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O sujeito e seus parceiros libidinais: do fantasma ao sinthoma

 


Dominique Laurent
Graduada em Medicina
Psiquiatra
Psicanalista Membro da École de La Cause Freudienne
Membro da Associação Mundial de Psicanálise
laurent.dominique@wanadoo.fr

Resumo:

Para chegarmos à fórmula do “parceiro-sintoma”, declinamos a forma pela qual Lacan situou o laço com o parceiro sexual na relação heterossexual. Para o sujeito feminino, o parceiro da vida amorosa pode introduzir um limite na infinitização do seu gozo ao ocupar um lugar no discurso amoroso, que é seu fantasma.. Ele é seu sinthoma, seu parceiro-sintoma, mas pode tornar-se um parceiro-devastação.

Palavras-chave: sintoma, diferença sexual, parceiro-sintoma, parceiro-devastação.

 

 



The subject and their libidinal partners: from the phantom to the symptom

 

Dominique Laurent
Graduated on Medical Studies

Psychiatrist
Psychoanalyst, Member of the École de la Cause Freudienne

Member of the World Association of Psychoanalysis

Abstract:

In order to reach the formula “partner-symptom”, we worked through the lacanian definition of the sexual partner in the heterosexual relationships. To the female subject, the partner of her love to life may introduce a sort of limit to her endless joy when he takes a place in the loving discourse, which is her phantom. He is her symptom, her partner-symptom, but he may become a partner-destruction.

Keywords: symptom, sexual difference, partner-symptom, partner-destruction

 

 

 

Trata-se de se colocar em tensão três proposições. A primeira, formulada por Lacan nos anos sessenta, apreende a mulher pelo lado do objeto do fantasma do homem e não pelo lado do seu sintoma. A segunda, formulada nos anos setenta, apreende a mulher enquanto sintoma do homem. A terceira, antecipada por J.-A. Miller no seu seminário de 1998, deduzido das versões lacanianas do parceiro subjetivo, propõe a fórmula do parceiro-sintoma. Esta versão designa o real como um impossível de ser suportado. O real pode se manifestar através dos pensamentos nos sujeitos obsessivos, através do corpo nas histéricas e também por um parceiro da vida amorosa ou familiar. Nesta perspectiva, o parceiro-sintoma pode designar uma mulher para um homem, assim como um homem para uma mulher. Como então compreender esses deslocamentos sucessivos?

 

A mulher como objeto do fantasma do homem

A fórmula “a mulher é o sintoma do homem”, contemporânea da elaboração do sinthoma, foi precedida por uma concepção mais restrita. A fórmula do fantasma foi suficiente durante um momento, ao situar a posição da mulher em relação ao homem. Lacan formulou efetivamente que a mulher era o objeto do fantasma do homem em sua dimensão imaginária e não o seu sintoma. Nesse tempo de elaboração, que encontrará o seu desenvolvimento com a “Proposição de 1967”, a análise é concebida como uma experiência de saber que se apóia sobre o sujeito como um ser do desejo. Este encontra duas soluções para o problema do desejo. Uma solução negativa (–φ), hiância da função fálica no complexo de castração, e uma solução positiva, o objeto a, objeto obturador, objeto causa do desejo, causa do fantasma, segundo Lacan. Por essas vias, o sujeito descobre como o fantasma, alicerce do seu desejo, se articula com o objeto causa.

Em “observação sobre o relatório de Daniel Lagache”, Lacan situa a mulher na posição de objeto a, objeto do fantasma para o homem. Ele escreve:[1]

 “Para ter acesso a esse ponto, situado para-além da redução dos ideais da pessoa, é como objeto a do desejo, como aquilo que ele foi para o Outro em sua ereção de vivente, como o wanted ou o unwanted de sua vinda ao mundo, que o sujeito é chamado a renascer para saber se quer aquilo que deseja... [...] Esse é um campo em que o sujeito, com sua pessoa, tem que pagar sobretudo pelo resgate de seu desejo. [...] É visível [...] que, para fugir dessa tarefa, há quem se preste a todos os abandonos, inclusive a tratar [...] os problemas da assunção do sexo em termos de papel!”[2]

Lacan critica aqui o engodo contemporâneo em moda, o do sex and gender na abordagem da assunção do sexo. Trata-se de nada mais, nada menos do que do abandono do real da castração e de deixar cada um representar o seu papel na comédia dos sexos, papel reduzido à sua dimensão sociológica.

