Isepol - Instituto Sephora de Ensino e Pesquisa de Orientação Lacaniana

INIBIÇÃO, SINTOMA E ANGÚSTIA

"INIBIÇÃO, SINTOMA E ANGÚSTIA". ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Ruth Helena Pinto Cohen

Buscamos oferecer, nesta disciplina, um breve comentário sobre o texto freudiano de 1926, “Inibição, Sintoma e Angustia” (n.1), que além de introduzir a segunda teoria sobre angústia encaminha uma importante teorização sobre os mecanismos da inibição e do sintoma. No referido texto encontra-se, como causa do sofrimento psíquico, um excesso de energia não passível de escoamento: seja pela inibição de uma função, seja por um ataque de angústia ou por uma satisfação sintomática. A teorização feita por Freud sobre o tema trouxe conseqüências importantes a essas três modalidades psíquicas. Iremos assinalar alguns recortes relevantes para o nosso estudo, que versam sobre os mecanismos de inibição, da angústia e do sintoma.
Sobre a inibição
• Freud demonstra que os mecanismos de inibição ocorrem a serviço do Eu, como uma forma de proteção contra a angústia, e podem não se transformar em sintomas;
• a inibição pode estar associada a diferentes fatores, que vão desde a curiosidade sobre a própria origem, ou até mesmo, estar a serviço de um desejo impossível de ser admitido conscientemente. Temos por exemplo, o desejo de morte despertado em uma criança, por um irmãozinho que acaba de nascer;
• A inibição pode estar ainda relacionada com o fato de se desejar permanecer na ignorância, para evitar a confrontação, com o saber sobre a falta do Outro. (n.2)
O conceito de inibição, assim como Freud o definiu em seu texto de 1926 tem uma relação especial com a dinâmica das funções e não implica necessariamente uma situação patológica, o que seria característica do sintoma. A inibição, para ele, está ligada às funções do eu e pode assumir diferentes formas nas neuroses: inibição sexual, de nutrição, de locomoção ou para executar um trabalho. Em muitas situações, a inibição pode estar servindo ao propósito de evitar a angústia e tomar a vertente do recalque.
No seminário sobre a Angústia, Lacan (1962 ) diz que: “A Inibição é a introdução numa função de Outro desejo, diferente daquele que, a função satisfaz de maneira natural”. (n.3)
Sobre a angústia
Quanto ao termo angústia, em primeiro lugar, devemos lembrar que corresponde ao Angst , em alemão, angoisse em francês, e ansiedad (n.4) e m espanhol .
Freud, no texto de 1926, concebe a angústia como sinal de um perigo, sinal que se produz ao nível do eu (n.5), uma forma de limitação imposta ao eu, para se proteger de algo que Lacan chama de perigo vital. No adendo B do texto citado (1926), Freud distingue dois tipos de angústia: a neurótica e a realística. A angústia realística teria como característica o fato de o perigo ser conhecido, enquanto que, na angústia neurótica, o perigo seria pulsional e desconhecido.
Diante de uma ameaça real neste contexto real é sinônimo de conhecido ou desconhecida/ pulsional, existem duas formas possíveis de reação: a irrupção do afeto ou angústia e uma ação que seria protetora. Ambas podem associar-se de forma apropriada, conjugando sinal e ação protetora, ou podem aparecer de forma inadequada a evitação do perigo. As angústias realística e neurótica, neste caso, estariam associadas de tal forma que, mesmo que o perigo fosse conhecido e real, a angústia se mostraria excessiva.
O tema da angústia em Freud passou por vários momentos de dificuldades conceituais. Poderíamos pensar que só com o caso Hans e a descoberta do complexo de castração e da angústia ligada à histeria, foi possível ao autor seguir em direção ao que em 1926 representou seu grande salto , que deixou marcas indeléveis no campo psicanalítico. Nesse momento de ruptura teórica, a angústia deixa de ser conseqüência do recalcamento, mas inversamente, passa a ser seu próprio motor.
Para chegar a essa inversão de termos na teorização da angústia, Freud havia desenvolvido, anteriormente, uma reflexão aprofundada sobre três formas de angústia:
• A angústia de espera ou espera ansiosa , que existia na neurose de angústia. Nesse momento, (1916), ele trabalhava com a idéia de neurose atual, não estando a angústia de espera ligada a objetos como na fobia.
• A fobia era caracterizada como a angústia propriamente dita e ligada a objetos.
• Os acessos espontâneos de angústia, são manifestações de angústia sem relação direta com o perigo. Freud diz que podem ser substituídos por sintomas somáticos tais como: vertigens e opressões.
Freud enuncia nesse mesmo texto, uma frase que parece marcar bem do que se trata na angústia: "Sempre que há angústia, há algo que a provoca" (n.6). Assim, passa a considerar a angústia como um sinal provocado pelo eu. Se antes ele dizia que a angústia não estava ligada diretamente ao eu, na segunda teoria, a angústia está totalmente ligada a sua função ou seja é desencadeada pelo eu. Podemos constatar que a natureza do perigo ainda era um enigma para Freud, que buscou durante muitos anos, desde suas primeiras formulações sobre o tema, esse algo que a provocava.
