Isepol - Instituto Sephora de Ensino e Pesquisa de Orientação Lacaniana

A CONCEPÇÃO PSICANALÍTICA DE SINTOMA

A CONCEPÇÃO PSICANALÍTICA DE SINTOMA

Rosa Guedes Lopes

Os estudos pioneiros que caracterizaram a psicanálise enquanto método investigativo dos processos inconscientes, bem como enquanto método para tratamento dos distúrbios neuróticos, partiram da pesquisa médica dos fenômenos histéricos, definidos como resultantes de modificações fisiológicas do sistema nervoso. Apesar de possuírem um quadro clínico bastante definido e circunscrito - fato que permitia à medicina descrever a presença desse conjunto sintomatológico como signo da chamada "grande histeria" -, os distúrbios histéricos excluíam qualquer suspeita de lesão orgânica e não representavam, de modo algum, uma cópia das condições anatômicas do sistema nervoso (Freud, 1888).
Além da exaustiva descrição dos fenômenos físicos pelos quais se apresentavam os casos de histeria - conversões, paralisias, tosses, vômitos, etc. -, também foram isoladas algumas observações sobre distúrbios de natureza psíquica representados por "alterações no curso e na associação de idéias, inibições da atividade e da vontade, exagero, supressão dos sentimentos, etc." e resumidos como "alterações da distribuição normal, no sistema nervoso, das quantidades estáveis de excitação". Outra observação não menos importante era a necessidade de se admitir que "as condições relacionadas funcionalmente à vida sexual desempenham importante papel na etiologia da histeria", bem como na etiologia de todas as neuroses, em função da "elevada significação psíquica dessa função" (Id., 1888).
Pelo fato dos sintomas histéricos serem vistos pela medicina como resíduos de alterações neurológicas, seu tratamento consistia em manipulações por meio de choques elétricos, hidroterapia, massagens, internações em clínicas de repouso, além de tentativas de "melhorar o sangue por meio de arsenicais e medicação ferrosa". No entanto, tratar os sintomas isoladamente não trazia qualquer perspectiva de êxito. Os fundamentos racionais pareciam inexistir para esse tipo de distúrbio. Eles ou reapareciam ou eram substituídos por outros, novos, o que levava tanto o médico quanto o paciente à exaustão (Id., 1888). Os sintomas, enquanto fenômenos davam-se a ver ao olhar do clínico, mas escapavam a qualquer tentativa de compreensão pela via da consciência. Para tratar diretamente os sintomas histéricos era preciso buscar suas causas na vida ideativa inconsciente. Conceber algo que fosse psíquico, mas que não fosse consciente era descabível para os que foram formados no campo filosófico.
As primeiras tentativas de lidar com essas causas inconscientes utilizaram a hipnose como recurso. Por meio da sugestão chegava-se às idéias aflitivas que eram, então, ab-reagidas e, desse modo, os distúrbios pareciam poder ser removidos. Sob hipnose, os primeiros investigadores, juntamente com Freud, tentavam remontar a pré-história da doença para conhecerem o fato psíquico que dava origem àquele tipo de distúrbio. Observou-se, como característica geral, a facilidade com que os conteúdos da consciência se dissociavam temporariamente ficando privados de serem ab-reagidos por meio de associações e como alguns complexos de idéias facilmente se desgarravam quando não estavam em firme conexão associativa, ficando refratários a qualquer atividade de pensamento (Id., 1895). A observação dos ataques histéricos fornecia um elemento constante (através deles havia um retorno a estados psíquicos traumáticos já experimentados anteriormente) e também o conteúdo desses traumas (uma lembrança inconsciente).
A patologia histérica implicava uma cisão psíquica e Freud admitia que a eficácia patológica encontrava-se sujeitada a uma condição: a lembrança ligada ao trauma ficava sob o domínio do inconsciente e era intolerável para o eu, provocando nele um esforço para defender-se da divisão psíquica. A histeria resultava, portanto, de um fracasso dos esforços do aparelho psíquico em suturar a fenda que fazia com que o eu não se sentisse uma unidade. Os sintomas histéricos eram respostas defensivas à dissociação psíquica.
