Família
e casal: arranjos e demandas contemporâneas,
coordenado pela professora Terezinha Féres-Carneiro apresenta
os resultados de pesquisas universitárias desenvolvidas pelos
membros do Grupo de trabalho “Casal e família: Estudos
Psicossociais e Psicoterapia”, na Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP). O livro é
constituído por 16 artigos escritos por 15 docentes -
pesquisadores que atuam em dez universidades brasileiras e um
professor visitante da Universidade de Paris V.
No
que diz respeito aos impasses experimentados pelas famílias em
função das demandas contemporâneas, estes trabalhos compõem
uma publicação de importância significativa para a produção
brasileira na área de estudos de família e casal na medida em
que desenvolvem investigações que não dispensam os contextos
sociais e clínicos nas abordagens sistêmicas e psicanalíticas
apresentadas. Temas como: as transformações na família, a
tarefa de educar, os impasses da meia-idade, relações
familiares, função paterna e poder judiciário, avós
precoces, dentre outros, são abordados, traduzindo não apenas
os dilemas enfrentados pela população brasileira na
contemporaneidade, mas também as novas demandas que intimam os
psicanalistas a repensarem a própria técnica da psicanálise.
Afinal de contas, o que seria psicanalisar diante dos novos
arranjos familiares?
Dentre
os artigos que compõem este livro, destacaremos aqueles que de
alguma maneira discutem questões relativas ao tema da Revista aSEPHallus
número 4.
O
trabalho de Maria Consuêlo Passos (2003) apresenta uma análise
crítica das atribuições que pesam sobre as famílias nos
tempos atuais. Em seu artigo “A família não é mais aquela:
alguns indicadores para pensar suas transformações”,
a pesquisadora destaca a velocidade com que as famílias vêm
se transformando e expandindo suas possibilidades de relações
internas e de mediação com o contexto social (p. 15). Segundo
ela, a velocidade destas mudanças tem promovido formas
distintas de conflitos entre os membros familiares e destes com
os demais grupos sociais (p. 15). Maria Consuêlo Passos
considera necessário sistematizar os deslocamentos que a família
tem sofrido do ponto de vista das funções e dos lugares de
cada sujeito no grupo como um todo ou nas suas parcerias (p.
15).
Dentre
as questões que a autora discute, destacamos os efeitos destes
deslocamentos das funções e dos lugares no seio familiar sobre
a criança. De acordo com a pesquisadora, um sinal importante da
precariedade experimentada pela família na atualidade pode ser
verificado no fato de as crianças não possuírem as
referências de um outro a quem possam se submeter e assim
potencializarem seus recursos de subjetivação (p. 23). A
pesquisadora ressalta ainda que, diante desta realidade, resta a
estas crianças o esforço
de demandar, no limite de suas possibilidades, um outro a quem
possam filiar-se e submeter-se, condição paradoxal, mas
indispensável à inserção no universo da cultura (p. 23).
Nesta
mesma perspectiva a pesquisadora Adriana Wagner (2003) apresenta
em seu artigo algumas reflexões a respeito das famílias
tradicionais frente a demandas modernas, procurando destacar os
dilemas referentes à educação dos filhos na atualidade em função
das mudanças contextuais que a família contemporânea vem
sofrendo. Segundo ela, a família passa por um momento de perda
de referenciais, uma vez que os modelos recebidos de gerações anteriores parecem estar obsoletos, ao mesmo tempo em que carecemos de novas estratégias e padrões educativos que, de certa
forma, resultem eficazes (p. 27). A autora considera que na
busca de novas alternativas, muitas vezes encontramos velhos
padrões com roupagem nova (p. 27), o que torna a educação
ineficaz, uma vez que os pais não adaptam suas experiências às
necessidades atuais de seus filhos (p. 8).
Dentre
as instâncias que são chamadas a responder no lugar das famílias
contemporâneas, a pesquisadora Lídia Levy (2003) destaca a
crescente busca dos pais pelo poder judiciário em relação à
educação de seus filhos. Assuntos que antes se limitavam à
esfera privada da família, hoje são endereçadas a um juiz
para que este oriente os pais na educação dos filhos.
Segundo
a pesquisadora, esta substituição da figura paterna pelo poder
judiciário não é nova. Hurstel (Hurstel,
1999, apud Levy, 2003, p.35)
já havia descrito as transformações da paternidade, apontando
justamente para o declínio do poder social e familiar a partir
do século XVII, quando o pátrio poder absoluto e natural é
questionado. A instituição
familiar patriarcal sofre mais um golpe quando, no início do século
XX, médicos, psicólogos, assistentes sociais e educativos
passam a auxiliar o poder judiciário na tarefa de vigiar as famílias.
Segundo Hurstel, diante dos magistrados o pai já não tem mais
o poder absoluto (Levy, 2003, p.36).
