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Abertura da
aula de 23/11/2005 pela Coordenadora do PPGTP/UFRJ, Professora
Tania Coelho dos Santos:
Vamos ouvir a
Professora e psicanalista Silvia Elena Tendlraz. Ela é doutora
do Departamento de Psicanálise de Paris VIII. Entre outros
diplomas de especializações, tem o de psicopatologia clínica
psicanalítica. Ela orienta dissertações de mestrado e de
doutorado na universidade de Buenos Aires e na universidade de
Santiago do Chile.
O tema que ela
vai nos apresentar é eminentemente teórico-clínico:
Incidências na clínica psicanalítica das versões do Nome-do-Pai.
Um tema atual e, especialmente, há no nosso programa várias
linhas de pesquisas que abordam as questões do declínio da
função paterna, da pluralização dos Nomes do Pai, das mudanças
na subjetividade contemporânea e na prática do psicanalista
frente aos novos sintomas. Trata-se de um tema amplo, e penso
que ela vai apresentá-lo para nós em três dimensões.
-
Os
fundamentos teóricos da psicanálise
-
As
incidências clínicas e suas relações com a cultura e a
sociedade
-
As condições
de exercício da prática psicanalítica de hoje.
Espero que
aqueles que estão desenvolvendo pesquisas afins aos temas que
Silvia Elena Tendlarz trabalha possam se beneficiar de sua
apresentação como professora colaboradora do nosso programa de
pesquisa. Passo então a palavra à professora Silvia Helena.
Silvia
Elena Tendlarz:
Vou falar em
castelhano muito devagar. No lugar de tentar falar mal em
português, prefiro falar bem em castelhano e não “fazer um
papelão”. Antes de mais nada, quero dizer que estou muito
contente com este convite e que teria muito prazer em pensar na
possibilidade de um intercâmbio com vocês sobre o tema que estou
trabalhando em minhas aulas no Instituto Clínico de Buenos Aires
(ICBA), Incidências na clínica das versões do Pai, que
proponho hoje para vocês.
Esse tema
estabelece, logo de início, um binômio entre as versões do
pai e sua clínica. O termo “versões do pai”, no plural,
implica que não há um único pai, não há um pai universal que
valha para todos da mesma forma. Implica, portanto, uma
multiplicação, o que permite nos perguntarmos sobre o que foi,
para essa criança, um pai? Assim como Lacan se pergunta, em
“Juventude de Gide ou a letra e o desejo”, quando fala da mãe de
Gide – o que foi essa criança para essa mãe? – também podemos
perguntar: o que funcionou para esse sujeito como pai?
A palavra
versão do pai, em francês père-version, pode ser
traduzida como perversão e, ao ser separada em sílabas pelo
hífem, encontramos a palavra père, que significa pai, e
version, que significa versão – versão para pai, versão
do pai. Definitivamente, o que funciona para um sujeito
como pai. Lacan usa essa expressão em Le Seminaire XXIII: Le
Sinthome[1],
publicado este ano em francês, e que ano que vem será publicado
pela editora Paidós, com tradução de Nora Gonzáles para o
espanhol. Lacan utiliza essa expressão ao referir-se ao nó
borromeano, particularmente, ao laço do Nome-do-Pai que permite
manter juntos os elos do Imaginário, do Simbólico e do Real.
Entretanto, não vou falar disso, apenas situo onde Lacan usa
essa expressão. Entendo que a expressão versões do pai
tem um uso mais amplo, porque envolve distintos registros. De
fato, há o registro do enodamento simbólico do pai, a
versão do pai que funciona como tal, um por um, para cada
sujeito. Porém, existem também as versões imaginárias que o
sujeito vai apresentando no percurso de sua análise, isto é, as
versões edípicas da novela familiar do neurótico. Essas versões
nos fazem perceber que a versão do pai apresentada pelo sujeito
no começo de sua análise não é a mesma com a qual ele sai da
análise. Na medida que transcorre uma análise, as versões do pai
se modificam. O pai não é mais o mesmo.
Introduzo uma
série de perguntas clínicas que tentarei desenvolver no percurso
destas três aulas.
-
Por que o
pai não permanece homogêneo, igual a si mesmo, no percurso de
uma análise? Por que a versão do pai muda na análise?
-
Que
conseqüências têm, nas estruturações subjetivas, na mudança de
posições subjetivas, a versão do pai que se adota?
De um lado,
temos a versão do pai como enodamento simbólico, de outro, as
versões míticas do pai, que o sujeito apresenta através de sua
análise. Essas versões do pai incluem o que Freud chamou de amor
ao pai. Não se trata de carinho, o amor ao pai é uma
figura com muitas incidências.
-
As
incidências do amor ao pai funcionam da mesma maneira no final
de uma análise? Qual é o destino do amor ao pai no final de
análise? Permanece o mesmo?
-
Por que é
necessário fazer o pai existir? Porque o amor ao pai faz o pai
existir. Uma maneira de apresentar o amor ao pai é a de salvar
o pai pela necessidade do sujeito de fazer o pai
existir. Salvar o pai e fazê-lo existir.
-
Por que o
neurótico precisa salvar o pai?
Na clínica, se
fala do pai imaginário: o pai ausente, o pai que não responde, o
pai que “deixa prá lá”. Trata-se de
todas as figuras que Lacan tem como tema desde 1938, em
“Os complexos familiares”[2],
para falar do declínio da figura paterna: o pai humilhado, o pai
castrado, o pai pobre (parafraseando a mulher pobre de Lacan), o
pai desempregado (uma versão mais moderna da queda da figura
paterna). E, não obstante, o sujeito necessita fazê-lo existir,
necessita salvar o pai, por amor ao pai.
Temos, por um lado, as questões clínicas que
conduziram ao desenvolvimento desse tema e, por outro lado,
temos o desenvolvimento teórico que Freud e Lacan apresentam
para elas. O que eles dizem? Freud e Lacan não falam do mesmo
pai, suas teorias do pai diferem.
Temos em
Freud, apresento brevemente, a proeminência do amor ao pai.
Freud salva o pai como S1 , como significante-mestre.
Por meio de seus textos sobre a religião - “Totem e tabu”,
“Moisés e o Monoteísmo”, “Psicologia das massas e análise do eu”
e “O futuro de uma ilusão” -, Freud salva o pai. Ele interpreta
o pai ao chamá-lo de Deus Pai. Também o faz existir por meio do
complexo de Édipo, fazendo existir o amor ao pai. Lacan, por sua
vez, diz que o Édipo é um sonho de Freud[3].
Simultaneamente, quando faz existir o pai, por meio do amor ao
pai, Freud teoriza a renúncia pulsional sob a figura do supereu.
O avesso do amor ao pai é o supereu. É esse binômio que vamos
trabalhar: a salvação do pai e seu avesso, o supereu.
Em uma apresentação geral, temos
Lacan, que seguia Freud, formalizando o Édipo por meio da
metáfora paterna. O pai do Édipo é o pai da proibição: é este o
pai que funciona para Freud. Esse é o primeiro tempo da
teorização de Lacan relativa ao pai e durou muito tempo. Para os
desenvolvimentos sobre a metáfora paterna e suas variações,
temos a elaboração de Lacan sobre o pai morto, como pai
simbólico, que faz parte do desenvolvimento do significante
Nome-do-Pai incluído no Outro. Desenvolverei isso extensamente
amanhã.
No entanto,
esse primeiro tempo no ensino de Lacan não se detém em Freud.
Não se detém nessa única versão do pai. No final do Seminário
10: a angústia, Lacan faz um deslocamento do Édipo para o
objeto pequeno a. Lacan esvazia a dimensão imaginária da
castração e do Édipo, e, em sua única aula do seminário dos
Nomes do pai, introduz a dimensão do para além do Édipo.