Diferentemente da clínica médica, os sintomas, no lugar de serem um problema, se apresentavam na clínica psicanalítica como solução. Eles ofereciam uma solução para um conflito psíquico, uma vez que substituíam-nos através de uma formação de compromisso. O sintoma compatibilizava a realização do desejo inconsciente com o desejo do pré-consciente, pois mantinha afastada do eu a totalidade da idéia incompatível através de um desligamento do mundo externo. O sintoma era produto de uma operação de repressão que retirava de circulação uma idéia intolerável porque ligada ao trauma e a substituía por outra que se ligava a ela por deslocamento, através de associações por simultaneidade.
A estrutura do sintoma se mostrou, basicamente, como estrutura de substituição que impedia o acesso de algo intolerável a uma posição de primeiro plano na consciência. Tal estrutura revelou os representantes pulsionais originais como irremediavelmente perdidos, só sendo conhecidos através de seus substitutos. Algo se sobrepunha no lugar de uma idéia que foi reprimida, algo que tinha uma relação - de compromisso - com o trauma. O reprimido era, inicialmente para Freud, o protótipo do inconsciente.
Da noção de trauma à fantasia
Através dos relatos das pacientes histéricas Freud percebeu que, em sua maioria, elas haviam sofrido algum tipo de trauma de origem sexual praticado pelo progenitor do sexo oposto. Durante algum tempo, sustentou a teoria da etiologia traumática das neuroses até desacreditá-la por completo sob pena de ter que afirmar que "em todos os casos, o pai, não excluindo o meu [o do próprio Freud], tinha de ser apontado como pervertido" (1892). Diante da descoberta comprovada de que "no inconsciente não há indicações de realidade" (1895), passou da teoria da sedução à teoria da fantasia. A realidade humana é psíquica. Ela é construída através de um trabalho do aparelho psíquico e seu enredo se serve do mito edípico como tema universal ao redor do qual se estrutura o que tange ao desejo humano. Freud vislumbrou no mito grego a possibilidade de descrever, através dele, algo que atinge a todo o humano e que concerne ao desejo infantil inconsciente: sua articulação com a Lei, que lhe possibilita vias alternativas para guiar a busca por objetos substitutos. Alcançar a satisfação proibida porque incestuosa se constitui, a posteriori, como o que estrutura o desejo humano ao redor do complexo parental. O Édipo nomeava a dimensão conflitiva que faltava ao cenário teórico em desenvolvimento.
Na doutrina freudiana, a constituição sexual das neuroses foi sendo privilegiada em detrimento da sua disposição neuropática geral. Os sintomas neuróticos possuem etiologia sexual e a noção de sexualidade para Freud nunca coincidiu com a de genitalidade. Em seu texto de 1905, "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", ele descreveu os múltiplos aspectos da constituição sexual, bem como a composição da pulsão sexual propriamente dita, originária de diversas fontes orgânicas.
Freud observou que as histórias sexuais infantis narradas pelas pacientes histéricas não se diferenciavam das narradas pelos outros neuróticos e também que, para ambos, o papel da sedução era idêntico. O que distinguia um caso de outro e que passou, então, a importar para um diagnóstico diferencial, era saber qual o destino dado às excitações sexuais experimentadas na infância - elas haviam ou não sucumbido a um processo de esquecimento através do mecanismo da repressão?
Realização de desejo e satisfação pulsional
Os estudos freudianos sobre a histeria foram sucedidos pela experiência analítica com a neurose obsessiva à qual se somaram as questões brotadas dos impasses teóricos que haviam ficado pelo caminho. Em 1900, por exemplo, no cenário da "Interpretação de sonhos" que veiculava a tese do sonho como realização de um desejo inconsciente, Freud havia passado por cima da questão apresentada pelos sonhos de angústia: como eles poderiam ser uma realização de desejo inconsciente? Ele saiu do impasse afirmando que o processo onírico tinha permissão para começar como realização de um desejo inconsciente mas, se essa tentativa ameaçasse violentamente o pré-consciente, o sonho deixaria de lado sua tarefa de guardião do sono e seria interrompido, sendo substituído por um estado de completa vigília. A interrupção não contradiria a tese em questão porque o despertar acionaria a atenção, mecanismo regulador contra o qual o sonho se insurgiu como perturbador do sono, comprovando a tese: o sonho de angustia seria a realização franca de um desejo reprimido, repudiado.
