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O livro
de Jenny Aubry, intitulado Psicanálise
de crianças separadas,
é uma coletânea de textos desta autora feita por sua filha, a
também psicanalista Elizabeth Roudinesco.
Jenny
Aubry além de psicanalista era também médica, razão pela
qual ela nunca deixou de lado essa perspectiva na abordagem das
afecções psíquicas infantis, o que muito influenciou em sua
escuta analítica.
Essa
chave de leitura dos sintomas será conservada durante todo o
seu percurso profissional e, a essa primeira abordagem clínica
será acrescentada, paulatinamente, a leitura psicanalítica do
adoecer. Em seus artigos, ela se
dedica a questionar se um médico pode ser um analista. Ela se
pergunta quais as diferenças e aproximações entre a psicanálise
e a medicina. A autora acredita que um médico precisa abrir mão
de sua condição de médico para se tornar um analista. No
entanto, ela assinala que será seu diploma de médico que abrirá
as portas das instituições para que ali ele possa exercer a clínica
psicanalítica.
Ela
é levada a buscar o campo de saber da psicanálise para
entender melhor as crianças gravemente desamparadas, tratadas
no dispensário Parent de Rosan. Em 1946, Jenny Aubry é
nomeada chefe do serviço de pediatria do Hospital Ambroisé Paré,
em Boulogne (França), que teve suas instalações destruídas
pela guerra, o que levou toda a equipe a se deslocar para o
dispensário Parent de Rosan, onde estavam alojadas crianças
com menos de três anos de idade em situação grave de
desamparo. É a partir dessa experiência que a autora se dedica
a examinar as conseqüências psíquicas da perda parental na
vida daquelas crianças.
No
ano de 1964, ela se torna membro fundador da École Freudienne
de Paris, aproximando-se ainda mais da psicanálise de Lacan e
dos membros da EFP, e passa a ter um papel importante na difusão
da psicanálise, principalmente na região mediterrânea da França.
Nos
artigos reunidos nessa coletânea, a autora trabalha as conseqüências
físicas e psíquicas da separação das crianças de suas mães.
Ela classifica essas conseqüências segundo o tipo de perda
sofrida, se por morte ou abandono, e conforme a idade da criança
no momento da perda, perguntando-se quais as saídas possíveis
para tal desastre.
Ela
defende a tese de que a carência grave de cuidados maternos
pode levar a distúrbios mentais, sendo os casos mais
preocupantes aqueles ocorridos na primeira infância. A autora
elenca alguns destes distúrbios, tais como: distúrbios
reacionais à base de inibição ou agressividade, paradas de
desenvolvimento e retardamento psicomotor, neurose obsessiva,
demência de tipo autístico e até psicose. Jenny Aubry
acrescenta ainda, a partir de sua constatação clínica dos
exames destas crianças, distúrbios psicomotores graves, doenças
psicossomáticas e delinqüência. Todos esses sintomas dependem
do tipo de perda e da idade da criança quando ocorreu a perda
da mãe, já que ela acredita que a estrutura psíquica se
organiza a partir dos cuidados maternos que uma criança recebe.
É
o caso, por exemplo, de Robert, um caso tão difundido por
Rosine Lefort, que ficou conhecido como “a criança e o
lobo”, que é trabalhado neste livro. Trata-se da história de
um menino nascido de pai desconhecido e de uma mãe que o
deixava passar fome e o destruía, segundo a autora. Ele passa
seus seis primeiros meses de vida com esta mãe e a partir de
uma desnutrição grave deste bebê, esta mãe é convencida a
interná-lo em um hospital.
Assim,
ele percorre quinze instituições entre berçários e hospitais
até chegar em Parent de Rosam, quando começa seu tratamento
com Rosine Lefort. Ele porta afecções orgânicas importantes e
distúrbios psíquicos que o fazem deslizar para a psicose.
Depois de tantas privações, perdas e separações, esta criança
tornou-se um ser em pedaços, o que nunca o deixou constituir-se
como sujeito, levando-o a mergulhar num movimento caótico em
direção à psicose.
A
autora, além de elencar uma gama importante de referências
bibliográficas no assunto, tanto no campo da psiquiatria quanto
no campo da psicanálise, avalia a posição dos diversos
estudiosos, colocando seus artigos em debate. Dentre eles, ela dá
uma importância capital ao apontamento feito por Jacques Lacan
da criança como sintoma do casal parental. Formulação esta
que se encontra mais detalhada no próprio texto do autor,
intitulado “Note sur l’enfant”, que pode ser encontrado no
livro de Lacan, Autres Écrits.
Jenny
Aubry exemplifica esta formulação com o caso, dentre outros,
do pequeno Armand, que nasce dias depois da morte de seu tio
materno. Sua mãe, então, recorre a um procedimento habitual na
França. Ela dá ao filho, entre seus três nomes, o deste tio,
nome pelo qual ele passa a ser tratado por toda a família. No
entanto, Armad se recusa a representar o morto, passando assim,
a assumir uma posição destruidora sobre todos à sua volta.
Com esse caso, ela mostra como o filho toma lugar nas fantasias
dos pais oriundas de experiências passadas. Por isso, escreve a
autora, é que o desejo inconsciente dos pais sempre está
presente no diálogo entre pais e filhos, seja qual for o nível
da comunicação.
O
leitor de Psicanálise de crianças separadas vai se
surpreender com a variedade de textos que apresentam uma
perspectiva singular, entre a psiquiatria e a psicanálise, e
que se dedicam a uma avaliação clínica bastante rica dos
correlatos orgânicos das perdas sofridas pelas crianças e suas
conseqüências no funcionamento psíquico de cada uma. Ela
questiona profundamente as possibilidades melhores ou piores de
solução para tantos estragos.
Podemos
perceber esse dilema nos casos relatados nestes textos, mas,
sobretudo em “Experiências de um encaminhamento familiar
curativo” em que o somatório de tantos fatores como a perda
por morte ou abandono da mãe, a carência de cuidados maternos
e a institucionalização destes bebês, em hospitais e berçários,
coloca em risco sua sanidade mental e a possibilidade de uma boa
solução.
Jenny
Aubry, entretanto, acredita que quando um bebê teve a
oportunidade de ficar os primeiros meses com sua mãe e,
posteriormente, quando da separação teve a sorte de encontrar
uma ama ou uma família substituta que efetivamente o acolhesse
juntamente com um tratamento psicanalítico para ele, as
possibilidades de solução deste desequilíbrio na vida desta
criança aumentam consideravelmente.
O
valor de sua perspectiva é nos levar a questionar os excessos
de uma ambição terapêutica, politicamente correta, que nos
leva a desprezar, muitas vezes, a dimensão do irreparável em
jogo no abandono de crianças de tenra idade.
Texto
recebido em: 03/10/2006.
Aprovado
em: 23/01/2007.
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