Neste texto, Lacan se opõe a esta perspectiva e escreve o desejo do macho como F(a). Grande phi, é evocado em termos de função. Este designa, em lógica, um operador que remete a uma variável. A variável remete a um furo na linguagem. É o que observamos quando substituímos, por exemplo, a proposição “todo homem é mortal” por “todo a é b”. Para Lacan, a variável remete o furo ao significante perdido e a função recupera a perda. Dentro da perspectiva do grande phi, o significante perdido é “ser homem”. Não há identificação possível ao significante positivo fálico. Não há identificação possível que permitiria dizer “eu sou o falo que convém a uma mulher” porque existe a castração. Para Lacan, não há possibilidade de se identificar a isto. Ele contradiz o desejo daqueles que querem pensar a assunção do sexo em termos de papéis. Seria um culturalismo do papel masculino.

Lacan propõe uma interpretação freudiana radical. Poderíamos formulá-la da seguinte forma: não existe uma maneira ideal de se identificar ao papel masculino porque existe a castração. Como existe um furo, aquele da identificação fálica positiva, variável em suma, a função F, a função fálica, aquela que diz que “somos todos submetidos à castração”, implica que estes precisamente estão à procura da parte perdida deles mesmos, para recuperá-la. Eles recuperam a parte perdida deles mesmos, o que seria a identificação fálica positiva, no corpo do outro, o outro enquanto parceiro-sexual, sob os auspícios do objeto a, quer seja oral, anal, escópico ou invocante. Recuperar o objeto a no corpo do outro se faz ao preço do sacrifício do falo na relação sexual. Em outros termos, o sujeito masculino coloca em jogo o falo para livrar-se da questão e recuperar desta forma o significante identificatório “ser um homem”. A fórmula do desejo do macho designa o lugar da mulher como sendo o do objeto a do fantasma.

Contudo, o parceiro essencial que Lacan revela a partir da estrutura do fantasma é o objeto a. Não é, como observa J.-A. Miller, o Outro sujeito.Também não é mais a imagem ou o falo, mas um objeto destacado no corpo do sujeito, recuperado no corpo do outro sexual. O parceiro essencial do sujeito elaborado neste período é o objeto a. Este é a substância não apenas da imagem do outro, mas do grande Outro. Neste sentido, Lacan poderá dizer “que ele é assexuado”.

Esses anos são pontuados pela interrogação sobre a relação ao Outro sexual. Em “Posição do inconsciente”, a pulsão representa a sexualidade no inconsciente.[3]

Posteriormente, Lacan retomará esta formulação precisando que ela não a representa enquanto referência ao Outro sexual, mas enquanto redução à relação com o objeto a. A pulsão representa a sexualidade no inconsciente a partir do objeto a, e não enquanto referência ao parceiro sexual. A representação da sexualidade no inconsciente, a partir da pulsão, quer dizer que a sexualidade não tem representação no inconsciente. Esta perspectiva encontrará a sua última formalização a partir dos desenvolvimentos do seminário Mais ainda. No lugar propriamente dito da relação sexual impossível que não cessa de não se escrever, e se revela como uma não relação, como uma fórmula que não está no real, o fantasma como axioma escreve para cada um uma relação de gozo regulado pelo objeto.

Em “Observação sobre o relatório de Daniel Lagache” e os textos que se seguem, a fórmula do desejo do macho se apropria da mulher, como objeto do fantasma, dito de outro modo, como objeto a causa do desejo vindo completar a parte faltante do sujeito.

Neste texto, Lacan escreve o desejo da mulher a partir de (φ)[4].  indica que o significante d’A mulher não existe, para ler esta fórmula nos termos vindos do seminário Mais ainda.  escreve que a mulher não tem inscrição no Outro ou, retomando os termos freudianos, não existe libido feminina. A escritura (φ) significa que a mulher está à procura do falo, mesmo se profundamente ela o é. Ela o destaca no outro na relação sexual. Phi faz a função de parte recuperada que a torna Outra para ela mesma.

