiva, toda esta demanda de
reconhecimento dirigida ao pai desapareceu. Ou seja, essa
demanda de amor dirigida ao pai se desvaneceu. No lugar disso,
ficou a experiência de saber-se amado e de como ia funcionar
para ele esse profundo sentimento de falta, frente à
possibilidade de perder seu pai.
Tania Coelho dos Santos: Gostaria de prolongar um pouco nossa conversa
sobre este exemplo clínico que você nos trouxe. Nesse caso,
vemos claramente a posição da neurose obsessiva que aparece
como um impasse entre o pai ideal e a mulher, idealizada ou
degradada. Quando O Outro, o pai, é desidealizado, quando ele
aparece faltoso, você concordaria que também a mulher ideal é
barrada, aparecendo então como objeto a?
Silvia Tendlraz: Ela aparece como aquilo que poderia lhe faltar, que ele
poderia perder. Já não se trata do desdobramento neurótico
obsessivo pelo qual se produz ou um desdobramento do eu ou um
desdobramento do objeto. O interessante é que ele decide não
mais procurar aos outras. Ou seja, não é que ela se torne
ainda mais ideal, mas porque ele percebe que, quando ela não
está com ele, ela lhe faz falta.
Tania Coelho dos Santos: Sim, alguma coisa na natureza desse objeto mudou.
Silvia Tendlarz: Exatamente.
Tania Coelho dos Santos: Pensei que talvez fosse interessante, caso você
queira, tentar uma construção agora do lado feminino, uma vez
que a questão do sujeito e do objeto não se coloca da mesma
maneira do lado masculino.
Silvia Tendlarz: Há também amor ao pai do lado das mulheres. Amor ao
pai, mas, sobretudo, demanda de amor, porque a mulher pede para
ser amada. Mas qual é a particularidade no caso de uma mulher?
Vocês sabem que nas fórmulas de Lacan, a mulher poderia se
situar do lado masculino e do lado feminino.
Como todo ser falante, ela está incluída na linguagem, tendo,
portanto, acesso ao gozo fálico. Mas, como diz Lacan, uma
mulher não está inteiramente escrita no regime fálico – ela
é não-toda inscrita no falo, podendo ter acesso a um Outro
gozo, gozo fora do falo chamado por Lacan de gozo suplementar, o
gozo-a-mais. Na parte inferior das fórmulas da sexuação, Lacan
[32] situa o significante da falta no Outro -
S().
É no significante da falta no Outro que podemos situar a demanda amor.
A demanda não é somente de amor; ela está enlaçada ao
gozo. Vocês se lembram que Freud fala do medo da perda do amor
nas mulheres. Ou seja, que o sujeito ama a si mesmo, como objeto
de amor. Então, do lado das mulheres temos, por um lado, o amor
ao pai. Tal demanda é em última instância, uma demanda de
amor. Porquê? Porque o que a mulher busca é ser amada.
No entanto, não se trata somente de amor, porque a demanda de amor
parte de S(),
ou seja, de um funcionamento de gozo pelo qual a mulher, na
demanda de amor, ao buscar ser amada, goza da demanda de amor.
Porque as mulheres não podem sair, muitas vezes, dessa demanda
automática de serem amadas? Porque há um gozo, que não
pertence ao regime fálico, que implica um funcionamento automático
mais além do objeto eleito. É uma demanda de amor empurrada
pelo gozo: o sujeito feminino goza dessa demanda de amor. Ora,
apesar da pantomima do amor refletir, sobretudo, um sofrimento,
isso na verdade implica um gozo. Muitas vezes o sujeito feminino
garante que lhe digam não, para insistir e pedir este amor. Por
trás dessa demanda de amor, ela faz existir o pai. Essa demanda
de amor não tem limites, justamente porque está situado no
funcionamento automático do gozo. Não há aí uma regulação
fálica, está fora do regime fálico.