Ele pluraliza os Nomes do pai. Então, temos dois tempos: no
primeiro, o Nome-do-Pai se inscreve no Outro como um
significante do Outro e, no segundo, o tema da pluralização dos
Nomes do pai.
Mas, não se
esqueçam! Desde 1938, com o artigo “Os complexos familiares”,
Lacan já começara a falar do declínio da figura paterna, do pai
humilhado. No Seminário 6: o desejo e sua interpretação,
Lacan fala de Hamlet, fala do pecado do pai. O pai de Hamlet é
assassinado por seu irmão. No momento em que Hamlet dorme, o
fantasma do pai aparece e lhe diz que ele foi assassinado “na
flor de seus pecados”. Na flor de seus pecados? Lacan introduz
logo de início o pecado do pai, a falta do pai. De alguma
maneira, simultaneamente ao seu desenvolvimento sobre o amor ao
pai, sobre a falta do pai, Lacan vai introduzindo o pecado do
pai.
Em “A
significação do falo”[4],
um artigo que faz parte de Os Escritos, Lacan fala da
constituição do falo sem fazer referência ao Édipo. Não fala do
complexo de Édipo. Isso no mesmo ano em que escreve o artigo
“Questão preliminar ao tratamento possível da psicose”[5],
no qual formula a metáfora paterna e diz que a ação do
Nome-do-Pai sobre o desejo da mãe produz a significação fálica.
É o que pontua Jacques-Alain Miller em seu curso A natureza
dos semblantes[6]:
há um para além do Édipo já na primeira época de Lacan,
exatamente, quando ele formaliza o Édipo.
Porém, na
segunda parte de seu ensino o que vai ganhando cada vez mais
consistência é a falta do pai, que é consecutiva ao significante
da falta no Outro .
A pluralização dos Nomes do pai se inscreve em um Outro
inconsistente, que não tem todos os significantes, no qual se
inscreve uma falta.
Com Freud
temos que o amor ao pai é o que salva o pai, e Lacan apresenta
isso como o Nome-do-pai que se inscreve no Outro. Com Lacan
temos a falta do pai, seu pecado, que é consecutivo à
pluralização dos Nomes do pai. Isso vai ser muito teorizado mais
tarde. Eu darei uma apresentação geral e abordarei a clínica.
Minha idéia é fornecer o contexto conceitual que vamos
desenvolver nestas três aulas.
O tema do amor ao pai corresponde
ao Édipo, à proibição. Lacan desenvolve o tema da proibição com
a metáfora paterna, mas ele passa da proibição ao impossível. A
perspectiva da falta do pai, que Lacan introduz, incide sobre o
modo de compreender a renuncia pulsional e o seu retorno sob o
imperativo categórico do supereu.
Quando Lacan
disse que o Édipo foi um sonho de Freud, é preciso entendê-lo
verdadeiramente como tal, em sua dupla acepção. Por um lado,
Freud sonhou o Édipo; por outro, o fez existir, fez existir o
complexo de Édipo, foi ele que o introduziu. Na noite anterior
ou posterior - existem duas versões desse fato - à morte do pai
de Freud e ele tem que enterrá-lo, Freud sente uma certa pressão
familiar sobre como deveria ser o procedimento do velório. Ele
tem um sonho, que faz parte de “A interpretação dos sonhos”
e também de sua correspondência com Fliess, “Carta 50”[7].
O sonho é: “pede-se fechar os olhos” ou “pede-se
fechar um olho”. Esse sonho introduz uma ambigüidade, são
ditas duas coisas diferentes, e o sentido varia. A primeira
versão, “se suplica fechar os olhos”, alude ao
dever filial: os filhos enterram os pais. A segunda versão, “se
suplica fechar um olho”, recebe de Freud o sentido
de indulgência, o que conta é o sentido que o sonhador dá
ao sonho. “Pede-se fechar um olho” e ter indulgência
quer dizer que o velório não tinha sido de acordo com o que a
família esperava. Vocês percebem que está presente o dever e a
culpa. Na “Carta 50”, Freud diz que é uma desculpa, como se eu
não o tivesse feito e precisasse de indulgência. É uma desculpa
dirigida ao Outro, ligada ao que Freud vai chamar de
auto-reprovação. Temos então este paradoxo: o pai morre, o pai
falta, e retorna sobre o filho como sentimento de culpa. Mas
isso revela um fato de estrutura. O pai morre e falta e, sobre a
criatura, a falta retorna como sentimento de culpa.
No luto
encontramos esse paradoxo. Lacan diz no seminário da angústia
que, como faltamos, o que retorna sobre o sujeito é a maneira
como, ao sermos objeto de amor do Outro, faltamos ao Outro.
Fomos sua falta. A explicação freudiana do luto é que, ao morrer
uma pessoa querida, a libido objetal que estava investida no
objeto retorna para o eu. O processo de luto consiste em um
reencontro de lembranças, um tempo de elaboração que permite ao
sujeito ir lentamente se separando do objeto perdido, e, assim,
a libido objetal retorna sobre o eu[8].
Lacan explica o luto dizendo que
amar é dar o que não se tem. Porque o objeto é falicizado,
amamos o objeto e, ao amá-lo, lhe damos um valor fálico, todas
as excelências de ser. Quer dizer: como sujeito nós amamos um
objeto que, por sua vez, nos ama como sujeito. Também ele ao
amar dá a sua falta. Lacan diz que quando alguém morre retorna
sobre o sujeito a maneira como fomos sua falta, a maneira como
faltamos ao Outro. É isso que lhe dá um valor particular,
justamente porque cobrirmos sua falta. A falta que retorna sobre
o sujeito é subjetivada como sentimento de culpa. O sujeito está
em falta.
Há uma
ambigüidade em francês quando se diz que se está em falta: a de
indicar algo que não temos, por exemplo, neste copo falta água;
e a de indicar que se cometeu algo que não correspondia ao
esperado, que se está em falta.
Essa ambigüidade, esse deslizamento produzido, vai até a culpa,
este elemento que faz parte da estrutura subjetiva. Então, o pai
morre e Freud se sente em falta frente a seu dever. O pai falta,
Freud se reprova e se sente em falta. Isso é algo que vemos
freqüentemente na clínica ante a morte do pai, mas também ante a
morte de qualquer ser querido, de qualquer pessoa próxima ao
pai, à mãe, um irmão, um filho, um marido, sempre em algum ponto
o sujeito se sente em falta entre
o que pensa que deveria ter feito e o que efetivamente
aconteceu.
Um sujeito em
análise, uma mulher que havia velado seu pai durante toda a sua
enfermidade, em um dado momento, dorme junto ao leito do pai
agonizante, apenas um instante no qual ela fecha os olhos. Outra
pessoa a desperta e lhe diz que o pai morreu. Isso é suficiente
para que o sujeito se sinta em falta por não ter acompanhado o
pai em sua morte.
Outro sujeito
em análise, um obsessivo, ocupa-se de sua mãe durante toda a sua
vida. Ele enterra o pai e se ocupa da mãe. Ele viaja e sua mãe é
hospitalizada, chama por ele e ele não está presente. Ele faz
uma odisséia de um dia inteiro, por distintos lugares, com
combinações de roteiros impossíveis e volta apenas um instante
antes da mãe morrer. O sujeito se sente em falta e culpado por
não ter estado presente no momento em que a mãe foi internada:
ela chamava por ele e ele não estava presente. Não há nada nesse
mundo que possa ser feito para que um sujeito não sinta, em
algum lugar de seu coração, que está em falta frente à morte de
um ser querido. Em algum lugar a falta do Outro retorna como
sentimento de culpa. Sempre, em algum ponto, o sujeito se sente
em falta. Todos os cuidados que efetivamente possam ser feitos
não alcançam esse suspiro durante o qual o sujeito fecha os
olhos. É como se tudo o que foi
feito anteriormente a isso fosse apagado, e o sujeito se sente
em falta.