A
saída apontada para este impasse descrito por Lídia Levy
estaria na realização de um trabalho que pudesse ajudar pais e
responsáveis na recuperação de suas competências familiares
(p.44).
A
professora Terezinha Féres, coordenadora do livro, respondeu
gentilmente ao nosso convite de apresentar algumas considerações
a mais sobre o tema em exame. Eis as perguntas que nós
formulamos e as repostas que ela nos concedeu.
Marcela
Decourt: Há
mudanças na estrutura das famílias nos dias de hoje ? A que
você as atribui?
Terezinha
Féres Carneiro:
Com certeza. As famílias hoje se apresentam com múltiplas
configurações: famílias nucleares, separadas, recasadas,
monoparentais, homoparentais, dentre outras. Tais configurações
são decorrentes de transformações sociais mais amplas e do
processo acelerado de mudança nas concepções de conjugalidade
e parentalidade.
Estas
mudanças afetaram de forma diferenciada homens, mulheres e
crianças? Quem ganhou e quem perdeu com isso? Dá para fazer um
balanço?
Estas
mudanças afetam a todos, embora, na minha percepção, as
mulheres estejam mais mobilizadas do que os homens frente a
elas, expressando seus conflitos e lidando com eles de forma
mais aberta. Não sei se daria para falar em perdas para uns e
ganhos para outros, mas a possibilidade de transformação quase
sempre pode trazer benefícios para os que se dispõem a mudar.
Quanto às crianças, os novos arranjos familiares acabam por
torná-las mais flexíveis e criativas.
O
que é ser filho, pai ou mãe nos dias de hoje? Esses lugares na
estrutura familiar foram redefinidos?
Estes
lugares na estrutura familiar estão hoje com uma demarcação
menos clara, sofrendo constantes redefinições.
Que
funções tinha a família tradicional (antes dos anos 50/60) e
a família atual? Como se distribui a função de educar,
socializar, dar limites, normas e regras, transmitir hábitos,
valores e um modo de inserção na comunidade entre a família e
outras instituições?
Na
família tradicional, os papéis, as regras, os limites, a
transmissão de hábitos e valores eram muito mais rígidos. Na
família contemporânea, a educação dos filhos tem sido muito
mais delegada à escola e aos meios de comunicação, e os
cuidados aos especialistas. Eu diria que os filhos estão
precisando ser mais vistos pelos pais cuja função junto a eles
é insubstituível.
Você
é contra ou a favor da tese de que existe um declínio da
autoridade paterna na família? É possível educar por meio de
relações simplesmente igualitárias entre pais e filhos?
Podemos
até dizer que estamos assistindo a um declínio da autoridade
paterna. Mas, sem dúvida, os pais e as mães estão hoje com
muita dificuldade de exercer sua necessária autoridade. A família
não é um grupo de iguais. Querendo que a família seja democrática,
os pais confundem autoritarismo com autoridade. A família
precisa ser hierarquizada pois os filhos, para se desenvolveram
de forma saudável, necessitam da autoridade parental.
Você
acha que as pessoas hoje dão menos importância à diferença
sexual e geracional? Isso afeta os novos arranjos conjugais e
parentais ? Como as crianças e adolescentes reagem às famílias
recompostas, monoparentais e até homoparentais?
Sem
dúvida, as diferenças de gênero e de gerações são hoje
muito mais fluidas e isto afeta as configurações familiares.
As crianças e os adolescentes têm muito mais recursos do que
podemos imaginar para assimilar tais mudanças e, em geral,
reagem muito bem aos novos arranjos da família.
Há
uma relação clara, na sua longa experiência clínica, entre
os novos arranjos conjugais e parentais e os novos sintomas
infantis?
Os
sintomas infantis do passado e da atualidade me parecem muito
mais relacionados ao modo como o casal conjugal e o casal
parental promovem, ou não, a saúde emocional na dinâmica
familiar, do que aos novos arranjos.
De
acordo com a sua experiência clínica, você diria que a família,
os casais e a infância contemporâneas, cada uma delas, padece
de que novos sintomas? Do que se queixam? O que se pode fazer?
Eu
diria que os casais se queixam sobretudo de um desencontro de
ritmos e desejos: as mulheres se questionando mais, buscando
mais mudanças, e considerando mais a possibilidade de ruptura
da relação, e os homens mais acomodados, buscando evitar
conflitos e, na maior parte dos casos, querendo manter a relação
conjugal mesmo quando estão insatisfeitos. Na família, os pais
parecem se sentir impotentes e confusos em relação ao uso de
sua autoridade, e os filhos parecem estar onerados com as conseqüências
de uma pseudo autonomia e de um excesso de expectativas em relação
às múltiplas competências que devem demonstrar.
Texto
recebido em: 04/09/2006.
Aprovado
em: 28/12/2006.
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