Laboratório de Ensino
SEXUALIDADE INFANTIL
Alexandre Bustani Louzada
Em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905-1925), Freud nos diz que sexualidade e reprodução não coincidem, como atestam as perversões. O que classifica uma perversão é a escolha de um objeto ou de uma finalidade sexual que, embora desempenhe o mesmo papel que a satisfação sexual normal, não se relaciona com a finalidade dita normal da reprodução. O abandono da reprodução é a característica da perversão, e o que visa somente o prazer é chamado de pervertido: Realmente consideramos pervertida uma atividade sexual, quando foi abandonado o objetivo da reprodução e permanece a obtenção de prazer, como objetivo independente (Freud, 1917: 321). A função reprodutiva passa a ser um critério limitador para a sexualidade. A homossexualidade, por essa lógica, seria uma perversão quanto ao objeto, mas o que Freud tenta mostrar é que o objeto não é pré-determinado, mas contingente, e a escolha heterossexual é tão enigmática quanto a homossexual.
Freud percebeu que o elemento inato das perversões é comum a todo o gênero humano: são as raízes constitucionais da pulsão sexual. Um ou outro traço de perversão raramente está ausente na vida sexual normal. O abismo entre sexualidade normal e pervertida é diminuída pela presença de atos preliminares, como o olhar e o beijo, que não têm relação direta com a reprodução.
Partindo do pré-suposto que os sintomas neuróticos são substitutivos da satisfação sexual, Freud percebeu que na histeria os órgãos que alojam os sintomas e têm sua função perturbada, funcionam como genitais substitutos, e as sensações e inervações encontradas nos órgãos alvo desses sintomas revelam-se como realização de impulsos sexuais pervertidos. A presença de componentes perversos aparece também na neurose obsessiva. Ela possui quadros sintomáticos que são provocados pela pressão de impulsos sexuais sádicos excessivamente intensos. Os sintomas servem como defesa contra esses desejos ou expressam a luta entre satisfação e defesa. Esses impulsos sádicos normalmente se voltam contra o paciente como auto-atormentadores. Além disso, podemos perceber que as repetições dos atos obsessivos remontam à masturbação através de modificações disfarçadas. Podemos então concluir que impulsos perversos são encontrados invariavelmente em neuróticos e seus sintomas dão expressão a essa perversão latente que foi recalcada. Os neuróticos manifestam de forma negativa o que é manifestado de forma positiva nas perversões.
Freud nos diz que lembranças e associações emergentes durante a análise de sintomas de adultos remetem regularmente aos primeiros anos de vida. Em seu texto Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), Freud nos diz que é improvável que as crianças não tenham excitações, necessidades e alguma forma de satisfação sexual, passando a adquirí-las subitamente na puberdade. O que desperta na puberdade é somente a ação reprodutora e sexualidade é diferente de reprodução. As crianças possuem tudo aquilo que se pode descrever como vida sexual (Freud, 1917: 316) e o funcionamento desta nos leva a crer que há afinidades entre a sexualidade infantil e aquilo que é chamado de perversão. Segundo Freud:
"Todas essas inclinações à perversão tinham suas raízes na infância, que as crianças têm uma predisposição a todas elas e põem-nas em execução numa medida correspondente à sua imaturidade - em suma, que a sexualidade pervertida não é senão uma sexualidade infantil cindida em seus impulsos separados" (Freud, 1917: 316)
Freud supõe que a sexualidade "normal" surgiria de algo que existiria antes dela, ou seja, a partir dos elementos dispersos da sexualidade infantil. A sujeição da sexualidade à função reprodutiva e à genitalidade só se dá em um período posterior.
Numa criança os primeiros impulsos da sexualidade têm seu aparecimento ligado ao investimento de um outro que erotiza o corpo da criança através de cuidados de maternagem, de carinhos ou brincadeiras. Os impulsos parciais estão explicitamente vinculados às zonas erógenas que surgem dessa erotização.
Freud nos diz que é possível perceber nos bebês atividades auto-eróticas que têm a pura finalidade de obtenção de prazer em zonas erógenas específicas, como o sugar. "Os bebês executam ações que não têm ouro propósito senão o de obter prazer" (Freud, 1917: 319). Ele nos diz também que o bebê tem sensações prazerosas na evacuação da urina e das fezes e aprende a maximizar o prazer gerado nessas zonas. Inclusive, as fezes no início são valorizadas como parte de seu próprio corpo, só depois são associadas à repugnância, por causa da educação. Esta se mostra inibidora, hostil ao desejo sexual da criança: o bebê não pode eliminar suas fezes quando desejar e sim quando outras pessoas decidem que deve fazê-lo. A renúncia ao prazer é feita dizendo ao bebê que tudo aquilo que se relaciona com essas funções é vergonhoso e deve ser mantido em segredo. A criança deve trocar o prazer pela respeitabilidade. A educação doma e restringe a pulsão sexual.
A vida sexual da criança é inteiramente constituída de atividades de pulsões parciais independentes umas das outras, que possuem valor igual e seguem seu próprio caminho em busca do prazer no próprio corpo e em parte já de um objeto externo. As pulsões componentes parciais dessa fase não existem sem objetos, mas esses objetos não convergem necessariamente em um único objeto. Podemos chamar esta fase de auto-erotismo. É o critério do objeto que separa a sexualidade infantil da adulta.
A postulação de um funcionamento parcializado da pulsão sexual na sexualidade infantil, resulta no que Freud denomina de organizações pré-genitais. Foi com a ajuda da investigação analítica das neuroses que se tornou possível descobrir as fases mais precoces no desenvolvimento da libido que a fase de primazia dos genitais a serviço da reprodução. A fase anal-sádica surgiu pela primeira vez em A predisposição à neurose obsessiva (1913) a respeito do contraste entre ativo e passivo se apresentando como precursor do masculino e feminino que, nesta fase anal-sádica, ainda não desempenham nenhum papel. Na versão de 1915 dos Três ensaios, Freud nos fala de uma fase oral que é anterior à fase anal-sádica, e que diz respeito à incorporação dos objetos, promovendo o processo de formação do eu, estando , portanto, relacionada ao narcisismo. A fase fálica aparece somente em "A organização genital infantil" (1923), e se propõe a explicar o complexo de castração presente no complexo de Édipo masculino e a inveja do pênis presente no complexo de Édipo feminino. Embora o primeiro tenha sido introduzido em 1910 no artigo "Sobre um tipo especial de escolha de objeto no homem", a estruturação do complexo de Édipo feminino só se deu depois de 1920.
Na fase fálica, a investigação sexual infantil não passa logo pela distinção sexual, que nada significa, já que a ambos os sexos são atribuídos o mesmo genital masculino. O menino quando percebe a vagina ele tenta negar os fatos, porque não imagina alguém desprovido de algo tão precioso. Sente-se ameaçado pela possibilidade de perda. As ameaças feitas anteriormente, porque tomou interesse demasiado pelo pênis, produzem efeito retardado. Esse é o complexo de castração. Já as meninas se sentem em desvantagem por não possuírem um pênis, invejam os meninos e desenvolvem o desejo de serem homens.
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