Por isso, o
que me interessa trabalhar não é somente o amor ao pai e seu
pecado, mas também como retorna sobre a criatura - esta é uma
expressão que Schreber usa, a do criador e a da criatura -, como
retorna sobre o sujeito, como se subjetiva a falta do pai, como
se subjetiva o pecado do pai. E como isso faz com que o
neurótico necessite salvar o pai, fazê-lo existir por amor ao
pai. Porque quando Freud sonha que é ele que necessita de
indulgência por não ter feito exatamente o devia ser feito
no velório de seu pai, ele fica em falta. O dever e a culpa
ficam de seu lado, e não do lado do pai. Ele salva o pai, que
fica sem pecado, é ele que ele que não fez o que deveria ter
feito.
Existe um
conto de Borges muito curto que se chama “Emma Zun” e faz parte
de sua Obra completa. Em um parágrafo mínimo se vê muito
bem a questão da falta. O pai é ferido no seu trabalho, fica
desempregado (é um pai contemporâneo) e se suicida. Emma recebe
a carta, o conto diz: “Emma deixou cair o papel, sua primeira
impressão foi a de mal-estar no ventre e nos joelhos, e logo, a
culpa”. Isso já está presente na idéia seguinte: “compreendeu,
ato contínuo, que sua vontade era inútil, porque a morte de seu
pai era a única coisa que tinha acontecido no mundo e
continuaria acontecendo sem fim”. Uma frase muito curta. Um pai
desempregado se suicida deixando o sujeito sem pai e com culpa.
A morte do pai se eterniza. Porém, o conto tem seu revés.
Primeiro, a falta fica do lado do sujeito (ela sente culpa), e
logo depois fica do lado do outro (do patrão). Em um sujeito
histérico, a culpa vai para o lado do outro. Borges mostra essa
transição. Emma Zun provoca a perda de sua virgindade com
qualquer um, com o homem mais desagradável e do qual nunca teria
se enamorado. Ela articula um plano: mata o patrão e diz que o
fez porque ele a violou. Durante a construção desse plano,
Borges pergunta: “por acaso alguma vez ela lembrou que o pai
estava morto?” Ele diz em uma simples frase: “naquele
tempo, fora do tempo, naquela desordem de sensações desconexas e
atrozes, pensou Emma Zun uma vez apenas [escrito em itálico]
no morto que motivava o sacrifício?”
É uma outra
versão da falta, que difere da
versão do sujeito Freud: o dever e a culpa. Temos a versão de um
sujeito histérico que sente culpa e, logo em seguida, a falta
fica do lado do outro. Trata-se de salvar o pai, de salvar o
prestígio do pai, mas, em um tempo em que o pai morto não é uma
figura simbólica, e sim, o pai que efetivamente morreu: é apenas
isso que importa. É um outro tratamento subjetivo da falta e da
culpa.
Encontramos o
tema de salvar o pai na literatura, em Virgílio, em Eneida,
o livro que conta a história de Enéias, imediatamente após a
guerra etrusca. Enéias luta em uma batalha, o exército luta nas
ruas enquanto os troianos fogem da cidade para se salvarem. Esse
é o início de Eneida. Enéias participa da luta, em um
momento lembra do pai e decide voltar para salvá-lo Diz: “Vou
então para a cidade, guiado pelas chamas e pelos amigos. Os
guardas me respeitam, e as chamas me protegem para chegar até
meu pai, a quem desejo, principalmente, salvar”. Encontramos
novamente aqui a figura “salvar o pai” - esta é também
uma expressão de Lacan, assim como a “versão do pai” -,
que ele utiliza para ilustrar o amor ao pai e a necessidade de
fazê-lo existir. Enéias diz: é “a quem desejo, principalmente,
salvar e colocar em segurança”. Porém, o pai lhe responde que
não quer sair, não quer sair de sua pátria nem de sua casa. “Era
tal o desespero, em que a resistência de meu pai me colocou, que
desejei morrer”. Êpa! Ele tenta salvar o pai e o pai não aceita.
A primeira idéia é então morrer na batalha. Se não pode salvar o
pai, é melhor morrer lutando. “Resolvi buscar a morte entre os
inimigos, que outro partido poderia tomar, que resolução me
restava?”. Enéias diz: “Ah, meu pai, poderias imaginar que eu
fugisse sem ti?” Acaso Enéias poderia imaginar que poderia ir
embora e deixar seu pai? “Conseguiste me considerar capaz de
tamanho crime?”. Enéias se dá conta disso e volta para salvar o
pai. Não salvá-lo é um crime! Essa versão não poderia levar a
este entendimento: ele volta, procura salvar, evitar que seu pai
morra, o pai se opõe e, se ele não consegue fazê-lo, é um crime.
É como se ele tivesse matado seu pai.
Atenção com
isso, porque essa é a interpretação freudiana! É o
ponto que toca o desejo de morte do menino dirigido ao
pai. A interpretação freudiana é esta: se o
sujeito não salva o pai, ele é um criminoso. É o que
Freud (1916) desenvolveu com a idéia do criminoso inconsciente,
o criminoso neurótico, inclusive em seu artigo “Alguns tipos de
caráter encontrados no trabalho psicanalítico”, sob a figura do
criminoso por causa do sentimento de culpa[9].
Tal como a novela de Dostoievski, Crime e castigo.
O castigo é anterior ao crime. O crime é um chamado ao castigo.
A culpa precede ao crime. Freud diz que alguns sujeitos se
tornam criminosos para buscar um castigo para o sentimento de
culpa. Lacan[10],
em seu artigo sobre a criminologia de 1950, que figura nos
Escritos, adverte: cuidado com a pena de morte, porque ela é
um chamado ao crime. Esse é o ponto culminante, paradoxalmente,
pode ocorrer o contrário: ela pode ser, exatamente, um impulso
ao crime em busca do castigo.
Enéias carrega seu pai Anquises na fuga de Tróia[11].
Enéias diz,
então: “como eu poderia ser capaz de semelhante crime?” E logo
acomoda seu pai sobre seus ombros. Ele sustenta o pai.
Salvar o pai é para Enéias,
verdadeiramente, carregar o pai. Literalmente, ele levanta o pai
que, por sua vez, é elevado às deidades, aos deuses, às copas,
que de alguma maneira representam os deuses, e seu filho vai ao
seu lado. Ou seja, Enéias, que é pai, carrega seu pai, salva o
pai, que, ao ser elevado, atinge a seus pais antepassados.
Muitos passos atrás de Enéias, sua mulher o segue. No meio da
confusão Enéias perde sua mulher; salva o pai e perde a mulher.
Ele mata a mulher. Quando ele se volta, ela não está mais lá! Um
drama da vida contemporânea. Salvar o pai é encontrar-se sem a
mulher, uma vez que não se trata de salvar a mulher, se trata de
salvar o pai.
Rafael retoma
a idéia de salvar o pai de Enéias. Existe um afresco de Rafael
que se chama “Incêndio de Borgo”.
Título:
Incêndio de Borgo, Rafael
(1514-15)[12]
O histórico
diz o seguinte: houve um incêndio no bairro romano de Borgo e o
Papa Leão IV conseguiu apagar o fogo com sua bênção. Ele é o pai
que salva o povo. Mais tarde, o Papa Leão X pede a Rafael que
faça para ele um afresco. No ponto de fuga do afresco, no lugar
da imagem de Leão IV, o pai que salva, pois ele salvou Borgo das
chamas, encontra-se a imagem de Leão X. O ponto de fuga na
perspectiva é aquele a partir do qual as imagens são
construídas. Vocês me dirão: o que isso importa? Há um detalhe:
na parte esquerda inferior do quadro aparece Enéias salvando o
pai, levando seu pai sobre seus ombros. Na imagem pictórica, no
ponto de fuga, está o rosto de Leão X, no lugar de Leão IV, este
último, o pai que salva. Essa pequena figura mitológica que
Rafael escolhe para figurar em seu quadro mostra a verdade do
pai que salva: é o filho que salva o pai, é o filho que faz o
pai existir.
