Sintoma ou sinthoma?
Lacan evoca o termo sinthome a partir do Seminário 23 (Lacan, 1975-76), momento em que sua orientação clínica e a noção de final de análise tomam uma forma mais lacaniana do que freudiana, e que a noção de sujeito distancia-se cada vez mais de sua relação com o inconsciente a ser decifrado. Poderíamos também entender o Seminário 23 como a abdicação da tentativa de se desenhar os limites entre a sanidade e a loucura. Se o Seminário 3 (Lacan, 1955-1956) nos permite acessar respostas a esse respeito, na medida da inscrição ou não do Nome-do-Pai, o Seminário 23 deixa o enigma no ar, fazendo do intervalo entre a neurose e a psicose um contínuo.
O sinthoma, cuja grafia corresponderia à grafia antiga da palavra symptome na língua francesa, permite a Lacan fazer alusão à admiração que James Joyce tinha pelo filósofo cristão São Tomás de Aquino. Lacan chega mesmo a afirmar que não há nada mais verdadeiro do que a filosofia desse Saint’homme. Com essa nova homofonia, percebemos que a escolha sinthomática de Joyce está ligada a um apego à verdade. Joyce cultivava uma paixão pela obra de São Tomás de Aquino, a qual, por sua vez, estava totalmente fundada na verdade do evangelho. Ora, a escolha de Joyce pela obra de São Tomás de Aquino chama a atenção de Lacan, de modo que ele afirma: “É preciso escolher a via por onde tomar a verdade. Ainda mais porque a escolha uma vez feita não impede ninguém de submetê-la à confirmação, ou seja, de ser herético de uma boa maneira” (Lacan, 1975-76, p. 16). Ele ainda ainda explica o que seria essa boa maneira: “A boa maneira é aquela que por ter reconhecido a natureza do sinthoma, não se priva de usar isso logicamente, isto é, de usar até atingir o seu real, até se fartar” (Lacan, 1975-76, p. 16). Trata-se, portanto, de reconhecer a natureza do sinthoma e de usá-lo. E qual seria a natureza do sinthoma? O que Lacan quer dizer com “reconhecer a natureza do sinthoma”? Supomos que tal natureza é expressa na inexistência do rapport sexual ou no fato de o parlêtre ser atravessado pela falta. O sintoma é construído a partir daquilo que falta ao sujeito. Se essa falta é reconhecidamente tampada pela eleição de uma verdade, levando o sujeito a um saber-fazer com essa falta, podemos dizer do sintoma, como aquilo que, ao mesmo tempo, revela e esconde a verdade. Já o sinthoma requer o savoir y faire que corresponderia ao uso que o sujeito faz de uma palavra que lhe permite acessar uma dimensão da verdade sem tamponar a impossibilidade de capturá-la no discurso. Trata-se de um semi-dizer que não se angustia para dizer tudo.
Aqui precisamos aprofundar na diferença entre sintoma e sinthoma, a fim de demonstrar que a relação com Deus pode ser vista tanto como sintomática quanto como sinthomática. Isso está ligado ao fato de existir a relação com Deus de natureza patológica e a relação com Deus de natureza não patológica. Mas, antes de nos determos nessa questão, é preciso esclarecer o que chamamos de relação com Deus.
Quando falamos de relação em psicanálise, não podemos deixar de mencionar o laço S1–S2. Nosso interesse é investigar o paciente que em suas formações sintomáticas lança mão do significante Deus, muitas vezes como algo além daquilo que faz sentido e que lhe remete também às experiências que escapam à cadeia S1–S2. O paciente religioso, além de fazer parte de uma denominação e ter algum compromisso doutrinário, desvelando nisso diversos aspectos de sua vida sintomática, pode falar também sobre seus encontros com o real. Aqui notamos os dois aspectos que podemos atribuir a Deus através da psicanálise, quais sejam: Deus como significante e Deus como real. A relação com Deus diz respeito, portanto, a não relação concernente ao real, por um lado, e ao sentido produzido através do discurso religioso, por outro.