As fórmulas da sexuação, escritas quinze anos mais tarde, radicalizam esses desenvolvimentos escrevendo para a vertente feminina, por um lado, que não existe mulher que não seja submetida à castração e, por outro lado, que as mulheres se organizam como não-todas na função fálica.

Lacan acrescenta que o A de A mulher, a partir do momento em que ele se enuncia como um não-todo, não pode se escrever[5]. Daí a escrita de . Dito de outra forma, não existe significante que diga o que é a mulher. Este  tem relação, por um lado, com S(), e por outro lado, com F.

S(), significante do Outro enquanto barrado, deve ser situado não apenas como lugar da verdade, mas como aquilo com o que a mulher tem fundamentalmente uma relação de gozo, e que procede do que não se pode dizer do inconsciente. “A mulher tem relação com o significante desse Outro, como Outro, e que não pode senão permanecer sempre como Outro”[6]. S(), significante do gozo, é correlativo de um novo estatuto que Lacan destina ao Outro. Enquanto que em seu primeiro ensino, o Outro mortificado significante estava vazio de gozo, com Mais ainda, é pensado a partir do gozo. S () é o próprio signo do gozo que não tem nome situado no lugar do Outro. Sob a inspiração deste desenvolvimento, Lacan irá reconsiderar o lugar do sujeito barrado ($) e de sua relação com o Outro a partir do ser falante. Voltaremos a esse tema.

A mulher também tem relação com F. Phi designa o falo como significante que não tem significado. Ele se sustenta no homem como gozo fálico. Os matemas isolados por Lacan neste quadro inscrevem, poderíamos dizer, os trilhamentos da análise. Esta deve permitir distinguir, para a mulher, a redução do pai ao valor de uma função: aquela do significante-mestre que não é um nome de gozo. Também será preciso que ela permita nomear o gozo do Outro através de um significante, dito de outra forma, o gozo da mãe para além do falo, destacado a partir da construção do fantasma e da relação com o objeto. A análise também deve direcionar o sujeito à forma pela qual se apresentou a questão fálica para ele.

O quadro das fórmulas da sexuação inscreve do lado masculino que, se  todo homem está submetido à função fálica, esta encontra o seu limite na existência de um certo x - tal que a função Fx seja negada. Este limite ressalta a função do pai. O quadro indica também que o homem só alcança o “seu parceiro-sexual, que é o Outro, por intermédio daquilo que ele é a causa do seu desejo. [...] O sujeito só tem implicação enquanto parceiro, com o objeto a. [...] A conjunção pontuada desse $ e de a não é outra coisa senão o fantasma”[7]

Os termos de Mais ainda, retomam os matemas desenvolvidos em “Observação sobre o relatório de Daniel Lagache” de forma mais complexa. Eles articulam de forma diferente a mulher como sendo objeto do fantasma do homem na relação sexual.

 

A mulher sintoma do homem e o parceiro-sinthoma

Como compreender a fórmula de Lacan em “Joyce o sintoma” – “Uma mulher, por exemplo, ela é sintoma de um outro corpo”[8] – ou então em “RSI” – “O que é uma mulher? Um sintoma.?”[9] A mulher sintoma do homem supõe a nova definição de sinthoma como aborda Lacan em seu último ensino.