É como na
anamorfose. Lacan utiliza a idéia de anamorfose, no Seminário
11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise[13],
com o quadro de Holbein, “Os Embaixadores”, no qual aparecem os
embaixadores com todos os semblantes de poder. Porém, quando um
sujeito sai do aposento onde o quadro está exposto
e olha por detrás de suas costas, em perspectiva, vê uma
caveira em anamorfose, no meio da imagem. Essa imagem só é vista
se o olhar muda de perspectiva. A mudança de posição subjetiva
permite ver a falta no meio de todas as imagens, de todos os
objetos que venham cobri-la. Lacan fala de anamorfose também com
Antígona[14].
Porém, poderíamos dizer: em anamorfose sem que se tenha uma
imagem anamorfósica. Em anamorfose se vê que o que salva o pai é
a idéia de que é o filho que o salva. Se o pai pode salvar ou
aparecer como aquele que consegue resgatar seu povo é porque o
filho o leva. Sobre seus ombros. Também Baroccio e Pietro Benini
fazem esculturas de Enéias salvando o pai,
tendo seu filho a seu lado.
Estamos pondo
em ato a idéia de mostrar distintas versões de salvar o pai.
Fizemos com Freud, no sonho de fechar um olho. Mostrei a
versão de Emma Zun. Vimos com Enéias, por Virgílio. E agora
conto para vocês um sonho de um paciente. “Estou na sala de
jantar de minha casa paterna pendurando quadros em uma das
paredes, algumas pinturas estão somente em tela, outras estão
emolduradas. Eram muitas pinturas e elas estavam uma em cima das
outras. Minha mãe entra e me repreende duramente. Olho para meu
pai, que intervêm debilmente a meu favor. Então, pego fortemente
com minhas mãos uma das mãos de meu pai e lhe suplico: ‘não!
Assim não! Be father’”. É um sujeito que sabe inglês e
latim. Sua mãe era severa e seu pai não estava à altura de sua
função. O pai não protegia seus filhos da fúria de sua mulher.
Em uma elaboração do sujeito, ele tem esse sonho no qual toma as
mãos do pai. Em castelhano se diz: “dar uma mão”. O pai não lhe
“dá uma mão” e, mais ainda, o deixa prá lá. Isso repercute
seriamente nas suas relações com os outros. Ele padece de uma
dificuldade de estar com os outros, e com as distintas figuras
que tentou encontrar para fazer existir o pai. O sonho expressa
bem sua posição subjetiva: frente ao Outro materno severo, ele
necessita encontrar a resposta do pai e este debilmente intervêm
em seu favor. Lembrem do sonho: ele precisa tomar as mãos do
pai. Ele sustenta o pai, é ele que faz existir o pai, pedindo ao
pai que seja pai. Isso não mostra nada em relação a seu pai
imaginário. O que mostra é sua posição subjetiva em relação ao
pai nesse ponto onde, ao longo de sua vida, tudo o que ele faz é
figurar distintas versões que façam existir esse pai que não
estava em seu lugar.
Há um
pensador, um escritor psicanalista que se chama Conrad Stein, ao
qual Lacan faz alusão e elogia no Seminário 17[15]
e na única aula que se chama “Introdução aos Nomes-do-Pai”[16].
Nessas duas oportunidades, Lacan fala de Conrad Stein,
referindo-se particularmente a um artigo deste que se chama
“Nota sobre a morte de Édipo”. É a partir daí que Lacan comenta
o sonho de Freud de “fechar os olhos” ou “fechar um
olho”, tomando o que seria a versão edípica. O sujeito se sente
culpado pelo desejo de morte dirigido ao pai, de acordo com a
versão edípica. Nesse artigo, Conrad Stein trabalha o tema do
desejo de morte; o que ele sublinha é que o Édipo é
inconsciente, pois quando mata o pai “ele não sabia”. O
verdadeiro crime de Édipo é querer saber.
Vocês conhecem
a trilogia de Édipo. Em Colona, Édipo termina dizendo “melhor
não ser”, esta é a última frase que conclui a trilogia de Édipo.
No ponto em que ele não sabia e agora vem a saber o que havia
acontecido - ele tinha dormido com sua mãe, Jocasta, e havia
matado o pai em um encontro fortuito -, Édipo não termina
dizendo, “melhor não saber”, ele diz “melhor não ser”.
Essa
ambigüidade particular faz Lacan situar Édipo entre duas mortes
em O Seminário 7: A ética da psicanálise[17].
O que são as “duas mortes?” Lacan apresenta esse tema como “dor
de existir”. Antígona se rebela contra as leis da cidade quando
seus irmãos lutam até a morte e se matam. O irmão que lutou pela
cidade é enterrado e o outro, não. Antígona enterra Polinices
contra as leis da cidade. Ela é declarada culpada e se decide
enterrá-la viva. Há, então, uma cena, na qual ela sobe ao
sepulcro falando de tudo o que ela perde. O certo é que, entre o
momento em que é declarada culpada e se decide enterrá-la viva e
aquele em que ela morre, há um momento intermediário. Lacan
situa uma primeira morte que é simbólica e uma segunda, que é a
morte biológica. Entre a primeira morte, em que é barrada dos
vivos (a enterramos), e a segunda, em que ela realmente morre,
Lacan situa o que ele chama de “dor de existir”.
Essa
terminologia é útil clinicamente para se pensar algumas doenças,
a Aids, por exemplo: o anúncio da soropositividade era o anúncio
de uma morte simbólica em que a única coisa que se teria a fazer
era esperar efetivamente a morte do sujeito. Nesse intervalo
estava a “dor de existir”, pois não havia nenhum tratamento
possível. Agora o diagnóstico da soropositividade não é mais um
diagnóstico de morte iminente. Não é muito diferente da hepatite
por contágio sexual ou por transfusões sanguíneas. Atualmente,
há o problema dos drogaditos na Europa pelo compartilhar de
seringas.
Lacan se vale
da personagem Antígona para falar do “entre duas mortes”, para
falar do momento em que a trilogia edípica é concluída e Édipo
diz “melhor não ser”. É nesse momento que Lacan situa a morte
simbólica. O que se segue a isso, o desterro de Édipo, é o que
ele chama de a “dor de existir”.
Há uma torção
particular que Lacan faz quando toma Édipo no Seminário 7.
Ele diz: Édipo não teve complexo de Édipo. Lacan parte da idéia
de que o pai nunca é biológico, de que o filho sempre é adotado:
pai é aquele que o reconheceu. O reconhecimento do filho é
sempre simbólico. O pai de Édipo não é aquele que o reconheceu,
não é seu pai biológico e, a rigor, Édipo não mata o pai. Édipo
mata o pai que o engendrou, mas este não é o pai que o
reconheceu. É por isso que Lacan pode dizer que Édipo não teve
Édipo. Além disso, ele dirá mais tarde que Édipo nunca soube do
complexo de Édipo. É uma maneira de desfazer o mito do Édipo,
porque se trata sempre de um reconhecimento simbólico.
Lacan fala de
reconhecimento simbólico em relação ao pai, mas podemos dizer
que também a mãe precisa adotar seu filho. Na época da ciência,
a mãe não é certíssima, há mães gestantes que
carregam seus filhos e passam pelo parto, há também as mães
genéticas, das quais são retirados seus óvulos, e ainda
as mães sociais, que são as que adotam os filhos.
Contudo, na maioria das legislações, mãe é aquela que passa pelo
parto. Mas, quem é a mãe? Pela ação da ciência fica claro que
também as mães têm que reconhecer seus filhos, que também elas
têm que fazer uma adoção, um reconhecimento simbólico.