No entanto, vinte anos depois, os atos compulsivos observados nas obsessões, a presença das neuroses traumáticas e o surgimento da face hostil da transferência através das reações terapêuticas negativas, obrigaram Freud a reformular as bases teóricas da psicanálise. Algumas interrogações se fizeram presentes: se o Príncipio do Prazer é o princípio do prazer possível, um prazer menor, porque os sujeitos não se adequam à sua lei? Porque eles se aferram aos seus sintomas? De que o aparelho psíquico não abre mão quando não se rende ao princípio do prazer?
A realização do desejo inconsciente, através das formações de compromisso, promovia um modo de satisfação que se confundia com a cifração e que se oferecia como enigma à interpretação, sempre parcial, vez que se tratava de processos substitutivos. Por essa via, a satisfação encontrada se mostrava sempre diferente em relação à satisfação buscada. No entanto, para além do recalque do desejo incestuoso, Freud descobre a força da pulsão através de sua exigência cega por satisfação, enquanto pulsão de morte. Segundo Lacan, pela via da exigência pulsional, o desejo inconsciente se mostrava diferente daquilo que parecia ser. A ótica do "além" do princípio do prazer, inaugurada por Freud em 1920, situava o desejo realmente para além de qualquer ciclo instintual que pudesse ser definido por suas condições (Lacan, 1954-5:285, 288).
Na neurose obsessiva, tal como na histeria, Freud verificou a existência de pensamentos recalcados que não podiam ser reconhecidos pelo sujeito. Mas, se na histeria se verificava uma satisfação no que se referia ao desejo inconsciente, sempre realizado como falta-a-ser, o sintoma compulsivo mostrava mais claramente um outro tipo de satisfação, insuportável, excessiva, pela qual o sujeito se auto-recriminava.
Em 1915, Freud conceituou a pulsão situando-a na "fronteira entre o mental e o somático, enquanto o representante psíquico dos estímulos que se originam dentro do organismo e alcançam a mente, como uma medida da exigência feita à mente no sentido de trabalhar em conseqüência de sua ligação com o corpo". O trabalho que a pulsão exige ao aparelho psíquico é o de satisfazê-la, atrelando-a aos representantes, sempre substitutos, dos objetos primordiais da satisfação. Ora, esses objetos estão perdidos e o que resta deles são apenas traços de memória que os representam parcialmente. Portanto, era preciso distinguir a pulsão de seu modo de aparecimento no aparelho psíquico, modo governado pelo princípio do prazer que visa a homeostase. Não há compatibilidade do corpo vivo com a satisfação total. A satisfação da pulsão não se dá somente através do princípio do prazer, ela se satisfaz também com os processos mentais desligados. Além do princípio do prazer está a primazia do retorno ao inanimado que compele o organismo à repetição. Se não existe a compatibilidade do vivo com a satisfação plena, o organismo trabalha na produção de outra coisa, uma novidade, o gozo com a falta, que Lacan denominou mais-de-gozar. Trata-se do que Freud chamou compulsão à repetição de um mesmo fracasso: falta representação para o ser, para a morte, para o sexo feminino, falta a possibilidade de que a máquina simbólica inclua todo o vivo, condenando o sujeito a se apresentar sempre dividido entre dois significantes - $, como o conceituou Lacan (1954-55:86-102). O sintoma, enquanto mais-de-gozar, isto é, um gozo com a falta, vem no lugar de algo (a pulsão) que exige satisfação.
Tal descoberta permite que Freud estenda essa novidade para o campo das neuroses em geral: a teoria do levantamento do recalque já não atende mais ao tratamento das neuroses. O sujeito não se satisfaz na homeostase, uma vez que algo do sintoma se deve à irrupção do campo da pulsão e se apresenta como solução porque oferece uma satisfação própria, ainda que desprazerosa para o sujeito. A satisfação, portanto, não tem relação somente com o prazer, com a homeostase, mas também com a repetição do mesmo: a repetição de um encontro faltoso. Há uma exigência pulsional na estrutura do sintoma e Freud a denominou fixação, dimensão que introduz o fantasma como correlativo do sintoma, cuja versão lacaniana é a de que "o sujeito deseja encontrar um objeto perdido (objeto a), seu próprio corpo vivo, ou [...] um representante pulsional originário" (Coelho dos Santos, 2002a).