Seguindo o desenvolvimento metódico de J.-A. Miller, há alguns anos, pudemos acompanhar a forma pela qual foi colocada em primeiro plano a conexão entre significação e gozo a partir do seminário Mais ainda. Desde “De uma questão preliminar”, e de “As formações do inconsciente”, a conexão da significação e do gozo foi estabelecida sob os auspícios do Falo, primeiramente apreendido em termos de significado e depois em termos de significante. A dupla o Nome-do-Pai e o Falo recobrem o x do desejo da mãe. Quando o Nome-do-Pai funciona, a questão “o que ela deseja?” encontra a sua resposta no Falo. Nos termos do Mais ainda, a questão sobre o desejo da mãe torna-se o enigma de seu gozo: “de que ela goza?”. O Nome–do-pai passa a ser concebido como aquele que localiza o gozo[10]. Aparecendo desta forma, cheio de significado, quer dizer, de significação fálica. Isto permite ao sujeito que não é psicótico, responder ao: “o que sou?” enquanto homem ou mulher, vivo ou morto[11]. Com Mais ainda, a propriedade do significante fálico se estende a todos os significantes. A conexão do gozo e do significante está ligada ao corpo. “Só é possível o gozo do corpo através do significante, e só é possível o gozo do significante enquanto ser da significação enraizado no corpo”[12]. É da coabitação com lalíngua, que se define o ser falante, e o ser é um corpo[13]. A função do inconsciente, segundo lalíngua, “é que o ser, ao falar, goze”[14].

A mudança de perspectiva que Lacan opera, consiste em apreender o significante não mais como mortificado, mas como agente de gozo. A partir deste ponto, o corpo não é mais pensado como mortificado pelo significante do qual o objeto a escapa, mas enquanto corpo que goza intensamente da ação do significante.

A introdução do sinthoma é contemporânea desse novo desenvolvimento. O sintoma é apreendido como fenômeno de verdade, quer dizer, pensado no significante, e concebido daqui por diante a partir do aparelho de gozo. O sinthoma designa o efeito do gozo do significante no corpo. Ele vem no lugar em que Freud inscreve a pulsão. O mito da pulsão freudiana, como interface do psíquico e do somático, dá lugar ao sintoma de Lacan enquanto conexão real do significante e do corpo[15].

O aparelho sinthoma, assegurando uma articulação entre a operação significante e suas conseqüências para o gozo do sujeito, permite considerar de maneira nova o Nome-do-pai da metáfora paterna. Ele é um aparelho-sinthoma enquanto que sua incidência libidinal é uma localização de gozo apreendido a partir da significação fálica. A saída da cura analítica, apreendida a partir desta última perspectiva, descortina para o sujeito uma identidade de gozo em que o sinthoma (fantasma e sintoma) foi o instrumento. A construção do fantasma, ao operar uma redução de múltiplas significações em uma frase, unifica e isola o quadro sintomático do sujeito. O fantasma destaca a lei da composição interna que organiza e articula os sintomas entre eles. Esta lei se organiza a partir daquilo que retorna sempre ao mesmo lugar, dentro da variedade sintomática, quer dizer, a prevalência de um certo objeto parcial, um certo modo de gozo pulsional. No lugar propriamente dito da relação sexual, o fantasma como axioma escreve para cada um uma relação de gozo regulado ao objeto. O fantasma não é nada mais do que um esforço de ligação do significante e do gozo. Ele é o produto da mestria do inconsciente com lalíngua[16].

A formulação “a mulher é o sintoma do homem” é para ser escutada a partir desses avanços. A formulação anterior, “uma mulher no lugar do objeto causa do desejo, objeto a do fantasma para o homem”, é contemporânea de um conceito de desejo pensado como uma transcrição da libido freudiana em termos de significado. Ela é dedutível de uma articulação significante. A fórmula do fantasma obedece à mesma perspectiva. O sujeito barrado, efeito da articulação significante, mortificado, sem corpo, e em correspondência com o objeto a como complemento libidinal, escapando à mortificação. O fantasma é a escrita de uma articulação significante e de um investimento libidinal apreendido em termos de significado. Se o objeto, ele mesmo, não é um significante, ele pertence, contudo, ao regime de dominância do significante sob o qual se organizam o fantasma, o objeto, a pulsão, aparecendo como um investimento libidinal de uma significação. Para que o sujeito barrado, mortificado, tenha acesso à libido, ao objeto causa do seu desejo, ele precisa ter um corpo vivo. A inversão que Lacan opera em seu último ensino se inscreve aqui. O significante passa a ser investido por um outro efeito, o da produção de um mais de gozar, um efeito de gozo sobre o corpo. O que J.-A. Miller fez valer como fórmula do jouissance[17], utilizado por Lacan em “Televisão”[18], se inscreve na mesma perspectiva. O “gozo” (jouis) indica a dimensão de investimento libidinal e a palavra “sentido” (sens) está do lado da articulação significante considerada a partir do significado[19]. Ele também propôs escrever a equivalência de a e s. A mulher sintoma do homem deve ser compreendida a partir do sinthoma, concebido como uma conexão da significação e do gozo e, desde então, uma concepção do fantasma como um modo de gozar. As expressões “ser objeto do desejo” ou “sintoma” do homem querem dizer a mesma coisa a partir do sens-jouis (sentido gozado) do objeto a. Quando uma mulher se constitui como objeto causa do desejo para o homem, se alojando dessa forma no fantasma masculino, ela se faz, então, objeto de gozo para este homem. Ao ser objeto a, ou o sintoma que o homem recupera no seu corpo ao preço do Falo na relação sexual, a mulher localiza o gozo fálico deste homem.