A torção
particular que Lacan dá ao tema do Édipo é a de marcar que o pai
do Édipo é um pai imaginário. O que isso significa? Todas as
novelas familiares do neurótico têm a ver com uma construção
épica da história da estrutura subjetiva, que dá a esta última
um conteúdo: “eu fui”, “meu pai me disse”, “então eu quis”, “o
outro não quis”. É como uma novela, é a estruturação do pai
imaginário, são construções do pai imaginário “que me quis”,
“que me abandonou”, ”que estava ausente”, “que não me
respondeu”. Freud diz que os mandatos paternos são incorporados
e dão lugar ao supereu, que é a herança do complexo de Édipo: o
pai passa a atuar no interior sob a forma de supereu. Lacan
apresenta o particular da novela familiar da seguinte forma, se
incorporamos o pai imaginário, o pai edípico (estamos no
primeiro tempo do ensino de Lacan
com Freud) como tão mau com nós mesmos - nos torturamos, nos
reprovamos, sentimos culpa -, temos muitas reprovações para
fazer a esse pai. Lacan está falando do supereu; quer dizer: o
supereu é a herança do pai.
De onde surgem
as reprovações que o sujeito faz a si mesmo? Fazer muitas
reprovações ao pai introduz o pecado do pai e a falta. Já não se
trata mais apenas do pai como
Freud o concebeu: o pai
idealizado que retorna no interior do eu e faz o sujeito querer
ser amado pelo supereu, o eu que
quer ser amado pelo supereu do mesmo modo
como foi amado anteriormente pelo pai, de modo que
renuncia ao gozo para ser amado pelo supereu. Lacan fez uma
torção e disse: se há tantas auto-reprovações que nascem da
incorporação do pai é porque há muitas reprovações a se fazer ao
pai. O pai não é tão ideal, isto é, o pai freudiano a quem se
ama é um pai que porta uma falta na qual o sujeito se inclui. No
Seminário 7[18],
Lacan distingue o pai imaginário, o pai simbólico e o pai real.
O pai imaginário é o fundamento de Deus, e a função do supereu,
em última análise, é ódio a Deus, reprovação a Deus por haver
feito as coisas tão mal. Vocês percebem que essa é uma maneira
de Lacan ir situando, já nessa época, que para além do amor ao
pai encontramos sua falta, a reprovação que dirigimos ao pai.
Ele diz que Deus, a imagem de Deus, tem origem no pai
imaginário, e não no pai simbólico, trata-se, portanto, do pai
imaginário que retorna sobre o sujeito como um mandato do
supereu. O fundamento do supereu é a identificação com o pai
imaginário. No entanto, depois do Seminário 7,
Lacan não vai dizê-lo exatamente dessa forma. Nesse seminário,
ele está buscando, com a leitura que faz de Freud do pai edípico,
o fundamento do supereu, uma discriminação do estatuto do pai ao
qual o sujeito se identifica. Trata-se do pai imaginário, que é
o pai da novela familiar do neurótico. Portanto, são versões do
pai imaginárias que vão se recompondo em uma análise. Freud
também diz que o pai é tanto Deus, quanto a religião. Ele o faz
existir como S1, como significante mestre. Vamos ver
isso na próxima aula.
Para concluir
essa série vou tomar o sonho de um dos pacientes de Freud. Em
“Sonhos absurdos”, Freud[19]
fala de um sonho no qual o pai está morto e o sujeito sonha que
o pai está vivo e fala como ele no sonho. O pai havia
realmente morrido, só que não sabia. Essa é ambigüidade do
sonho. Freud completa: havia realmente morrido... em
conseqüência do desejo de quem teve o sonho. A interpretação
de Freud é de que o sujeito sonha que o pai está morto, segundo
o seu desejo no sonho. Isso introduz distintos níveis de
análise. No primeiro nível o sujeito, ante a agonia do pai,
deseja sua morte para minimizar, reduzir sua “dor de existir”. O
pai sofre, está agonizante e em um momento o sujeito deseja que
essa dor acabe, que o pai morra para não continuar sofrendo. No
sonho, o pai não sabia que o filho tinha esse desejo. Freud, ao
modo edípico, disse: isso toca o desejo de morte do sujeito
dirigido ao pai. O desejo de morte edípico. O pai “não sabia” do
desejo de morte do filho dirigido a ele.
Lacan retoma
esse sonho no Seminário 6, no qual apresenta o pecado do
pai a partir de Hamlet. O pai está morto, retorna e fala com
Hamlet. Lacan diz que o termo “não sabia” envolve distintos
níveis de análise. Isso é diferente do que Freud
conceitua. Primeiramente, Lacan diz que o pai já estava
morto, antes da existência dos desejos edípicos inconscientes do
sujeito, porque ele está tratando do pai morto como pai
simbólico, operador estrutural para cada sujeito. É a época onde
Lacan diz que a figura do pai morto é o pai simbólico e que isso
opera para todos os sujeitos. Por que “pai morto”? Porque se
trata do símbolo e o símbolo mata a coisa. Se eu digo elefante,
onde está o elefante? É a idéia da palavra como sendo a morte da
coisa. Não necessitamos trazer objetos para nomeá-los, trazemos
os objetos sem a sua presença empírica. Para se operar através
de palavras, o pai morto equivale ao pai simbólico. Podemos
dizer que o pai morto, que aparece no referido sonho, sempre
esteve morto porque se trata de um pai simbólico. Lacan introduz
um elemento que vai para além do pai imaginário e, para ele,
nesse eixo, há uma polaridade entre o pai imaginário, que é um
pai edípico, e o pai simbólico, o pai morto, que é um operador
simbólico. O pai real nessa altura do ensino de Lacan é um pai
empírico. Porém, em realidade, se trata de que esse desejo já
não é tanto um desejo de morte, senão de castração, que retorna
sobre o sujeito até inscrever a falta no Outro. Porque se o pai
“não sabe”, trata-se da falta no Outro. O pai moderno
não sabia, tal como o pai
contemporâneo “não sabe”, do mesmo modo, as mães.
Portanto, de modo que, o
Outro é barrado: do lado do Outro não há o saber todo.
Finalmente, quem “não sabe” é o próprio sujeito, porque não há
inscrição da morte no psiquismo.
Na época do Seminário 6, Lacan retoma o “sonho do
pai morto” introduzindo a seguinte polaridade: a falta do
lado do Outro, o pai que “não sabe”, e a falta do lado do
sujeito, que também “não sabe”.
Uma variação
desse sonho é o de uma paciente obsessiva. Seu pai está morto e
aparece para ela em seu sonho, ele está morto e “não sabe”. É
freqüente que, quando alguém perde um ser querido, o reencontre
em seus sonhos. O pai “não sabe” que está morto, ela sim sabe
que ele está morto e não quer lhe dizer. A falta se dirige
contra o eu, é ela quem sabe. Também não ocupa o lugar de
professora, ela não quer dizer ao pai que ele está em falta.
Esse foi o primeiro desenvolvimento de Freud e depois, de Lacan.
O particular desse sujeito é que o pai se suicida. Este caso não
é como o do sonho anterior, no qual o filho deseja com piedade
ideal, pela “dor de existir”, que o pai morra para não continuar
sofrendo. Neste caso, ela vai visitar o pai, ele a saúda e,
quando ela vai embora, ele se mata com um tiro. Ela acabou de se
formar e leva para ele suas insígnias de saber, o seu diploma, o
pai a felicita e se mata quando ela vai embora. Neste caso, o
sujeito não tem falta. A falta transita de outro modo. Porque,
no sonho, ela sabe e não diz ao pai que sabe de sua falta. A
falta fica do lado do Outro. Vocês percebem que há versões do
pai e há versões do tratamento da
falta, que não funcionam em todos os casos da mesma maneira.