Como pensar, então, a perspectiva terapêutica se o próprio sintoma é sinônimo de satisfação apesar de ser, simultaneamente, o que faz o sujeito sofrer? Se há satisfação no sintoma, como "convencer" alguém a se curar? Interpretar o desejo inconsciente com a finalidade de levantar o recalque não era mais suficiente para solucionar o sintoma, isto é, para removê-lo, já que o que se apresentava por meio do sintoma compulsivo bem como pela reação terapêutica negativa não estava referido aos traços de memória inconscientes, mas a uma fruição com a falta desses traços. A partir dessas interrogações não era mais possível reduzir o inconsciente ao recalcado, uma vez que a face pulsional do inconsciente mostrou ser dominante, evidenciando a insuficiência do método por meio da interpretação daquilo que se mostrava estruturado como linguagem.
Distinguindo a satisfação obtida por meio do fantasma daquilo que se apresenta como sofrimento no sintoma, Lacan faz do conceito de gozo o nome daquilo que, ao mesmo tempo, conjuga esses dois fatores revelando "uma satisfação paradoxal, impossível, irreconciliável com as leis do princípio do prazer"(Coelho dos Santos, 2002a).
Em 1937, no texto "Construções em análise", Freud responde a esse ponto de impasse - ponto ao qual chega em sua obra - introduzindo, do lado do analista, um trabalho a mais além do da interpretação: oferecer ao paciente uma construção para o que se refere aos fragmentos "esquecidos" da sua história primitiva. Ali onde falta memória, ali onde nenhuma lembrança serviria como sustentação a qualquer interpretação, ali onde a satisfação pulsional se fixa, Freud oferece uma saída pela via da construção, isto é, da produção de um saber sobre o irrememorável: a castração.
Freud situa a origem do complexo de castração na diferença anatômica entre os sexos enquanto Lacan a situa na incidência traumática da linguagem (Coelho dos Santos, 2002a) para se referir ao que é da ordem da estrutura: uma marca simbólica não subjetivável. Lacan recupera a explicação filogenética de Freud - pela qual repete-se a história das espécies - através da introdução da estrutura de linguagem. Desse modo, tanto em Freud quanto em Lacan, é possível afirmar a presença do simbólico antes mesmo que haja subjetivação, pela presença de uma marca irrememorável porque impossível de ser subjetivada, à qual a satisfação pulsional se fixa enquanto exigência.
Em todo o seu percurso de estudos sobre a etiologia das psiconeuroses, Freud nunca desmentiu ou abandonou a importância atribuída tanto à sexualidade quanto ao infantilismo, decisão que remonta à sua incansável pesquisa clínica que sempre o convenceu da veracidade desses fatores constitucionais. É por essa via que a teoria do complexo de Édipo sempre se manteve como um dos pilares da psicanálise.
Até 1920, a importância do complexo de Édipo pode ser resumida ao seu aspecto universalizante no que se refere à estruturação do desejo humano enquanto incestuoso. No entanto, a partir dos impasses oriundos da lógica da vida amorosa, Freud vincula definitivamente o complexo de Édipo ao complexo de castração, o que desloca a ênfase dada ao complexo parental para o complexo paterno, donde emerge a dessimetria sexual entre as figuras parentais trazendo a castração para o lugar de operador das diferenças sexual e geracional.
Com a introdução da lógica fálica, o falo é colocado como símbolo da diferença sexual. Sendo a diferença anatômica entre os sexos um destino, ela traz conseqüências sob a forma de uma exigência de elaboração cuja regulação se dá por meio da identificação ao pai (Coelho dos Santos, 2002a). É perante a descoberta da presença ou ausência do falo que meninos e meninas se situam na partilha dos sexos - eles por tê-lo e temer perdê-lo e elas por não tê-lo e, por isso mesmo, reivindicá-lo de algum modo àquele que o tem. A lógica fálica sujeita todos à lei da castração diante da qual a posição de exceção suposta àquele que o tem "implica em exclusão do registro fálico e em não sujeição à lei". Freud funda a lógica fálica a partir do assassinato do pai primitivo através do mito de "Totem e tabu". Enquanto morto, o pai gozador fura a lei universal apresentando-se como o "ao menos um", a exceção que, justamente por isso, funda a regra segundo a qual todo homem nasce submetido à castração (Id., 2001:151).