O que ele significa para ela, do ponto de vista do seu fantasma e do seu gozo? A versão lacaniana diz: que no momento em que ela é reconhecida como objeto a pelo homem, ela está em contato com S(). O consentimento ao gozo fálico passa por uma relação com S() e à posição de objeto que ela ocupa na relação com ele. Nesse sentido, podemos dizer que o homem é apenas o instrumento, ou o mediador do acesso a este gozo que transborda o gozo fálico. Mas, para que ele seja o mediador, será preciso uma certa adivinhação e ajustamento, para o homem e para a mulher, da posição de objeto que ela ocupa. Temos um elo que gira em torno da versão-do-pai. Isto supõe o um por um do fantasma e não obedece a nenhum regulamento universal. O que está em jogo, no père (pai)-versamente orientado, é o encontro e a conjunção de S()  com o traço de perversão masculino - que deseja na mulher um fetiche que a designa, quer ela queira ou não. Nesta perspectiva, no homem, o gozo é localizado, limitado ao Falo, e na mulher, está do lado do sem limite, no sentido de não localizável. Ela não está limitada ao gozo fálico.

A relação ao limite, para a mulher, é contingente e releva da certeza do amor. Em “Propostas para um congresso sobre a sexualidade feminina”, Lacan observa no laço heterossexual a forma erotomaníaca do apego da mulher pelo homem que ela escolheu. O laço erotomaníaco, se partilhado, fixa a mulher numa relação vital. Para isto, será preciso que o homem consiga se inscrever no fantasma da mulher, quer dizer, ocupar um lugar no discurso que toque no seu gozo para além do falo. O amor, estando aparelhado à exigência do blá-blá-blá do discurso amoroso, não deve cessar de se dizer, ao fazer suplência, àquilo que a relação sexual desnuda, quer dizer, a incapacidade para o significante fálico de significantizar todo o gozo feminino. A mulher, na versão freudiana do ato sexual, quer o órgão, porém, mais profundamente, o que ela deseja é o Falo como significante do desejo, quer dizer, que o objeto que fala diga sobre o seu ser e decifre o seu gozo. Nesse sentido, o desejo feminino não se articula somente ao Falo, mas a . Esse outro do desejo deve falar para que o sujeito o reconheça como objeto.

J.-A. Miller mostrou que o termo parceiro-sintoma, advindo do ensino de Lacan como simétrico ao ser falante, substitui o par $ à A. A introdução da categoria do ser falante no lugar de $ modifica o estatuto do Outro do significante em aparelho de gozo. Enquanto que $ estava mortificado e marcado com o selo da falta-a-ser, o ser falante acompanhado de um novo estatuto do Outro, introduz o corpo vivo tomado pela estrutura de lalíngua que respeita a falta-a-ser.

Poderíamos dizer que a noção do parceiro-sintoma leva em conta a noção de sinthoma, numa generalização da idéia de parceiro, introduzida por Lacan desde o início de seu ensino. O parceiro-sintoma é “a instância com a qual o sujeito está enlaçado de forma essencial”.

O sujeito não consegue suportá-lo, homeostasiá-lo e, ao mesmo tempo, goza repetitivamente[20].

