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 O DIAGNÓSTICO E O TRATAMENTO DOS SINTOMAS OBSESSIVOS NA CONTEMPORANEIDADE 

Tania Coelho dos Santos 
taniacs@openlink.com.br


Cresce, na civilização globalizada, o gosto pela descrição fenomenológica dos sintomas. Não se procura mais conhecer sua lógica, compreender o mecanismo psíquico inconsciente que lhe confere sua universalidade e sua irredutível particularidade. Uma parte considerável da clínica psiquiátrica se reduz, hoje, à prescrição de medicamentos. O que se medica se não se sabe de que se trata? A resposta dominante é a prova terapêutica. Medica-se o fenômeno na expectativa de reduzi-lo graças ao medicamento. Quando o resultado é positivo, está concluída a prova terapêutica. E quando o medicamento não funciona? O que fazer?

A psicanálise, diferentemente dessa tendência, persegue a causa irredutível do sintoma. A extensão de sua abordagem a novos campos tem nos levado a praticar a psicanálise aplicada nas instituições de saúde, educacionais, jurídicas e até no reduto mais refratário ao sujeito e ao inconsciente que é o mundo do trabalho, das empresas e organizações. No Campo Freudiano, graças à criação de um grande numero de Centros de Atendimento, a psicanálise está cada vez mais ao alcance da população de baixa renda que não chega aos consultórios particulares. Não resta dúvida, trata-se de obter efeitos terapêuticos por meio dessas novas práticas: a aceleração dos efeitos terapêuticos da psicanálise. O que não significa, de modo algum, contornar a necessidade de saber de quê se trata. A psicanálise pura continua sendo a condição, o fundamento, a base do exercício dessa clínica psicanalítica aplicada graças a novos dispositivos terapêuticos.

O sexto número de aSEPHallus é dedicado à psicanálise pura, em particular, à clínica da neurose obsessiva. Em artigo inédito, baseado em sua tese de doutorado, Irene Beatriz Greiser, nos apresenta uma discussão cuidadosa da expressão sintomas sociais. Ela nos alerta para o risco que representa a redução do sintoma, no discurso da civilização contemporânea, a uma mera desregulação do funcionamento social ideal. Afinal, é essa abordagem reducionista que justifica o tratamento pela prova terapêutica. O sintoma, como ela reafirma, é o modo particular pelo qual o sujeito goza de seu inconsciente mas, quando esse gozo não passa pelo Outro do inconsciente, quando esse laço se rompe, temos o sintoma social. Há sintoma social quando o laço com o Outro do inconsciente é anulado. A psicanálise enraíza-se na sólida tradição psiquiátrica pois, como recorda Vera Gorali, desde seus primeiros trabalhos sobre as paralisias orgânicas, motoras, histéricas, Freud diferencia o corpo anátomo-patológico do outro corpo, ligado ao simbólico e especialmente destinado a desvelar as verdades mais secretas do sujeito sem que este saiba nada disso. A libido inscreve mensagens codificadas no corpo simbólico que perturbam, inibem, modificam a enervação neuronal anatômica como ocorre na histeria, ou erotizando o pensamento, como na neurose obsessiva.

A leitura que propõe Esthela Solano do caso de Freud, “O homem dos ratos”, incide sobre esse ponto: a neurose obsessiva comporta uma erotização do pensamento. Todo pensamento obsessivo que dê lugar a alguma construção, não importa o quão louca ela seja, será sempre ligada à sexualidade. Vivemos numa época em que os sintomas dos neuróticos obsessivos estão sendo reduzidos à terminologia do DSM IV: são TOC. Nesse sentido, convém lembrar, como esclarece Lacan, que um sintoma obsessivo é uma frase que visa alcançar a destruição de alguma coisa por intermédio da própria articulação da forma verbal, isto é, pela via do significante. A psicanálise funda-se no campo da fala e da linguagem. Serge Cottet lembra que temos o hábito de falar da histeria no feminino e da neurose obsessiva no masculino. Uma clínica dessa diferença estrutural transcende a diferença entre os sexos? Lacan raramente faz objeção a esta dissimetria, mesmo ressalvando, ocasionalmente, que “o histérico não é obrigatoriamente mulher e o neurótico obsessivo não é obrigatoriamente homem”. Existiria, se pergunta Cottet, uma especificidade da neurose obsessiva feminina que a atualidade traria novamente à tona? Nós sabemos que são comuns, nos dias de hoje, os diagnósticos de TOC em mulheres. Freud aborda a neurose obsessiva como um dialeto da histeria. Isso nos permite localizar sintomas obsessivos (rituais, defesas, obsessões) em momentos cruciais da história da neurose em uma mulher. Vanessa Campbell, partindo do pressuposto de que na psicose não há a simbolização da lei edípica, pergunta se podemos dizer que o psicótico não se inscreveu nem do lado masculino nem do lado feminino. Como fica a posição do psicótico na partilha dos sexos? De que recursos ele pode se valer para situar-se na diferença sexual? O empuxo-à-Mulher pode ser considerado uma forma de o sujeito posicionar-se na partilha dos sexos?