No texto "Psicologia de grupo e análise do eu", Freud conceituou a identificação como "a mais remota expressão de um laço emocional com outra pessoa" e afirma que esse laço está intimamente ligado à história primitiva do complexo de Édipo. Para ambos os sexos, apresentam-se aí "dois laços psicologicamente distintos: uma catexia de objeto sexual direta para com a mãe e uma identificação com o pai" que é tomado como modelo. Desse modo, a experiência edípica liga-se à escolha do objeto da satisfação e também ao narcisismo no que a identificação ao pai é equivalente à identificação ao falo, característica da fase fálica, na qual só existe um órgão: o falo, masculino (Freud, 1921). A ameaça de castração, portanto, põe em perigo a imagem narcísica da criança identificada ao falo. Ocasiona um abalo na organização genital fálica e precipita destinos diferentes para o menino e para a menina no que se refere ao desfecho edípico.
A relação entre os complexos de Édipo e de castração aprofunda o contraste fundamentalmente dessimétrico entre os dois sexos. Nos meninos, o complexo de Édipo é destruído pelo complexo de castração e nas meninas o drama edípico é introduzido através do complexo de castração. A diferença entre o desenvolvimento sexual dos indivíduos dos sexos masculino e feminino é uma conseqüência inteligível da distinção anatômica entre seus órgãos genitais e da situação psíquica aí envolvida. Corresponde à diferença entre uma castração que teria sido executada e outra que, simplesmente, foi vivida como ameaça. (Freud, 1925:318-9). Para Freud, a função de agente da castração está situada no pai e, para Lacan, ela "se apresenta como Nome da diferença sexual", cuja função promove o predomínio da identificação ao pai, identificação fálica, secundária, masculina, sobre as identificações fundantes da subjetividade. "A identificação ao pai, de acordo com Freud, é o princípio de transmissão das identificações secundárias, isto é, a tradição, os valores morais, os ideais coletivos" (Coelho dos Santos, 2002a).
O vínculo da problemática da castração à problemática edípica no terreno da diferença anatômica entre os sexos permite a Freud afirmar a existência de uma relação particularmente constante entre feminilidade e vida pulsional que foi denominado masoquismo (Freud, 1933:143-4).
A consideração da diferença anatômica sexual entre os sexos na experiência edípica é responsável por apontar uma disjunção entre o feminino - enquanto escolha feita pela menina na partilha dos sexos diante da lógica fálica - e a feminilidade - como posição diretamente ligada à posição masoquista primordial inerente à todos os sujeitos, independentemente de seu sexo. O masculino e o feminino estão referidos à fixação fálica que homens e mulheres sustentam diferentemente em suas posições sexuais e que serve de repúdio à feminilidade, isto é, à sujeição primária do sujeito ao Outro materno, ao lugar primordial de objeto para a qual não existe identificação possível e é sinônimo de angústia para o aparelho psíquico.
"Para Freud, a contemporaneidade da relação mãe/criança [...] é apenas aparente, já que o que a mãe busca recuperar pela criança é o falo, isto é, a metáfora por excelência do objeto que lhe falta. A fonte inconsciente do desejo materno é o desejo do falo, e a criança, por sua vez, é um dos símbolos desse objeto desejado. Freud deixa sem resposta a diferença entre o desejo da mãe (desejo do falo) e o desejo da mulher (para além do falo)" (Coelho dos Santos, 2001:135).
Para Lacan, há uma lógica para além do falo que descortina a posição de exceção feminina não prevista na lógica universal fálica masculina, para a qual a castração é regra para todos os homens. Enquanto a exceção masculina se sustenta pela existência de "ao menos um" não submetido à regra, a exceção feminina aponta a contingência da identificação que contradiz o universal: "nem todo x está sujeito à lógica fálica".
