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Tania Coelho
dos santos
taniacs@openlink.com.br
A diferença
anatômica está em debate. Recebemos contribuições muito ousadas,
apesar dessa escolha temática polêmica. Neste segundo número de
aSEPHallus, nós perguntamos aos psicanalistas e
pesquisadores o seguinte: em nossa abordagem do ser falante, que
relevância nós estamos dispostos a conceder a esse dado de
realidade, a diferença anatômica, que foi tão essencial na
tradição freudiana para a nomeação dos sexos? Homem ou mulher
são apenas significantes? Todo ser falante tem a mesma
probabilidade de colocar-se do lado feminino ou do lado
masculino da sexuação? A posição sexuada é um fato de discurso e
não guarda uma relação necessária nem com a realidade anatômica,
nem com o nome próprio?
Algumas
referências, explícitas ou não, organizaram essa discussão. Em
primeiro lugar, o texto freudiano (1925): "As conseqüências
psíquicas da distinção anatômica entre os sexos". Em segundo
lugar, a reelaboração de Jacques Lacan sobre esse tópico no
Seminário 20: Mais, ainda (1972/73), por meio de suas
fórmulas da sexuação. Sua tese, "a relação sexual não existe",
desencoraja toda aspiração seja à igualdade entre os sexos, seja
à complementaridade no amor, seja à simetria homossexual. Não há
encontro. Homens e mulheres fazem suplência à inexistência da
relação sexual por meio de seus sintomas. E eles são distintos,
de acordo com o sexo. É isso que a terceira referência
importante desse debate nos apresenta em linhas
surpreendentemente claras. Jacques Alain Miller, em "Uma
partilha sexual" (1999), constrói uma psicologia distintiva dos
sexos como conseqüência dos efeitos da oposição entre ter e não
ter, que é central à lógica fálica e ao inconsciente. Essa
construção destaca que o objeto sexual do homem é um objeto
fetiche. Como Freud antecipou em sua psicologia do amor, a
degradação do objeto, a oposição entre amor e desejo sexual, é
essencial à escolha de objeto masculina. É sua garantia contra o
incesto e contra a angústia de castração. A mulher não teme a
castração, por essa razão o excesso pulsional de investimento em
jogo em sua escolha de objeto leva, freqüentemente, à
desidentificação ou a um amor devastador.
O artigo de
Dominique Laurent se apóia nessas três teorizações: de Freud, de
Lacan e de Miller. Ela toma a diferença entre os parceiros
libidinais masculino e feminino para acrescentar algo que o
final de sua própria análise ensina de novo sobre as relações
devastadoras de uma menina ao gozo feminino. Ela precisa a
importância do parceiro libidinal de uma mulher como elemento de
regulação, mas também potencialmente devastador, na economia
psíquica feminina. Esthela Solano Suárez nos enviou o texto de
uma conferência proferida em Montreal, que suscita uma questão
sobre o final da análise masculina a partir da articulação entre
Freud, Lacan e Miller. Qual o destino da separação entre amor e
sexo ao término destas análises? Ela se pergunta sobre a
possibilidade do advento de um novo laço com a fala e com o
amor. Resta saber se uma análise pode contribuir para reduzir o
mal-estar entre os sexos que, contemporaneamente, não pára de
crescer. Silvia Elena Tendlarz, por sua vez, recorda que o amor
ao Pai e o esforço do neurótico em elevar o Pai para salvá-lo de
suas próprias faltas, leva o homem a perder a mulher. Esse é um
dos eixos em jogo no mal-estar entre os sexos, uma vez que a
ética masculina, como a desenvolve Jésus Santiago, vem a ser uma
ética do solteirão. Jésus acrescenta alguma coisa bastante
original sobre a posição sexuada masculina, destacando os
diferentes recursos, entre eles a moda do dândi, que servem para
sustentar a distância mais conveniente do macho em relação ao
objeto sexual. Ana Lúcia Lutterbach Holck também toma o caminho
da literatura para distinguir duas leituras do feminino: a de
Ana Karenina, de Tolstoi, e a de Lol V. Stein, de Marguerite
Duras. Para compreender a primeira abordagem é preciso ter em
conta a tese freudiana da reivindicação fálica das mulheres;
quanto à segunda, é preciso recorrer à lógica lacaniana do
excesso em jogo no não-todo feminino.
O mal-estar na
sexualidade, quando a função paterna fracassa, pode dar lugar ao
mal-estar fora do sexo. Maurício Tarrab argumenta que os novos
sintomas se produzem a partir de um curto circuito da
sexualidade. O declínio dos semblantes paternos, tal como
delimita precisamente por meio de um exemplo clínico, provoca um
deslocamento do mal-estar na sexualidade em direção a um
sofrimento sintomático autista, aparentemente sem parceiro.
Nessa vertente, Marina Caldas Teixeira nos apresenta uma
pesquisa extremamente rica e inspiradora, baseada numa clínica
extraída dos depoimentos contidos nas autobiografias de sujeitos
transexuais. Sua reflexão destaca que o transexualismo não é o
problema, e sim a solução que o sujeito encontra para sua falta
de apoio na metáfora paterna. Claúdia Mara Oliveira Richa,
privilegia em sua pesquisa um interessante ponto de vista sobre
a foraclusão do Nome-do-Pai: ela deixa o sujeito psicótico à
deriva na partilha entre os sexos. Finalmente, Marcos Eichler de
Almeida Silva retoma um tema clássico da teoria psicanalítica: o
laço entre o real, a repetição e o sexual. Seu objetivo não é o
de naturalizar a diferença sexual e, sim, o de destacar o
caráter de solução artificiosa do sinthoma no que diz respeito à
inexistência da relação sexual.
Em
Atualidades recolhemos os textos de Ernesto Sinatra, sobre a
televisão, e de Hebe Tízio, sobre os casais constituídos por
meio da Internet. A televisão é onivoyeur e produz um
novo sintoma: o tele-gozo dos reality shows. A Internet
oferece uma tela fantasmática estática, imune ao corte
significante, que aprofunda a solidão e o anonimato das relações
amorosas contemporâneas.
Analícea
Calmon dos Santos renova o debate sobre as relações entre
histeria e homossexualidade. Sua delicada construção de uma
vinheta clínica nos incita a refletir sobre a singularidade do
mal-estar em jogo na particularidade de cada escolha homossexual
de objeto. Ângela Batista revela a imensa sabedoria de Machado
de Assis sobre a posição viril. Ele prova que o exercício
correto da virilidade requer do homem um certa tolice. Esse
artigo destaca que a docilidade do homem aos caprichos femininos
é, talvez, a boa maneira de se haver com o gozo feminino que não
se regula pela lógica fálica.
Ana Paula
Sartori resenhou o livro de Ernesto Sinatra, Nosostros los
hombres. Ele nos apresenta uma outra versão, bem humorada e
aguda sobre o que os homens pensam das mulheres. Esses retratos
do mal-estar, do impasse entre os sexos, não vão nos deixar
indiferentes.
Agradeço, em
nome do Núcleo Sephora, aos autores que gentilmente enviaram
suas contribuições.
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