Um último
exemplo: um outro sonho de outra paciente. O pai morre e ela se
surpreende de encontrar o pai vivo. Ela pergunta ao pai: “como é
a vida mais além?” O pai responde: “isso você terá que responder
por você mesma”. Essa resposta no sonho implica uma posição
diferente, um para além do pai. A falta fica do lado daquele que
sonha e não do lado do pai, porque é o sujeito que tem que
responder. Detenho-me nesse ponto para deixar com vocês as
perguntas.
Tania
Coelho dos Santos -
Eu teria muitas perguntas para fazer, enquanto vocês pensam nas
de vocês. Pergunto sobre o sonho da última analisanda que você
nos trouxe, porque seu sonho ressoa um certo conhecimento de
psicanálise. Faço esta pergunta porque estou conduzindo uma
investigação sobre a importância, na análise de analistas, da
elaboração teórica em psicanálise. Quer dizer, as incidências da
psicanálise na análise de analistas. Parece-me que esse caso é
exemplar e vai nos fornecer material para nossa pesquisa.
Silvia
Elena Tendlarz –
Agradeço pela
pergunta que me permite acentuar um ponto. As teorias de Freud e
de Lacan relativas ao pai não são iguais e isso tem incidências
na clínica psicanalítica, pois a idéia que se tem do que é o pai
influi no modo de conduzir as análises. A idéia do pai ideal
como alguém a ser salvo é marcante no sonho que vimos do
paciente de Freud, que se encontra na “Interpretação dos
Sonhos”, em “Sonhos absurdos”. O sujeito deseja a morte do pai e
o salva, o faz existir em todas as direções da cura. Isso sob a
idéia de que o pai proíbe, logo, é o sujeito que está em falta
porque deseja a morte do pai. Porém, em nenhum momento, Freud
fala do ódio do pai, nem da falta. Quando Freud analisa esse
sonho, ele interpreta que se trata do desejo de morte do sujeito
dirigido ao pai. A falta fica do lado do sujeito. Ele salva o
pai e o faz existir.
Freud também
fala do “núcleo paranóico” na relação mãe-filha, em que a filha
percebe o ódio da mãe. O ódio da mãe implica não só o ódio da
filha em relação à sua mãe, mas também a percepção da filha do
ódio da mãe em relação a ela. Mas, Freud não fala do ódio do
pai, nem de sua falta. Para Lacan, o fundamento da devastação na
relação mãe-filha é esse ponto de não-desejo.
Finalmente,
com seus artigos sobre a religião, Freud desenvolve a noção de
pai como Deus-pai: Deus é sempre pai. Lacan diz que todo pai é
Deus, é um universal. Pensar a incidência clínica, no
tratamento, da idéia do universal de um pai todo amor, que
retorna sobre a criatura, produzindo sentimento de culpa sob o
modo do supereu, não é o mesmo que pensar uma análise que começa
com a idéia de um pai todo amor, de amor ao pai, de salvar o
pai, e durante seu percurso há uma redução dessa idéia. Neste
caso, a análise parte da paixão do neurótico por ter um Outro
consistente, de fazê-lo existir, e conduz à falta do Outro: a um
Outro que não existe, onde não há um Outro que possa responder.
A resposta tem que ser dada pelo próprio sujeito. É
absolutamente ímpar.
Efetivamente,
na formação do analista, sua análise pessoal interfere nas
análises que ele pratica: ele orientará o tratamento de seus
analisandos dependendo do que ele faz do pai em sua própria
análise. Se o sujeito está em sua análise na direção de salvar o
pai, de fazê-lo existir, é preciso haver uma mudança nele
próprio, por meio da metamorfose que uma análise produz, para
que ele possa apontar a falta no Outro, confrontar-se com esse
Outro que não existe, e chegar ao ponto em que um sujeito possa,
de forma singular, dar uma resposta, possa fazer do mundo onde o
Outro não existe um mundo habitável. Em algum momento o analista
terá que dar conta disso para ele mesmo e, depois ,para os
outros. Isso não ocorre sem a teoria, tampouco é apenas teoria,
porque é impossível subjetivar a falta exclusivamente por meio da
teoria, portanto tem que estar encarnado. Não se trata de um pai
universal, contudo existem maneiras de tratá-lo de modo
universal. Portanto, é preciso tratá-lo no particular, no caso
a
caso, no
um a um.
Rosa Guedes
Lopes:
Você está afirmando que a direção de uma análise vai do Outro
consistente ao Outro barrado e que o analista a conduz a partir
de como ele próprio se situa em relação ao pai na sua análise,
bem como no seu estudo teórico?
Silvia
Elena Tendlarz
– Não é a apenas a perspectiva teórica. Mas, se um sujeito
consegue confrontar-se em sua própria
análise com o “Outro que
não existe”, ele poderá conduzir
a análise de um sujeito a esse ponto. A produção fantasmática
produz vacilações na direção da cura. Vejo isso quando
supervisiono um analista que não terminou sua análise. Um
analista que terminou sua análise também pode levar seus casos
para supervisão. Porém, quando se trata do início da formação de
um analista, pode-se ver claramente que seus pontos de impasse
são pontos de impasse subjetivos. Dou dois exemplos.
Uma paciente
tinha muitos admiradores, no entanto a sexualidade era uma
questão complicada para ela. Sua posição subjetiva era “ela
não”, que vinha do Outro materno: o irmão, sim e ela, não. O
irmão podia tudo e ela, nada. Ela conseguiu formar-se com muita
dificuldade, porém da sexualidade ela não pode abrir mão. Ela se
mantém afastada da sexualidade. É o que Freud chamou de uma
saída para a sexualidade por meio da inibição sexual. Freud
entende que uma das saídas femininas se daria pela equação
mulher-mãe. Lacan não considera essa solução. Existem muitas
mulheres que não são mães, e muitas mães que não são mulheres.
São dois conjuntos que têm interseção, mas com muitas variáveis.
A segunda saída que Freud apresenta é o complexo de
masculinidade e a terceira, é a inibição sexual. Muitos casos,
mais do que se pensa, são de inibição sexual. No caso de minha
paciente, não se trata de inibição neurótica sintomática, mas de
inibição estrutural, da qual não se sai facilmente, porque há
algum enodamento subjetivo que se sustenta na inibição: um pai,
um S1 que se enodou para ela nesse “ela não”.
Portanto, não se trata do registro imaginário, do qual se pode
sair com facilidade. Para ela é um problema quando um de seus
pacientes tem qualquer dificuldade que envolve a sexualidade.
Ela sabe que nos casos clínicos
que envolvem esse ponto, ela só pode trabalhar como psicóloga,
pois diante disso ela
não pode atuar como analista. Ela não pode seguir adiante
em sua análise e tampouco com seus pacientes. Porém, como é um
sujeito em análise ela “não sabe” e, sabendo que não sabe disso,
terá que orientar sua prática de acordo com o que se apresenta
para ela, não mais como impotência, mas como impossível.
O outro
exemplo é o de um sujeito analista em formação cujo pai
alcoólico morre por causa de seu alcoolismo. Arrombam a porta e
o encontram morto. A cada vez que ela recebe um paciente cujo
tema de análise é um pai alcoólico, não pode deixar de pensar em
si e em seu próprio pai. É um ponto no qual sua escuta vacila.
Ela começa escutando o paciente e acaba escutando sua própria
história em relação ao pai. Não consegue ir além. Trata-se de um
ponto de impasse na direção da sua cura. Neste último tempo de
sua análise, ela fez um movimento, uma torção. Até então, a
versão do pai que apresenta é a de um “pai em falta”, um pai
alcoólico. Não se trata do pai idealizado, mas de um pai caído,
humilhado, que não pode trabalhar, alcoolizado. A torção em sua
análise inclui o ponto onde “ela está em falta” com o pai. Isso
se manifesta no momento em que ela tem que se apropriar de uma
herança do pai, então ela vacila porque agora é ela que está em
falta em relação ao pai. Vocês percebem que primeiro a falta
estava no Outro e, em seguida, há uma apropriação subjetiva da
falta. Ela muda sua versão do pai. Porém, até que isso pudesse
ser posto em movimento, havia uma dificuldade na condução de sua
análise. Estou tomando a perspectiva da versão do pai, mas é
preciso considerar também a dificuldade dela na direção de
revelar a si mesma a fantasia, que é a letra que a dirige na
vida. Se o sujeito não cede de sua fantasia, não pode ir mais
além na sua escuta. Portanto, não adianta conhecer toda a teoria
de Lacan, porque a sua fantasia é posta à prova nas análises que
conduz.