É a partir do Édipo, e não sem ele, que Lacan encaminhará as bases de seu retorno aos textos freudianos, extraindo dos mitos sobre o pai a estrutura do inconsciente como linguagem e identificando a primazia fálica à primazia da máquina simbólica. Formalizando a identificação ao pai pela via da linguagem, Lacan pôde descortinar um caminho que o levará mais além. Segundo Lacan, o pai como metáfora do desejo materno deixa sem nome o desejo da mulher. A falta de nomeação do desejo da mulher pela via paterna encontrou, no avanço do discurso cientifico, o combustível necessário à desvalorização da "função de nomeação do trauma por meio do desejo de um pai encarnado em um homem". Coelho dos Santos (2002a) destaca o individualismo - representação social do sujeito que dispensa a dívida simbólica, o laço com um Outro encarnado e com o Nome da castração - como um dos efeitos mais importantes da cultura contemporânea, efeito responsável por esvaziar o modo tradicional da transmissão da castração - a identificação ao pai - e promover a multiplicação, a pluralização de nomes que conformam os novos sintomas às fontes pulsionais. Nos sintomas contemporâneos, diferentemente das histerias que foram a referência freudiana, a medicina consegue constatar danos corporais associados à etiologia psíquica, danos para os quais não se encontra explicação adequada.
O enfraquecimento da função de nomeação tem tido como conseqüência o surgimento de sintomas resistentes ao tratamento pela palavra - que se manifestam através de ataques mais diretos ao corpo - e o incremento do desligamento do laço social, deixando os sujeitos condenados à degradação física e ao exílio. Se o Nome-do-Pai já não é a metáfora nomeadora da diferença sexual, a subjetivação do corpo sexuado seguirá, portanto, uma lógica predominantemente feminina. A hipótese de Coelho dos Santos (2002a) é a de que os chamados "novos sintomas" são expressão da escrita da diferença sexual ao nível do corpo sem a correlata nomeação.
Por essa via, o sintoma como solução se relaciona agora diretamente à prática sexual dos sujeitos referidos a esse "x" que não se submete à lógica fálica. Para entendermos essa passagem teórica é necessário um percurso pelo conceito lacaniano de sinthoma como equivalente à estrutura, percurso que deixaremos para uma outra ocasião uma vez que ele implica uma inversão de paradigma que precisaria ser demonstrada. Por ora, é importante compreender que a satisfação proporcionada pelo sintoma faz dele um parceiro sexual do sujeito.
O estudo psicanalítico demonstra que o "sinthoma" é difícil de ser levantado porque ele é, em si mesmo, uma solução: para o desejo insatisfeito, para a pulsão e para o desencontro sexual existente entre homens e mulheres. Sob esse aspecto, para Freud, há algo de instransponível no sintoma - o rochedo da castração - e, para Lacan, há o que podemos nomear como incurável: o simples fato de que é o sinthoma que enlaça primordialmente os registros real, simbólico e imaginário imprimindo a marca de uma modalidade de gozo única.

Bibliografia:

Coelho dos Santos, Tania. (2001) Quem precisa de análise hoje? - O discurso analítico: novos sintomas e novos laços sociais. RJ:Bertand Brasil.
_________ (2002) "O analista como parceiro dos sintomas inclassificáveis". In: Latusa n.7. RJ:EBP-RJ, p.153-168.
_________ (2002a). "Sintomas freudianos e sinthomas lacanianos". Inédito. Freud, S.:
§ (1888) "Histeria". Vol. I.
§ (1892) "Extratos dos documentos dirigidos a Fliess". Vol. I.
§ (1893) "Esboços para a 'Comunicação Preliminar' de 1893". Vol. I.
§ (1895) "Projeto para uma psicóloga científica". Vol. I.
§ (1905) "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade". Vol. VII.
§ (1915) "Os instintos e suas vicissitudes". Vol. XIV.
§ (1921) "Psicologia de grupo e análise do eu". Vol. XVIII.
§ (1925) "Algumas conseqüências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos". Vol XIX.
§ (1933) "Conferência XXXIII - A Feminilidade". Vol. XXII.
§ (1937) "Construções em análise". Vol. XXIII.
Lacan, J. (1954-55). O Seminário, Livro 2: o eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. RJ:JZE, 1987.
Lacan, J. (1998). Escritos. RJ:JZR.