|
Ana Paula
Corrêa Sartori
apcsartori@uol.com.br
Resenha do livro:
SINATRA, Ernesto S. Nosotros, los hombres, um estudio
psicoanalítico. Buenos Aires: Ed. Tres
Haches, 2003, 128 p.
Neste livro,
Ernesto Sinatra escreve sobre os homens e as vicissitudes da
masculinidade no mundo pós-moderno – como ele chama a
contemporaneidade. É claro que ao falar dos homens, ele acaba
por falar bastante das mulheres e de suas queixas atuais
relacionadas aos homens. Ele escreve sobre o encontro entre os
sexos, encontro este que é sempre marcado por um desencontro de
estrutura, como nos ensina a psicanálise, e especialmente
Jacques Lacan com sua formulação de que a relação sexual não
existe. Mas Sinatra vai além, pois mostra como esse desencontro
toma diferentes formas dependendo da época em que estamos. A
relação entre homens e mulheres, a vida amorosa, varia conforme
a sociedade e o tempo em que se dão. Varia em sua forma
imaginária e simbólica justamente numa tentativa de apreensão de
alterações que começam a existir no real.
Sinatra diz
que a globalização provoca, essencialmente, uma vacilação nas
identificações tanto dos homens quanto das mulheres, em
conseqüência do declínio do pai. Ele propõe pensar o diagnóstico
feito por Jacques Lacan, no seu livro Os complexos familiares,
sobre a “queda da imago paterna”, a partir de três questões
fundamentais:
-
“Na
atualidade, variaram as característica definitórias do
significante ‘pai’”?
-
“Quais são,
a partir de tal declínio, as conseqüências na definição do
significante ‘homem’”?
-
“Como
afetou, em tal caso, o laço social entre homens e mulheres”? (Sinatra,
p. 24).
Estas
perguntas apontam, de certa forma, para as respostas: o declínio
do pai leva a um declínio do viril, que produz, por sua vez,
efeitos no laço social entre homens e mulheres. Haja vista que,
se há dificuldade na identificação viril dos homens, isto coloca
também um problema adicional para as mulheres, já que a
identificação feminina não é nunca sem relação com o homem:
primeiro, com seu pai; e, posteriormente, com seu parceiro
sexual.
Sinatra mostra
que é impossível pensar separadamente o indivíduo e a sociedade.
Pois, desde Freud, em “Psicologia das massas e análise do ego”,
aprendemos que o “mais exterior ao indivíduo, o líder amado,
constitui seu interior mais apreciado” (Sinatra,
p. 25) – como bem o mostra o conceito de Ideal do eu. Assim,
quando ele fala de sujeito, não se pode pensá-lo fora da
sociedade, ou seja, a estrutura é o discurso, e o discurso é uma
prática encarnada, como nos mostra Foucault. Portanto, de acordo
com o tempo em que vivemos, as posições sexuadas se distribuem
de maneiras diferentes.
Um dos fatores
que o autor releva como importante causador de modificações no
laço entre homens e mulheres, nos dias atuais, é a entrada da
mulher no mercado de trabalho e, consequentemente, a nova forma
de distribuição do dinheiro na família. Segundo ele, isto afetou
o lugar que um filho possa ter para uma mulher em sua economia
libidinal, ou seja, liberou a sexualidade das exigências de
procriação - como também nota Anthony Giddens, em seu livro
A transformação da intimidade. Portanto, Sinatra
considera que, atualmente, existe uma separação excessiva entre
homem e pai, assim como entre mulher e mãe, o que levaria um e
outro a produzirem novos sintomas. Como exemplo, ele diz que as
mulheres, hoje em dia, fazem sintomas que antes eram exclusivos
da neurose obsessiva masculina: inibições e procrastinações
frente a decisões a serem tomadas.
Para falar dos
homens, além de colocá-los em relação com a mulher, Sinatra
escolhe a via da amizade, da fraternidade entre os homens, e da
neurose obsessiva. A neurose obsessiva é, por excelência, a
neurose que acomete os homens, sendo que o sintoma privilegiado
dos homens é a queda da potência viril, que geralmente mostra
que algo não vai bem na vida amorosa desses sujeitos, e que faz
com que muitos homens procurem um psicanalista. Ele relata
algumas vinhetas clínicas para exemplificar o que ele chama de
“enunciados da obviedade” (Sinatra,
p. 81): uma derivada sintomática do sujeito obsessivo que diz
respeito ao seu gozo com lalíngua e com seu fantasma.
Finalmente,
ele nos apresenta as fórmulas da sexuação: trabalho de Lacan, no
Seminário 20: Mais, ainda, que trata da diferença sexual.
Neste capítulo, Sinatra diz que do lado masculino da fórmula
está o fantasma dos homens, ou seja, a mitologia deles: “o Outro
quer minha castração” (Sinatra,
p. 115). O fantasma, ou o mito, é a maneira como o homem faz
suplência à não existência da relação sexual. Quer dizer, o
homem lida com o real do sexo pela via do universal do gozo
fálico, que alcança do lado feminino o objeto a, condição
fetichista do seu desejo.
Do lado
feminino falta o limite que o gozo fálico impõe do lado
masculino, falta a exceção, o que impede que se constitua o
conjunto – universal – das mulheres. As mulheres só existem uma
a uma, visto que elas não possuem um significante comum, como o
falo para os homens, ao qual se identifiquem e constituam entre
si uma “fraternidade”. Por isso, para uma mulher, um homem pode
ser este “pólo identificatório” e, portanto, como
diz Sinatra, o amor do homem para uma mulher pode ser da ordem
do necessário: um limite para o gozo feminino. Por sua vez, na
relação com seu gozo, a mulher é a Outra para si mesma,
caracterizando a posição feminina como sendo de extimidade:
aquela “que ela deseja ser para alcançar verdadeiramente um
homem” (Sinatra, p.
121).
Sinatra conclui, dizendo que os sexos são suplementares, e não
complementares, ou seja, homens e mulheres não se encaixam
perfeitamente. E é justamente por faltar ao ser humano o
instinto, que rege automaticamente o sexo dos animais, que é
preciso “estabelecer as condições das relações sexuais entre
homens e mulheres” – condições estas que serão sempre
sintomáticas. Enfim, Sinatra aposta na relação amorosa, mesmo
com suas tragicômicas vicissitudes.
Giddens, Anthony. A transformação da intimidade.
Sexualidade, amor e erotismo nas Sociedades Modernas.
SP; UNESP, 1993, 230p.
[2]
Coelho dos Santos,
T. Anotações a partir de suas aulas no primeiro semestre de
2006.
|