Tania
Coelho dos Santos
Pós-doutorado no Departamento de Psicanálise de Paris VIII
Professor Associado, nível II no Programa de Pós-graduação em
Teoria Psicanalítica/UFRJ
Pesquisadora do CNPQ nível 1 C
Presidente da Associação Núcleo Sephora de pesquisa sobre o
moderno e o contemporâneo
Psicanalista da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação
Mundial de Psicanálise
taniacs@openlink.com.br
Mais
uma vez, um movimento enérgico e surpreendente cresce sob a
batuta de Jacques Alain Miller. Como se não bastasse o fôlego
demonstrado ao longo do oitavo número do Le
Nouvel l’Âne, um evento multidisciplinar atraiu 1300
pessoas ao Palácio da Mutualité. Um esforço gigantesco para
reagir à política avaliadora que cresce e devora um grande
numero de segmentos sociais. A distribuição de verbas para a saúde
e a educação dependem cada vez menos da qualidade dos programas
nessas áreas e cada vez mais da produtividade, avaliada
quantitativamente, dos serviços públicos.
Que
política é essa e que civilização estamos construindo? Um
debate corajoso reuniu psicanalistas, sociólogos, historiadores,
políticos, poetas e filósofos. Não tardaremos a ouvir os ecos
desse grande encontro.
Fui
surpreendida, de improviso, durante esse encontro por um convite
de Jacques-Alain Miller para que falasse do sistema de avaliação
das pós-graduações e da pesquisa no Brasil. O pequeno texto que
se segue contém as afirmações que constaram da minha intervenção.
Acredito que os colegas da EBP possam ter interesse em conhecê-las.
A
avaliação da produtividade das pós-graduações e dos
professores - que nelas dirigem as pesquisas de nível de mestrado
e de doutorado – caiu sobre nós, há quase vinte anos, como um
pesadelo.
A
mentalidade avaliacionista nascente nos transformou, do dia para a
noite, em objetos de observação permanente, regulada, distintiva
e quantificadora. Quem nos avalia? O Estado? As autoridades? Não.
No Brasil nos somos avaliados por nós mesmos, na qualidade de
professores de pós-graduação e de pesquisadores. Como já havia
dito Jacques-Alain Miller, em seu artigo “O homem sem
qualidades”1, nós somos convidados a funcionar como
indivíduos coletivos. Ensinamos, pesquisamos, nos organizamos em
grupos, verdadeiras comunidades de auto-avaliação como: refferees,
peer groups, em comitês de ética e outros comitês ditos científicos,
onde participam a maior parte, senão todos e cada um de nós.
Sobretudo, somos submetidos à nossa própria expertise.
Antes que seja questão de qualidade ou de valor científico,
é preciso que nos coloquemos de acordo sobre os padrões válidos
para cada área do conhecimento.
As
agências de avaliação no Brasil – Coordenação de Aperfeiçoamento
de Professores do Ensino Superior e Conselho Nacional de Pesquisa
– e também, muitos professores e pesquisadores, acreditam que o
sistema de avaliação é a realização de uma utopia democrática.
Avalie-se, você mesmo!
Por
quê? Fomos submetidos, em nosso passado recente às privações
de liberdade da ditadura. O medo do autoritarismo empurrou a
comunidade universitária na direção de constituir comitês de
avaliação. Graças ao fantasma do autoritarismo, a mentalidade
avaliacionista se impôs, não sem resistência mas,
principalmente, porque não encontramos outra saída entre a
mentalidade autoritária e o Outro que não existe.
Não
existe mais, entre nós, um Grande Pai. Recaiu sobre nós a
responsabilidade de distribuir o investimento do Estado na educação
e na pesquisa científica. Não há um critério único imposto de
cima para baixo.
Quanto
a nós, psicanalistas, professores e pesquisadores, que exercemos
nosso ofício em programas de pós-graduação stricto
sensu, tivemos muita dificuldade de acompanhar esse longo
processo. Tardamos em compreender e em aprender a viver nesse
universo administrativo.
Em
contrapartida, nós somos muito numerosos na universidade. Para
preservar nosso espaço e aumentá-lo um pouco mais, nos dobramos
à regra fundamental do sistema: não deve haver professor na
universidade sem mestrado e doutorado.
Muitos
dentre nós obtiveram seus diplomas no Departamento de Psicanálise
de Paris, fundado por Jacques Lacan e dirigido por Jacques-Alain
Miller. Atualmente estamos reunidos em torno de uma proposta para
fazer parte da Associação de pós-graduação e pesquisa em
psicologia. Trata-se, nessa associação, de defender nossa
disciplina para que ela não seja avaliada com critérios
desenvolvidos no campo das ciências duras. A orientação
lacaniana se fará representar por um grupo de trabalho que
desenvolverá o seguinte tema: “Inovações no ensino e na
pesquisa em psicanálise pura e aplicada”. Nós desejamos
incluir os significantes lacanianos no Outro da avaliação no
Brasil.
Nota:
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Originalmente
publicado na Revue de La
Cause Freudienne
com o título de “L’ère
de l’homme sans qualités”. Tradução publicada na
Revista aSEPHallus,
Ano I, n. 1. Disponível na Web em <http://www.nucleosephora.com/asephallus/numero_01/traducao.htm>.
Texto
recebido em: 11/02/2008.
Aprovado
em: 18/04/2008.
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