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Nestes
dias em que se discute intensamente sobre a questão da maioridade
penal, parece essencial que se procure melhor entender as diversas
causas que favorecem a ocorrência do ato infracional. Trabalhar
na prevenção é a solução inteligente.
Inúmeras
pesquisas demonstram um elenco de causas que, patologias à parte,
impelem o jovem à ilicitude. Sem que cometamos a preconceituosa
assertiva de ser pobreza sinônimo de criminalidade, fato é que
as precárias condições de vida – morais e materiais - da
esmagadora maioria da população brasileira resultam num caldo de
cultura que favorece a emergência de atos ilícitos.
Neste
contexto, destaca-se, sobremaneira, a desagregação familiar, em
muitos casos alimentada pelos elementos de carência social já
realçados. Sabido é que o desemprego anda pari passu com a depressão, com a dependência química e,
sobretudo, com o alcoolismo. Daí resultam, inevitavelmente, maus
tratos e abusos contra mulheres e crianças por parte do provedor
frustrado, que se vê desorientado e sem perspectivas. Famílias
nessa condição não duram muito. Filhos criados nesse ambiente
familiar entram no plano inclinado da infração penal.
Não
se pense que a desestruturação familiar atinge somente as famílias
em estado de pobreza. Famílias de classe média também são
alcançadas pelas conseqüências do desemprego estrutural e,
muitas vezes, pela crise de identidade entre o casal, que acontece
quando há possibilidade de trabalho somente para a mulher. Poucas
famílias sobrevivem, incólumes, a tal circunstância.
É
óbvio que a liberalização dos costumes também é fator de
contribuição para o quadro de desagregação familiar. Com a lei
do divórcio, com a maior facilidade para o reconhecimento e
desfazimento das uniões informais e, sobretudo, mais
recentemente, com a novidade que permite a formalização da
separação pela simples via do registro cartorário, ficou menos
onerosa e mais fácil a dissolução da sociedade conjugal.
Registre-se,
ainda, outro fator para que o desequilíbrio emocional dos filhos
torne-se cada vez mais grave: o incremento da gravidez precoce.
Filhos de adolescentes dificilmente contarão com estrutura
familiar adequada.
Pergunta-se:
a separação do casal ou a família mono-parental pode contribuir
para a prática de atos infracionais pelos filhos? A resposta,
lamentável e preocupante, é positiva. A nossa larga experiência
na jurisdição infanto-juvenil demonstra esta realidade. Também
o fazem os números de diversas pesquisas. Levantamento promovido
pelo Juízo da Infância e da Juventude de Porto Velho (RO), com
seus assistidos na área infracional, verifica que 58% deles são
oriundos de famílias com pais separados. A separação dos
genitores também aparece como um dos destacados índices
negativos que caracterizam o perfil do jovem infrator, em
pesquisas promovidas em Uberaba (MG) (2003) e no Estado do Paraná.
Os dados se repetem em Goiânia (GO), onde o levantamento estatístico
de 2004 demonstrou que apenas 23% dos infratores vinham de famílias
compostas de pai e mãe. Em 1994, estudo com os internos do
sistema da Comarca do Rio de Janeiro indicou que 71% eram oriundos
de famílias com pais separados.
Do
ponto de vista psicológico, é notória, portanto, a importância
da família na formação do ser humano saudável e do cidadão
conseqüente. A presença de pai e mãe ou, em sua falta, de quem
bem exerça tais papéis são fatores básicos para que o filho
fortaleça sua identidade, absorvendo parâmetros e significados
que o acompanharão por toda a vida.
As
ciências da mente demonstram a complementaridade essencial dos
papéis dos genitores. A mãe, como elemento central da construção
afetiva do senso de proteção e pertencimento. O pai, como
interceptor estratégico, para que a criança conscientize a
separação entre ela e a mãe, assim constituindo-se em elemento
fundamental na formação da identidade. Portanto, a quebra dessa
estrutura, principalmente se não for bem conduzida, certamente
importará em desequilíbrios de personalidade.
A
ausência da figura paterna, efetiva e afetiva, seja ou não o pai
biológico, é crucial para a crise que corrói a identidade
juvenil. Em recente artigo, Leonardo Boff mencionou ser a questão
um mal dos tempos modernos que explicaria, inclusive, a crise da
autoridade do Estado. Penam as demais instituições na busca de
suprir tal lacuna. A ausência de limites familiares macula a relação
professor-aluno, prejudicando em muito a experiência educativa.
Por vezes, alguma figura externa consegue suprir tal carência,
seja no campo religioso, seja no campo afetivo oferecido por um
amigo mais velho, seja no êxito da intervenção de instituições
de amparo como abrigos ou centros de recuperação. Mas verdade é
que nada supera, como laboratório de formação saudável, a relação
familiar primária e efetiva.
Não
é por acaso que a família merece proteção estatal. Sob o manto
constitucional, esta instituição, antes de tudo afetiva, se
transforma em estrutura jurídica, legalmente amparada.
Consignou o Constituinte: “A
família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”
(art. 226-CF/88). Diz o ECA, em seu artigo 19: “toda
criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio
da sua família e, excepcionalmente, em família substituta
(...)”.
Recorde-se
de que a evolução histórica do pátrio poder produziu uma
consciência de ser ele um poder-dever partilhado. Tanto assim que
hoje melhor se expressa na locução “poder familiar”. Pais e
mães podem muito, já que “os filhos
estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores” (art. 1630
do Código Civil), devendo “dirigir-lhes a educação” e
“exigir que lhes prestem obediência, respeito e serviços próprios
da sua idade e condição” (incisos I e VII do art. citado). Mas
não podem tudo e são muitas suas inafastáveis obrigações:
guardar, criar, educar e prover (art. 22 do ECA). Aos pais
incumbe, em primeiro lugar, o cumprimento das prescrições do
ECA. São-lhes vedadas “negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão” em relação aos filhos (art.
5º do ECA) . E o descumprimento desses deveres, oriundos do poder
familiar, pode ser sancionado conforme o Art. 249 do mesmo diploma
legal.
Não
se conclui que seja exigido dos pais que se mantenham numa relação
conjugal falida, sacrificando a possibilidade de felicidade em
caminho alternativo. Até porque há verdadeiros infernos sócio-afetivos
que se intitulam famílias apenas porque assim o são formalmente.
Mas é necessário maior prudência e maturidade na formação da
família. Numa sociedade estimulada pelo impulso hedonista, a
constituição de relacionamentos fugazes tem sido uma constante.
É preciso lutar contra essa vulgarização e banalização da família,
principalmente, ante a decisão de ter filhos.
E,
em caso de separação dos genitores, devem todos lembrar a ordem
constitucional de prioridade absoluta devida à criança e ao
adolescente. Se uniões conjugais se fazem, é natural que delas
decorra a descendência. Mesmo que nisso não se pense nos
gloriosos momentos da paixão inicial, é a tal conseqüência que
a vivência do casal conduzirá. Responsabilidade em cada passo,
inclusive no sentido de evitar a gravidez indesejada, é essencial
para inibir problemas futuros. E, havendo filhos, estes são a
prioridade, nas leis e na Constituição, para o Estado
Brasileiro. Devem sê-lo para os pais.
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