Ainda no texto de 1926, dois pontos chamam nossa atenção e somente os assinalamos aqui, deixando seu estudo aprofundado para outra ocasião e contexto. Um deles é quando o autor declara que a energia da qual se trata, na angústia, é fato psíquico que perpassaria algo que não é psíquico. Outro, é o fato de que ele admite que há uma descarga energética de um estado afetivo dissociado da representação. Esses pontos remetem à clínica tal como se apresenta no contemporâneo, que nos leva a uma concepção cada vez menos dualista no que concerne mente e corpo.
No capítulo IV de "Inibições, Sintoma e Angústia", Freud assinala:
“O motor do recalcamento é a angústia única que existe, a angústia de castração e não mais o inverso. Eu tenho que me redimir de tudo que eu disse até aqui e reconhecer que cometi um engano nas minhas elaborações.”
Freud havia descoberto, com Hans, que o pai era amado e odiado e com isso a ambivalência em relação a ele estava diretamente ligada à castração. O sintoma fóbico, por exemplo, tinha uma função precisa:
• o eu reconhece o perigo da castração
• o eu dá sinal da angústia e provoca o recalque.
De quê recalque se trata, podemos perguntar. Freud responde: “De processos ameaçadores no Inconsciente e, simultaneamente, a fobia se forma”
Podemos pensar no seguinte esquema :
Castração g Sinal g EU (perigo)
A castração, através do sinal de perigo no eu , é o motor do recalque. Como conseqüência temos a formação das neuroses.
Uma observação importante nesse texto é o fato de a angústia, real ou neurótica , ser causada por um perigo externo, fato percebido e explorado por Jacques Lacan em seu seminário sobre o tema. O que é sinal de perigo se não algo que precede a satisfação e permite ao desprazer aparecer no começo da situação temida? Freud fala do trauma do nascimento como paradigmático dessa situação, como um fato universal.
Na parte três de “Inibição, Sintoma e Angústia” ao encontramos : “Angst ist angst vor etwas”- “ angústia é angústia diante de alguma coisa” , como já assinalamos no início deste trabalho. Agora poderíamos pensar se não estaria Freud já antecipando o que Lacan iria mais tarde desenvolver, ou seja, que a angústia não é sem objeto (n.7)? E que por outro lado ela não é defesa contra algo, mas fato primordial que aparece no eu através de um sinal.
Sobre o sintoma
Quanto ao sintoma, (Symptom), nesse texto Freud dá ênfase à satisfação pulsional nele implicada. O sintoma, como indício e substituto de uma ação pulsional que se encontra interceptada, é o resultando de um processo de recalcamento.
O autor indica que o eu pode se recusar, por ordem do supereu a associar-se a uma catexia (investimento) pulsional emanada do isso: “ O eu é capaz, por meio de recalcamento, de conservar a idéia que é o veiculo do repreensível a partir do torna-se consciente. A análise que a idéia amiúde persiste como uma informação inconsciente”.
Sendo o sintoma o verdadeiro substituto e derivativo do impulso recalcado, continuamente renova suas exigências de satisfação nos diz Freud no final da parte III do mesmo texto. Desta feita, obriga o eu a ficar em alerta dando sinal de algum desprazer. Assim, a luta defensiva secundária contra o sintoma assume muitas formas. Freud privilegia o estudo da histeria e se baseia no caso Hans (1909) como exemplo princeps , deixando as outras modalidades de neuroses para um estudo posterior. O que trabalha com mais profundidade são as vicissitudes do recalcamento na formação dos sintomas e a defesa secundária do eu contra os sintomas.
Outra vertente, que mereceria um estudo mais aprofundado, é a que enfoca as relações entre a inibição, o sintoma e a angústia. Assim, podemos investigar como a inibição serve à formação do sintoma ou como essa formação está a serviço da angústia? Ainda: como se relacionam sintoma e angústia? Indicações preciosas para uma reflexão nesse sentido são encontradas no texto de Freud do qual tratamos aqui. No presente estudo, foi nosso objetivo apenas introduzir o leitor a esse importante texto, com o intuito de despertar-lhe a curiosidade, ou mesmo um desejo de saber, que poderá remetê-lo à obra freudiana.

Notas
1 Freud, S., ( 1926/25), Inibições, sintomas e angústia, Vol. XX em espanhol: “Inhibitión, síntoma y angustia”, Vol. XX, O.C., op. cit., 1987Ed. Amorrotour
2 Outro nas primeiras formulações da teoria lacaniana representa o lugar do inconsciente, da palavra e do simbólico na constituição do sujeito.
3 Jacques, L. “Le Séminaire´, Livre X, 1962, inédito.
4 Freud, S., “Inhibitión, síntoma y angustia”, Vol. XX, O.C., op. cit., 1987Ed. Amorrotour
5 Freud, S., “Inhibitión, síntoma y angustia”, Vol. XX, O.C., op. cit., 1987, pp. 71-164. Ed Amorrotour
6 Id.5
7 Jacques, L. “Le Séminaire´, Livre X, 1962, inédito.

Bibliografia
FREUD, S., “Inhibitión, síntoma y angustia” (1926/25), Vol. XX, O.C., Ed. Amorrotour, 1987.
LACAN, J. “Le Séminaire”, Livre X, 1962, inédito.