Desde o amor ao pai, com o qual ela faz existir o pai, até atingir
todos esses objetos substitutos, há um funcionamento automático
da demanda de amor. Ela não consegue aceitar que é amada,
porque isso implicaria em parar de pedir que a queiram. Trata-se
de um funcionamento automático. Não basta ser amada para que
cesse a demanda de amor, já que o gozo está implícito na
demanda de amor. Então, nenhuma resposta do outro é a boa
resposta: sempre falta algo. Trata-se de um gozo fora do falo,
que funciona de maneira automática. Mas a base é o amor ao
pai.
A única maneira de pôr um limite a este funcionamento automático da
demanda de amor, é confrontando-se com S()
– ou seja, com a inscrição de que o Outro não existe. Esta
é a única maneira que pode levar o sujeito feminino a sair
desse gozo produzido pelo funcionamento automático da demanda
de amor. Porquê? Porque a inscrição de que o Outro não
existe, rompe o circuito de se dirigir ao Outro para manter esse
eterno relançamento do gozo da demanda de amor. Ora, o Outro
fundamentalmente não existe. O pai está castrado. É preciso
dar um basta a este pai que faz existir a demanda de amor, este
pai idealizado, quer dizer, é preciso chegar a perceber que ele
não existe. É ir além do pai, é descobrir que este Outro não
existe, podendo assim inventar outras maneiras de amar. No Seminário
20, Lacan diz que os amantes tentam suprir o exílio da relação
sexual através do amor[33].
Não há relação sexual quer dizer que não há proporção
entre os sexos, o que implica que há um significante que falta.
Como se supre isso? Através da experiência do amor. Lacan
explica assim tanto o destino como a fraqueza do amor. Ele
termina desse modo o Seminário 20. No Seminário
11[34],
falando do amor, diz que é possível inventar um amor mais
digno. Trata-se de ir além do pai para servir-se dele – ou
seja, passar do amor ao pai, para servir-se do pai com o
objetivo de orientar-se na existência, inventando uma outra
maneira de amar.
Tania Coelho dos Santos: Então o pai continua sendo, de qualquer forma, a
matriz da relação de amor, mas não como pai ideal.
Márcia Zucchi: Eu queria perguntar o seguinte: de qualquer forma,
a mulher, embora a exceção esteja do lado do homem, afirma
muito mais, positiva muito mais o pai em sua demanda de amor.
Silvia Tendlarz: Gostaria de acrescentar algo ao que você disse. Em “A
erótica do tempo”[35],
uma conferência que Miller deu no Rio de Janeiro e que foi
publicada em um número especial da Revista Latusa, ele
traz a variedade da fantasia do lado masculino e do lado
feminino. Eu lhe recordo que ele dizia ali que, do lado
masculino, a fantasia está perversamente orientada – uma
mulher é objeto de gozo, com as condições de eleição de
objeto. Já do lado feminino, como isso parte de S(),
há um excesso, porque o que retorna da demanda de amor dirigida
ao parceiro é um gozo fora do falo. Daí Lacan ter dito que uma
mulher para um homem pode ser um sintoma, mas um homem para uma
mulher pode ser uma devastação.
Por
que uma devastação? Porque a demanda de amor parte da fantasia
feminina em relação à qual Miller acentua sua vertente erotômana,
uma vez que a predominância é a de fazer-se amar. Como a
demanda parte de S(),
há um gozo não significantizado que, ao retornar sob a forma
de demanda de amor, não pode ser recoberto por significantes.
Por isso, retorna duas vezes: como excesso na demanda de amor em
função da existência de gozo no próprio significante, e como
excesso na relação com o parceiro.
Creio que, certamente, no lado masculino, a relação com o outro fica
mais temperada.
Júlia: Você chegou a localizar, neste paciente obsessivo, algo da ordem da
nomeação do real? Ele fez alguma menção à voz, ao olhar,
etc.?
Silvia: Não. Eu o trato há apenas um ano. Mas provavelmente, no curso dessa
análise, este elemento poderá aparecer.
Transcrição: Maria Elisa Delecave Monteiro.