Para chegarmos à fórmula do “parceiro-sintoma” declinamos a forma pela qual Lacan situou o laço com o parceiro sexual na relação heterossexual. Mostramos também como, para o sujeito feminino, o parceiro da vida amorosa confrontado ao ilimitado do gozo feminino, podia introduzir um limite ao ocupar um lugar no discurso que toca o seu gozo, para além do Falo, dito de outra forma, o seu fantasma. Nesta perspectiva, poderíamos dizer que ele é o seu parceiro-sintoma no sentido do sinthoma. Poderíamos então acrescentar que todo parceiro da vida amorosa, é tomado na dimensão de parceiro-sintoma?

Da mesma forma, não poderíamos dizer que todo parceiro-sintoma é susceptível de se transformar em parceiro-devastação? O sujeito feminino é particularmente exposto a isso pelo fato de não se inscrever todo na função fálica. Basta observar o estado, no qual ela se deixa voluntariamente ser aspirada pela pulsão de morte, quando os signos do amor, ou do desejo se distanciam. Porém, do lado masculino, o que acontece? Certamente, o limite fálico não o confronta da mesma forma que a mulher ao ilimitado. Mas ele pode ser devastado por uma mulher quando esta toca, de uma forma ou de outra, no seu parceiro fundamental que é o objeto a. Gide é um exemplo disto. Ao queimar as cartas que Gide lhe havia escrito, Madeleine visa atingi-lo. Ela destrói o que era mais caro a Gide. Ele havia encontrado o sentido do mundo, ao avistar esta jovem mulher chorando, e tentou encontrar palavras para consolá-la. É esta parte dele mesmo extraída e perdida, da qual ela era destinatária, que ela destruiu.

 

Tradução: Kátia Moskal Danemberg.

Revisão Técnica: Tania Coelho dos Santos.


[1] Lacan, J. “Remarque sur le rapport de Daniel Lagache”. Em: Écrits. Paris: Seuil, 1966, p. 682-683.

[2] Lacan, J. “Observação sobre o relatório de Daniel Lagache”. Em: Escritos. RJ: JZE, 1998, p. 653-691.

[3] Lacan, J. “Position de l’ inconscient”. Em: Écrits. Op. Cit. p. 849.

[4] Lacan, J. “Remarque sur le rapport de Daniel Lagache”. Em: Écrits. Op. Cit., p. 683.

[5] Cf. Lacan, J. Le Semináire, Livre XX, Encore. Paris: Seuil, 1975. p. 68 e 75.

[6] Ibid., p. 75.

[7] Ibid.

[8] Lacan, J. “Joyce le symtôme”. Em: Autres écrits. Paris: Seuil, 2001. p. 569.

[9] Lacan, J. “RSI”. Semináire du janvier 1975. Ornicar? N.3. Paris: Lyse, 1975. p. 108.

[10] Cf. La conversation d’Arcachon. Paris: Agalma, 1997. p. 175.

[11] Lacan, J. “D’une question préliminaire à tout traitement possible de la psycose”. Em: Écrits. Op.Cit., p. 549.

[12] Miller, J.-A. L’orientation lacanienne. Le partenaire symptôme, 1997/98, inédito. Curso ministrado no quadro do Département de Psychanalyse de Paris VIII, aula do dia 13 de maio de 1998.

[13] Cf. Lacan, J. Encore. Op. Cit., p.130.

[14] Ibid., p. 95.

[15] Cf.  Miller, J.-A. Op. Cit., aula de 13 maio de 1998.

[16] Cf. Lacan, J. Encore, Op. Cit., p. 127.

[17] N.R.T.: Por meio de uma homofonia, a palavra jouissance (gozo) pode dar lugar a j’oui sens (ouço sentido).

[18] Lacan, J. “Télévision”. Em: Autres Écrits. Op. Cit., p. 517.

[19] Cf. Miller, J.-A. Op. Cit., Aula de 13 maio 1998.

[20] Miller, J.-A. L’orientation lacaniene. L’autre qui n’existe pas. 1996-1997. Inédito Curso pronunciado no Département de Psychanalyse de Paris VIII, Aula de 19 março 1997.