Laboratório de Ensino
SENTIMENTO INCONSCIENTE DE CULPA
Kin Fon Hwang
Pode-se definir de maneira mais geral o sentimento de culpa como um estado afetivo consecutivo a um ato repreensível. Esta terminologia que se adota, no entanto é problemática, visto que o conjunto de manifestações que podem ser abrangidas por este termo envolve uma gama muito grande de fenômenos, como ocorre por exemplo no caso em que o sujeito demonstra um comportamento caracterizado por sofrimentos, atos delinquentes, auto- punitivos infligidos a si mesmo, sem motivação aparente que a justifique. A própria palavra " sentimento" levanta dificuldades teóricas, uma vez que a culpa não é no nível consciente e, se é assim, como poderia se sentir culpado? É na Neurose Obsessiva que foi observado e descrito o Sentimento de Culpa inconsciente, presente aí, dentre outras maneiras, na forma das auto-recriminações feitas pelo obsessivo, nas medidas auto-punitivas, e nas medidas de proteção que sujeito toma sem nenhum motivo aparente. Para se falar de Sentimento de Culpa inconsciente, é preciso em primeiro lugar admitir que este o é apenas parcialmente, isto é, a natureza real das motivações em jogo nos rituais de expiação do obsessivo não é conhecida pelo sujeito. O estudo desta Neurose permitirá eslcarecer algumas nuances relativas ao tema. Primeiramente, com respeito à etiologia e à escolha da neurose, a Obsessão está ligada a uma conotação de prazer ligado ao primeiro encontro com o sexo, que mais tarde, ao ser evocado como lembrança, será acompanhada de uma recriminação, transformando-o em desprazer. É para evitar este desprazer que o obsessivo recalca esta lembrança e a recriminação que a acompanha. Ora, este recalque dará origem aos sintomas característicos da Neurose Obsessiva: a escrupulosidade exacerbada, ruminação mental, rituais de expiação, etc. Assim, a recriminação se liga a um conteúdo deformado quando do retorno do recalcado. O sintoma na Neurose Obsessiva traz, ao mesmo tempo, a Lei e sua transgressão, o gozo e a sua condenação, visto que a recriminação se dá quando da recordação da cena sexual original deformada. É por causa desta deformação que o sentimento de culpa é inconsciente. Este sentimento também está presente no mito de "Totem e Tabu"(segundo Lacan, um mito obsessivo), tendo sua explicação no crime original, o assassinato do Pai da Horda primitiva, que deu origem à Lei e aà Sociedade. A escrupulosidade dos membros da Horda, ao não se apossarem das mulheres da Horda, foi devida ao sentimento de culpa surgido após o assassinato do Pai.
O texto "Luto e Melancolia", de 1917, traz uma abordagem da vertente patológica do Luto, a Melancolia, que nos interessa (e a Freud) pelas manifestações nela presentes de auto-acusações, auto-recriminações e auto-depreciações que por vezes levam ao suicídio. Freud se detém na análise destas manifestações, análogas às da Obsessão. Freud fala de " uma parte do ego que se coloca contra a outra, julga-a criticamente, e, por assim dizer, toma-a como seu objeto", afirmação que dá a medida de uma instância psíquica à qual o ego estaria subjulgado. Ainda não nomeado nesta época, Freud se refere a ele como " consciência", e é ele o responsável pelas auto-recriminações do melancólico perdido, que são, no dizer de Freud, acusações ao objeto de amor perdido que se voltaram contra o proprio ego do sujeito, pela ação desta instância. Mais tarde, com a formulação conclusiva da segunda tópica no texto " O Ego e o Id", de 1923, que traz finalmente o delineamento das funções da instância, chamada de superego, Freud pôde explicar o sentimento culpa pela articulação entre as três instâncias em jogo, bem como pela ação da pulsão de morte. O Sentimento de Culpa é uma manifestação do Superego, que além disso recebe o reforço do componente destrutivo da pulsão de morte, que se acha aqui desfusionada da pulsão de vida, o que explica a extrema severidade das exigências do superego. A partir de então, toda e qualquer crítica feita pelo Superego, manifestar-se-á ao nível do ego como Sentimento de Culpa, sentimento esse de não ter atendido às ferozes exigências do superego.
- Laplanche, J. , Pontalis, J.-B., Vocabulário de Psicanálise, São Paulo, Martins Fontes, 1998.
- Freud, S., Totem e Tabu ( 1912-1913), ESB, Rio de Janeiro, Imago, 1988.
- Freud, S., Luto e Melancolia ( 1917), ESB, Rio de Janeiro, Imago, 1989.
- Freud, S., O Ego e o Id ( 1923), ESB, Rio de Janeiro, Imago, 1988.
- Mezan, R., Freud: a trama dos conceitos, São Paulo, Perspectiva, 1998
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