Retomemos, então, o exame da diferença entre sintoma e sinthoma. A partir de “Inibição, sintoma e ansiedade”, extraímos de Freud o que de mais preciso ele afirmou sobre a natureza do sintoma e sua formação: “Um sintoma é um sinal e um substituto de uma satisfação instintual que permaneceu em estado jacente; é uma consequência do processo de repressão” (Freud, 1926, p. 112). Trata-se então da pulsão recalcada, que encontra na cadeia de significantes uma representação inconsciente capaz de lidar e tratar o insuportável da energia pulsional. O recalque é uma das vicissitudes da pulsão, a qual garante ao sujeito certa ordenação simbólica de sua vida pulsional. Isso se dá por uma metáfora, tal qual a realizada pelo pequeno Hans ao substituir o significante pai por cavalo. Para ele, o insuportável era lidar com o ódio ao pai e desejar vê-lo cair como o cavalo. O medo de ser mordido pelo cavalo, ligado ao medo de ser punido por sentir ódio pelo pai torna-se uma fobia compulsiva que, apesar de desprazerosa, garante-lhe o afastamento da ideia de odiar o pai. Ora, é muito mais simples lidar com o medo de cavalo do que com o ódio ao pai, daí a astúcia da formação sintomática.
Além disso, Freud (1926) nos explica que a formação de um sintoma só ocorre de fato quando o recalque falha em algum ponto. A esse ponto de falha atribuímos o equívoco linguístico da metáfora, onde a parte da pulsão não reprimida encontra “um substituto muito mais reduzido, deslocado e inibido, e que não é mais reconhecível como uma satisfação” (Freud, 1926, p. 116). Quando esse substituto se efetiva, temos então a formação de um sintoma, o qual, apesar de ser motivo de queixa para o sujeito, impede que este se depare face a face com a integralidade da pulsão.
Quanto ao sinthoma, não poderíamos afirmar que haveria um processo análogo de formação do sinthomática. Nesse sentido, não poderíamos dizer que o sujeito forma o sinthoma, mas que o sinthoma forma o sujeito, na medida em que o reveste de uma verdade que torna-lhe suportável o encontro com o real da pulsão.
A relação com Deus: Freud e Lacan
Não seria difícil apontar uma relação com Deus vivida por uma via sintomática. Aliás, em “O futuro de uma ilusão”, Freud (1927) não conseguiu pensá-la de outra forma. A palavra latina religare, que dá origem à palavra religião e que significa religar, remete-nos ao grande esforço que o homem sempre realizou para construir uma ponte que o levaria àquele considerado mais perfeito, mais alto e mais sublime do que o próprio homem. Freud a considera uma ilusão e interpreta o fenômeno antropológico da religião como uma regressão infantil de um sujeito frágil e vulnerável que busca ser protegido pelo pai. Os rituais seriam os tijolos dessa ponte posta entre o homem e Deus e todo esforço do homem para construí-la e atravessá-la seriam totalmente vãos, visto que do outro lado da ponte não haveria senão uma ilusão, um véu recobrindo a dura realidade da impotência humana. Freud (1927) aborda a religião do homem comum acentuando o fato de que a fé é sustentada por fantasias infantis que persistem na vida adulta, produzindo efeitos em um psiquismo neurótico. Poderíamos dizer que, para Freud, nesse momento de sua obra, a religião é considerada como uma neurose de massa.
Em uma troca de cartas (1993), Freud recebe uma crítica de Romain Rolland, que o faz refletir sobre o que ele chama de sentimento oceânico. Segundo Rolland, haveria uma diferença entre a experiência com Deus, a qual ele define como sentimento oceânico, e a religião, em si definida como o esforço da cultura para se religar a Deus. A sensação religiosa, proveniente do sentimento oceânico, é descrita por ele como sendo algo muito mais durável e consistente do que a religião. Ela deve ser bem distinta do discurso religioso ou da religião como manifestação cultural e por isso seria independente de todo dogma ou credo, de toda organização eclesial e de qualquer livro sagrado. Rolland nos explica então que essa sensação, livre de todo discurso criado pelo homem, não seria senão uma percepção momentânea do infinito, daquilo que é sem borda.