Trazemos ainda, na seção clínica desse numero, quatro artigos apresentados no VI Congresso Internacional da Associação Mundial de Psicanálise, que aconteceu em Buenos Aires, em abril, desse ano. Cláudia Lázaro comentou-os conforme se segue: trata-se de quatro casos de neurose obsessiva masculina. Ela levanta uma pergunta decisiva sobre a eficácia do tratamento psicanalítico do sintoma: o que é que cada sujeito ganha com o novo circuito pulsional que se constrói graças a sua análise? Suzana Amado relata que suas intervenções incidiram sobre circuito pulsional que impulsionava seu analisando a caminhadas para abordar mulheres na rua e assediá-las com palavras obscenas. Um circuito novo surge graças ao encontro com uma parceira que não se intimida com suas fantasias. Isso vai levá-lo a procurar silhuetas femininas na internet, objeto que não precisa mais ser buscado nas perigosas caminhadas pela rua. Roger Cassin fala de um caso de agorafobia que envolve um gozo voyeurista com um pênis em ereção. Ao final do tratamento, esse analisando encontrará uma nova relação amorosa que ele não trata como um pênis morto. A agorafobia desaparece e a importância de sua atividade voyeurística se reduz. Finalmente, o caso que apresentei demonstra que a drogadicção, sintoma social da contemporaneidade, não é uma estrutura clínica. Este analisando me ensina que a droga é o tratamento espontâneo que ele dá aos seus pensamentos obsessivos. Essa análise faz surgir o que foi recalcado pela neurose obsessiva. O desejo de ser um grande escritor, que lhe permitiria triunfar sobre um pai medíocre. O debate sobre esses quatro casos de neurose obsessiva masculina nos trouxe elementos clínicos indispensáveis para sustentar uma aposta numa prática orientada pelo diagnóstico do sintoma.

O sintoma para psicanálise, como desenvolve Sérgio Laia, é um problema que causa sofrimento, mas pode ser também uma solução. A psicanálise pura não é uma experiência alheia à terapêutica. O processo analítico, na orientação lacaniana, termina com a produção de um analista, entretanto, o sintoma não é eliminado como um problema nem é completamente solucionado. Acredito que os casos apresentados na seção clínica sirvam para mostrar isso muito bem. O psicanalista não é messiânico. Não promete a cura dos efeitos da linguagem sobre o corpo do se falante. Essa abordagem do sintoma no dispositivo analítico, como esclarece Lêda Guimarães, envolve um tratamento ao sofrimento que inclui produção de um saber pelo analista. A autora se pergunta: qual é o papel da formalização do caso clínico? A psicanálise é uma clínica, não é uma teoria abstrata, nem uma elucubração obsessiva. Essa clínica, entretanto, não existe sem a formalização teórica. A teoria da psicanálise é essencialmente uma teoria da clínica que consiste nessa articulação íntima entre o real da experiência e a teoria relativa a esse real. A formalização do caso clínico em psicanálise, diferentemente do que ocorre nas práticas que dispensam o diagnóstico, é um instrumento para que o analista venha a operar por meio de seu ato.

Maria José Gontijo traz uma resenha do livro de Sílvia Tendlarz e Carlos Dante intitulado: A quién mata o asesino?. Os autores defendem uma posição inédita que justifica que o psicanalista se interesse pelos criminosos. Deve–se buscar, em todos os casos de homicidas, uma implicação do sujeito, sua responsabilidade em relação ao crime. O que não equivale a dizer que para todos os casos se deveria indicar um tratamento psicanalítico. Contudo, o psicanalista deve procurar localizar se depois do crime ocorreu uma mudança na posição do sujeito, verificando se haveria umaresposta subjetiva ao ato.

Na seção de Atualidades deixei registrada minha defesa pública, por ocasião do Grand Meeting no Palais de La Mutualité, quando fui surpreendida, durante esse encontro, por um convite de Jacques-Alain Miller para que falasse do sistema de avaliação das pós-graduações e da pesquisa no Brasil. O pequeno texto que se segue contém as afirmações que constaram da minha intervenção.

Muito obrigado a todos que colaboraram conosco.