Rachel
Amin:
Que diferença a senhora vê entre o amor ao pai
referente à clínica feminina e à clínica masculina?
Silvia
Elena Tendlarz -
Tua pergunta é
muito pertinente. Vou falar sobre isso na terceira aula porque,
na verdade, o assunto é sobre como a demanda de amor das
mulheres retorna. Não vou comentar agora, apenas antecipo que,
para as mulheres, no tema do amor o que predomina é “se fazer
amar”. Como diz Freud, em “Inibição, Sintoma e Angústia”, no
lugar da angústia de castração do homem figura, na mulher, o
medo de perder o amor, porque ela recebe o falo ansiado por meio
da experiência amorosa. Se amar é dar o que não se tem, o objeto
amado recebe o falo ansiado. Por isso, Lacan diz em O
seminário 8: A transferência[20],
que a verdadeira metáfora é o amor, quando aquele que recebeu o
valor fálico, por meio da experiência amorosa de ser amado (pelo
amante, por aquele que o ama), renuncia a sua posição de objeto
(amado) e dá, como retorno àquele que o ama, a sua própria
falta. Freud dizia que as mulheres eram profundamente
narcisistas porque só amavam a si mesmas. Esta é outra versão. A
tal ponto que no lugar da angústia de castração, já que a mulher
não tem nada para perder porque está privada do falo (o termo é
o de privação e não o de castração), se coloca o valor que tem
para uma mulher “fazer-se amar”, o que reenvia à demanda de
amor. Portanto, a demanda de amor não é a igual para o homem e
para a mulher. Isso conduz às fórmulas da sexuação, que vou
deixar também para a terceira aula.
Senhora Y:
Você falou que Édipo não teve complexo de Édipo e depois
trabalhou o Édipo como pai imaginário. Minha pergunta é sobre o
Édipo como simbólico e como imaginário.
Silvia
Elena Tendlarz –
O tema do pai
é trabalhado nos três registros, imaginário, simbólico e real.
No Seminário 7 Lacan distingue o pai imaginário e o pai
simbólico. Quando em seu ensino o paradigma é o simbólico, ele
fala da eficácia simbólica do pai, pela qual qualquer pai é
adotivo, ou seja, se trata de um reconhecimento simbólico.
Porém, o pai da novela familiar do neurótico é um pai
imaginário. O pai da perspectiva do Édipo é um pai imaginário.
Se, por um lado, temos a eficácia simbólica do pai, por outro,
quando o sujeito fala do pai, ele fala de sua versão imaginária.
A versão de seu pai que o sujeito traz à análise é imaginária. O
sujeito que fala de seu pai alcoólico, fala de uma versão
imaginária, porque o sujeito tem um pai, não importa qual. É por
isso que, nessa época, Lacan põe o acento no pai simbólico, mas
não no para além do Édipo. Ele formaliza o Édipo por meio da
metáfora paterna. O para além do Édipo é abordado mais tarde,
quando Lacan começa a sua teorização sobre o real.
Mirta Zbrun
-
Considero como ponto central desta aula de Silvia
o seu dizer de que as mudanças subjetivas são solidárias das
versões do pai.
Silvia
Elena Tendlarz –
Porque as
versões do pai também são um modo de tratamento da falta. A
posição do sujeito que faz o pai existir é distinta da posição
do sujeito em anamorfose, que aparece sob a imagem do pai
poderoso, por exemplo. Isso implica já uma mudança subjetiva.
Rogério
Quintella
– Gostaria que você falasse mais sobre o pai real. Lacan fala do
pai da horda, o pai de “Totem e Tabu” como exceção à castração.
Então, pergunto: o pai real não estaria correndo por baixo do
pai imaginário e do pai simbólico, dando uma certa sustentação
lógica a eles e, ao mesmo tempo, paradoxalmente, possibilitando
desenlaces no final de análise, com uma relativização do pai
imaginário e pai simbólico?
Silvia
Elena Tendlarz -
Lacan começa
seu ensino demarcando três registros diferenciais: real,
imaginário e simbólico. Esses registros não funcionam ao longo
de sua obra da mesma forma. No primeiro tempo, Lacan faz uma
teorização sobre o imaginário, o pai edípico. Depois há uma
prevalência do simbólico em que ele acentua o pai simbólico. O
que apresentei para vocês corresponde à época na qual o pai é
essencialmente simbólico, o pai edípico é imaginário e o pai
real ainda não está bem situado. Portanto, no Seminário 4: a
relação de objeto, Lacan fala do pênis real do pai e
não do pai real. Fala de como a busca do pênis real vai
determinar posições subjetivas, por exemplo, a sexualidade
feminina em que há um direcionamento ao pai portador do pênis
real e o falo é imaginário – pênis real e falo imaginário. Em
O Seminário 5: as formações do inconsciente, o falo é
simbólico, o pai é simbólico e temos os três tempos do Édipo. A
partir de O Seminário 10: a angústia, o real vai
começar a ter maior preeminência. Em O Seminário 11: os
quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Lacan
opera uma passagem do pai ao objeto pequeno a. Porém, é
somente no Seminário 17 que o real passa a ter outro peso
em seu ensino. Ele diz que o pai real é o operador da castração,
e faz uma passagem do Édipo a “Totem e tabu”. Diz que o Édipo é
um sonho de Freud. Sobre isso, eu vou falar amanhã. Hoje
acentuei o que seria o pai simbólico e as versões imaginárias do
pai. Essa idéia do pai como operador estrutural é fundamental.
Estou de
acordo contigo. No ponto do ensino de Lacan onde o pai se torna
real, estamos no momento em que Lacan introduz o para além do
Édipo. Com o Édipo, o pai é simbólico e imaginário. Sem o Édipo,
quer dizer, para além do Édipo, o pai é operador estrutural, o
que já muda a idéia do que é um pai, porque o pai é solidário ao
significante da falta do Outro. Isso significa que, nessa época,
o pai é o suporte empírico do pai simbólico e do pai imaginário.
Quando Lacan fala, então, do pai de Hans,
diz que se trata do pai imaginário, quer dizer: Hans não
teve pai. Lacan fala do pai simbólico e, com a saída pela
suplência operada com a fobia, ele escreve que se trata dos
pais, do mesmo modo que vai dizer que Hans tem duas mães,
a mãe e a mãe do pai, sua avó. É produzida uma duplicação da mãe
no lugar do pai que não tem, há uma tentativa de suprir essa
falta do pai. Porém, Lacan fala sempre de uma versão empírica do
pai. Chegar a falar do pai como real é uma construção, um ponto
de “desembocamento”. Depois, para além do Seminário 17,
Lacan dirá que o pai é um sinthoma, um enodamento do
real do imaginário e do simbólico. O pai não está nem no laço
imaginário, nem no laço real, nem no laço simbólico: ele é o
quarto laço que enoda esses três registros. Evidentemente, há
uma mudança de posição de Lacan em relação ao Édipo e à
castração.
Rogério
Quintella: Pergunto se essa mudança de posição não
poderia ser entendida a partir da confrontação do sujeito com a
falta do Outro e da possibilidade daquele de dar uma resposta
singular a essa falta? Trata-se de criar um novo mito por meio
do qual se possa sustentar a diferença, no sentido da diferença
sexual e da falta do Outro? Isso corresponde a uma posição
feminina? Estou pensando no feminino como algo que introduz a
diferença, algo que é impossível de suportar. Pergunto se não
conduz o sujeito a uma função criadora, à possibilidade de
criação de um novo mito que sustente a falta?