Revisão técnica: Tania Coelho dos Santos.
Revisão final e referências bibliográficas: Rosa Guedes
Lopes.
Referências Bibliográficas
[1]
Lacan,
J. (1955-56). O Seminário, livro 3: as psicoses.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1988
[2]
Id.
(26 e 27/09/1953) “Função e campo da palavra e da
linguagem”. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 1998, p. 238-323.
[3]
Id.
(1953) O mito individual do neurótico. Lisboa:
Assírio e Alvim, 1980.
[4]
Id.
(1998) Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
[5]
Id.
(1960) “Subversão do sujeito e dialética do desejo”. In:
Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p.
807-842.
[6]
Id.
(1955-56). O Seminário, livro 3: as psicoses. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1988, p. 358.
[7]
Id.
(1957-58). O Seminário, livro 5: as formações do
inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
1999, cap. XVII.
[8]
Id.
(dez 1957/jan 1958) “De uma questão preliminar a todo
tratamento possivel da psicose”. In: Escritos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 537-590.
[9]
Id., 1957-58,
Op.
Cit.,
cap. V.
[10]
Id.,
Ibid., cap. VIII.
[11]
N.R.T.: O trecho ao qual a autora se
refere é o seguinte: “L’hypothèse de l’inconscient, Freud le
souligne, ne peut tenir qu’à supposer de Nom-du-Père.
Supposer le Nom-du-Père, certes, c’est Dieu.
C’est em cela que la psychanalyse, de réussir, prouve que le
Nom-du-Père, on peru aussi bien s’em passer. On peut bien
s’em passer à condition de s’en servir”. In:
Lacan,
J. (1975-76). Le Seminaire. Livre XXIII: Le
Sinthome. Paris: Seuil, 2005, p. 136.
“A
hipótese do inconsciente, Freud o sublinha, não se sustenta
sem o Nome-do-pai, por certo, é Deus. É nisto aí que a
psicanálise por triunfar, prova que do Nome-do-pai podemos
também prescindir. Podemos prescindir, à condição de nos
servirmos dele”. (tradução do revisor técnico).
[12]
Lacan,
J. (1969). “Nota sobre a criança”. In: Outros
Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p.
369-370.
[13]
Mannoni, M.
A criança retardada e a mãe. São Paulo: Martins fontes.
[14]
Lacan,
J. (1974-75). O Seminário, livro 22: RSI. Aula
do dia 21/01/1975. Seminário inédito.
[15]
“[...] o sintoma da criança acha-se em condição de responder
ao que existe de sintoma na estrutura familiar. O sintoma
[...] se define, nesse contexto, como representante da
verdade. [...] do casal familiar. [...] A articulação se
reduz muito quando o sintoma que vem a prevalecer decorre da
subjetividade da mãe. Aqui, é diretamente como correlata de
uma fantasia que a criança é implicada. A distância entre a
identificação com o ideal do eu e o papel assumido pelo
desejo da mãe, quando não tem mediação (aquela que é
normalmente assegurada pela função do pai), deixa a criança
exposta a todas as capturas fantasísticas. Ela se torna o
‘objeto’ da mãe e não mais tem outra função senão a de
revelar a verdade desse objeto”. (Lacan,
1969, op. Cit., p. 369).
[16]
Miller,
J.-A.
(1991-92). De la naturaleza de los semblantes.
Buenos Aires: Paidós, 2002.
[17]
Lacan,
J. (1961-62). O Seminário, livro 9: a
identificação. Aula de 17/01/1962. Seminário inédito.
[18]
Freud, S.
(1923) "A organização genital infantil (uma interpolação na
teoria da sexualidade)". In: Obras Completas. Rio de
Janeiro: Imago Ed., 1977, Vol XX.
[19]
Lacan,
J. (1962-63). O Seminário, livro 10: a angústia.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005, cap.
II.
[20]
Freud, S.
(1912-13)
“Totem e tabu”. In: Op. Cit., vol.
XIII.
[21]
Lacan,
J. (1959-60). O Seminário, livro 7: a ética da
psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1988.
[22]
“A função de resíduo exercida (e, ao mesmo tempo, mantida)
pela família conjugal na evolução das sociedades destaca a
irredutibilidade de uma transmissão – que é de outra ordem
que não a da vida segundo as satisfações das necessidades,
mas é de uma constituição subjetiva, implicando a relação
com um desejo que não seja anônimo”.
“É por tal
necessidade que se julgam as funções da mãe e do pai. Da
mãe, na medida em que seus cuidados trazem a marca de um
interesse particularizado, nem que seja por intermédio de
suas próprias faltas. Do pai, na medida em que seu nome é o
vetor de uma encarnação da Lei no desejo” (Lacan,
1969, Op. Cit., p. 369).
[23]
Lacan, J.
(1954-55). O Seminário, livro 2: o eu na teoria de Freud
e na técnica da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 1987.
[24]
“O que Freud descobre no inconsciente [...] é algo bem
diferente de nos darmos conta de que, grosso modo, podemos
dar um sentido sexual a tudo o que sabemos, em razão de que
conhecer presta-se à metáfora conhecida desde sempre [...].
É o real que permite desatar efetivamente aquilo em que
consiste o sintoma, ou seja, um nó de significantes. Atar e
desatar que aqui não são apenas metáforas, mas a serem
apreendidos co mo os nós que realmente se constroem ao
formarem uma cadeia com a matéria significante”.
“Pois
essas cadeias não são de sentido, mas de gozo-sentido [jouis-sens],
a ser escrito como vocês quiserem, de conformidade com o
equívoco que constitui a lei do significante” (Id.,
[1973]. “Televisão”. In: Outros Escritos. Op. Cit.,
p. 515-516).
[25]
Corresponde à p. 833, dos Escritos, em português:
“[...] partiremos do que a sigla S()
articula, por ser antes de tudo um significante. Nossa
definição do significante (não existe outra) é: um
significante é aquilo que representa o sujeito para outro
significante. Esse significante, portanto, será aquele para
o qual todos os outros significantes representam o sujeito:
ou seja, na falta desse significante, todos os demais não
representariam nada. Já que nada é representado senão para
algo”.
“Ora,
estando a bateria dos significantes, tal como é, por isso
mesmo completa, esse significante só pode ser um traço que
se traço por seu círculo, sem poder se incluído nele.
Simbolizável pela inerência de um (-1) no conjunto dos
significantes”.
“Como tal,
ele é impronunciável, porém não sua operação, pois ela é o
que se produz toda vez que um nome próprio é pronunciado.
Seu enunciado iguala-se a sua significação” (Lacan,
1960, Op. Cit., p. 833).
[26]
Lacan, J.
(1958). “A significação do falo”.
In: Escritos. p. 700.
[27]
Lacan, 1960,
Op. Cit., p. 841.
[28]
Freud, S.
(1937) “Análise terminável e interminável”.
Op. cit.
Vol. XXIII.
[29]
Lacan,
J. (1967). “Proposição de 9 de outubro de 1967”. In:
Outros Escritos. Op. Cit., p. 248-264.
[30]
Lacan.,
1962-63, op. Cit., cap. XIII.
[31]
Laia,
S. (2001). Os escritos fora de si: Joyce, Lacan e
a loucura. Belo Horizonte: Autêntica.
[32]
Lacan, J.
[1972-73]. O Seminário, livro 20: mais, ainda.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1982, cap. VII.
[33]
“O que vem em suplência à relação sexual, é precisamente o
amor” (Lacan, 1972-73, Op. Cit., p. 62).
[34]
Id., (1964) O seminário, livro 11: os quatro conceitos
fundamentais da psicanálise. RJ: Jorge Zahar Ed., 1988.
[35]
Miller, J.-A.
(2000). A erótica do tempo. Número especial da
revista Latusa. Rio de Janeiro: EBP-RJ, 2000.
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