Silvia
Elena Tendlarz:
Se voltamos ao mito, é o mesmo que perguntar pela falta do Outro
e voltar à estrutura da falta. Se é apresentado um novo mito, é
confrontar-se com a falta do Outro para fazê-lo existir
novamente.
O que muda é o
ponto de perspectiva: o passado existe como tal? O passado é uma
construção que fazemos cada vez que falamos. Não há como pensar
em uma máquina do tempo por meio da qual poderíamos cotejar com
o que sujeito está dizendo para saber se o que ele está dizendo
realmente ocorreu. No percurso de uma análise, o sujeito dá
várias versões sobre o que ocorreu em uma mesma cena. São pontos
de perspectiva. Qual é a verdade? A verdade é uma construção. O
que vai variando no percurso de uma análise são as construções
feitas pelo sujeito sobre o que ficou como resto para ele. Freud
diz que toda lembrança é “lembrança encobridora”.
Portanto, não se chegará no percurso de uma análise a uma
lembrança que funcione como ponto de basta, porque essas
“imagens indeléveis” tratam de captar algum resto, de cingir
algum resto que se vai construindo. Na análise, há um resto
não-simbolizável que não pode ser coberto com um novo mito, mas
que deve permanecer como resto que impossível de ser absolvido
pelo simbólico. Não-todo real passa ao simbólico. Toda análise
deixa um resto. O que se tenta é uma “maneira de fazer com” esse
resto não-simbolizável, um saber fazer com. A questão é:
o que fazer com isso que não existe, com o que não se sabe,
adquirido por meio da análise?
Senhora W:
Minha pergunta é sobre o ponto de impasse no
Édipo, pensando-o em relação ao analista, no que toca o
sinthoma do analista.
Silvia
Elena Tendlarz –
Na análise, há
um “ponto de passe”, se podemos chamar assim um ponto de
retificação subjetiva em um momento da análise, que poderia ser
um ponto de impasse. O analista pode operar de modo tal a
dirigir uma cura para além do Édipo, porque na direção da cura o
modelo não é o do pai ideal freudiano que dirige a cura: o
analista não está no lugar do ideal. Trata-se de dirigir uma
cura na direção da separação do objeto e de conduzir o sujeito a
buscar uma saída, uma solução de vida para ele para além dos
ideais do analista. Pode ser um ponto de impasse, mas é também
um ponto útil para poder operar com isso.
Tania
Coelho dos Santos –
Se não temos
mais nenhuma pergunta por hoje e podemos continuar amanhã,
encerramos esse encontro convidando vocês a chegarem
pontualmente às 10:00 horas.
Transcrição:
Maria Ângela Mársico Maia.
Revisão
Técnica: Silvia Elena Tendlarz,
Tania Coelho
dos Santos e
Rosa Guedes
Lopes.
[1]
“Je dis qu’il faut supposer tétradique ce qui
fait le lien borroméen – que perversion ne veut dire que
version vers le père – qu’en somme, le père est un
symptôme [...]”.
“L’imagination d’être de rédempteur, dans notre tradition au
moins, est le prototype de la père-version. C’est dan
la mesure où il y a rapport de fils à père qu’a surgi cette
idée loufoque du rédempteur [...]”. Lacan,
J.
(1975-76). Le Seminaire, livre 23: Le
sinthome. Paris: Seuil, 2005, p. 19 e 85,
respectivamente.
[2]
_____. (1938) Outros Escritos. RJ: JZE, 2003, p.
66-67.
[3]
_____. (1969-70). O Seminário, livro 17: o avesso da
psicanálise.
RJ: JZE, 1992, p. 120.
[4]
_____. (1998) Escritos. RJ: JZE, p. 692-703.
[6]
Miller, J.-A.
(1991-92). De la naturaleza de los semblantes.
Buenos Aires: Paidós, 2002, 304p.
[7]
Freud, S. (1950
[1892-1899]) “Extratos dos documentos dirigidos a Fliess”.
“Carta 50” (02/11/1876). Em: Obras Completas. RJ:
Imago, 1977, Vol. I., p. 316-317.
[8]
Essa estranha expressão, “retorna sobre o eu”, significa que
a libido quando é retirada do objeto não somente retorna
para o eu, como carrega consigo, para o eu, a sombra do
objeto perdido. Freud diz que na melancolia, a sombra do
objeto caiu sobre o eu. O eu então, identifica-se ao objeto
perdido, isto é, ao objeto que falta ao Outro (N.R.T).
[9]
Freud, S.
(1916) “Alguns tipos de caráter encontrados no trabalho
psicanalítico” - “Criminosos em conseqüência de um
sentimento de culpa”. Em: Op. Cit., Vol. XIV., p.
375-377.
[10]
Lacan, J.
(1950). “Introdução teórica às funções da psicanálise em
criminologia”. Em: Escritos. Op. Cit., p. 127-151.
[12]
Título:
Incendio del Borgo, 1514-15;
Autor:
Rafael;
Museu:
Estâncias Vaticanas;
Características:
Fresco;
Estilo:
Renascimento
Como continuação de as “Estancias
de la Signatura y de
Heliodoro”,
em 1514, Rafael iniciou seus trabalhos em a terceira
Estancia, também a sede do Tribunal de la Segnatura e sala
de jantar do papa Leão X, que encomendou os afrescos [...]
Rafael Sanzio tomou para pintar esse afresco um episódio que
extraiu de "Liber Pontificalis", no qual é narrada a
milagrosa intervenção do papa Leão III, na extinção do
incêndio ocorrido no bairro romano de Borgo, durante o ano
de 847, graças a sua benção. No lugar do rosto de Leão III
se vê a efígie de Leão X [...] As figuras da esquerda
lembram Enéias com seu pai Anquises no ombro, junto de
Ascanio, seu filho. A edificação da direita é inspirada no
templo de Saturno. O edifício onde está o papa é tomado de
Bramante,
observando-se no fundo a antiga basílica do Vaticano. [...]
O conjunto se organiza através de diferentes planos
paralelos que se afastam em profundidade, deixando o espaço
central vazio para dirigir nossa atenção para a benção papal...
Fonte:
http://www.artehistoria.com/frames.htm?http://www.artehistoria.com/genios/pintores/3077.htm
[13]
_____.
(1964) O seminário, livro 11: os quatro
conceitos fundamentais da psicanálise. RJ: JZE, 1988,
cap. VII e VIII.
[14]
_____.
(1959-60). O Seminário, livro 7: a ética da psicanálise.
RJ: JZE, 1988, cap. X, XI e XXI.
[15]
_____.
(1969-70). Op. Cit., cap. VIII.
[16]_____.
(2005). Nomes-do-Pai. RJ: JZE, p.72.
[17]
_____.
(1959-60). ). Op. Cit., cap. XXI e XXII.
[18]
_____.
(1969-70). Op. Cit., p. 367-372.
[19]
Freud, S.
(1900) “A interpretação de sonhos”. Em: Op. Cit. Vol.
V, p. 455-465.
[20]
“Certamente, as coisas vão mais além. Podemos dar aqui [...]
uma fórmula que retoma o que já é indicado pela análise, da
criação do sentido na relação significante-significado,
mesmo deixando para ver, depois, o seu manejo e a sua
verdade. O amor como significante – pois, para nós, ele não
é mais que isso – o amor é uma metáfora – na medida em que
aprendemos a articular a metáfora como substituição. [...]
uma fórmula algébrica. É na medida em que a função do
érastès, do amante, na
medida em que é ele o sujeito da falta, vem no lugar,
substitui a função do érôménos, o objeto amado, que
se produz a significação do amor”.
Lacan, J. (1960-61). O Seminário, livro 8: a transferência.
RJ: JZE, 1992,
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