Freud (1930) em seguida é obrigado a reconsiderar o tema da religião, o que o leva a escrever “O mal estar na civilização”, no qual o primeiro capítulo é dedicado justamente ao sentimento oceânico. Ele o associa ao narcisismo, no sentido de que o sujeito tomado por tal sentimento seria, na verdade, capturado por uma restauração de suas tendências primitivas a se tornar um com o todo. Segundo Freud, o ego primitivo pertenceria à totalidade, na medida em que ele não encontra a fronteira entre si e o resto.
Desse modo, a partir de Freud, poderíamos articular que o sujeito flagrado em sua experiência com Deus seria alguém regredido a uma experiência primitiva de seu ego. Mesmo que nessa experiência de regressão a um ego primitivo não haja formação sintomática via metáfora, ainda assim lidamos com as tendências estruturalmente psicóticas dessa experiência, não havendo, portanto, possibilidade, em Freud, para uma relação não patológica com Deus.
A perspectiva de Lacan é bem diferente. Segundo Miller (2006), quando Deus é abordado de um ponto de vista psicanalítico, podemos atribuir-lhe duas faces: “De um lado temos o Deus do significante, de algum modo a face científica de Deus ou [...] linguístico-científica. Há [também] uma outra face de Deus que está ancorada ao gozo, trata-se do Deus do objeto pequeno a”, (Miller, 2006, p. 11) o qual, como resto da operação simbólica permanece no real, ratificando portanto o duplo: Deus do significante e Deus real.
A partir daí poderíamos pensar que Lacan não se detém na relação do homem com Deus a partir do que o homem e sua cultura podem produzir para se aproximar dele. Isso seria o Deus do significante, o qual entendemos ser também o Deus do discurso religioso, que tenta, com os rituais e repetições, dar-lhe sentido. Se definimos a religião como um fenômeno discursivo da tentativa humana de relacionar-se com Deus, podemos pensar com Lacan a relação que o homem pode ter com um Deus que já está lá e que não precisa ser alcançado pelo esforço compulsivo religioso. Há, em Lacan, uma não-relação com Deus possível fora da via sintomática ou patológica, como há, de um modo geral, o laço enodado pelo sinthoma. Para Lacan, Deus se manifesta apesar do discurso religioso.
Antes de prosseguir com a argumentação sobre o uso lógico do sinthoma a partir da relação com Deus, devemos brevemente assinalar que a teorização lacaniana nos permitiria outra oposição ao Deus significante – este que exige daqueles que se ligam a ele uma formação sintomática – diferente dessa encontrada no Seminário 23, sobre o sinthoma, pela qual procuramos alegar a possibilidade de a relação com Deus ser, como o trabalho artístico, uma saída sinthomática. Para dizer desse Deus real que se inscreve apesar do discurso religioso, poderíamos lançar mão do Seminário 20 (Lacan, 1972-73), mais, ainda, onde encontramos a noção do Outro gozo. Esta talvez fosse a via mais apropriada para nossa tarefa, visto que Lacan, ao exemplificar o Outro gozo, nos remete ao êxtase místico, mais precisamente à experiência de Santa Tereza d’Ávila. No entanto, a razão de mantermos o foco no Seminário 23 (Lacan, 1975-76) reside no fato de que desejamos extrair dali uma orientação clínica que nos permita calcular uma possível função estabilizadora da relação que um sujeito pode estabelecer com Deus. Se o êxtase místico nos remete ao insuportável do real, no Seminário 23 (Lacan, 1975-76) poderíamos pensar essa não-relação com o real amarrada pelo sinthoma, produzindo para o sujeito algum tipo de tratamento.
Relação com Deus e terapia
Não se trata da crença como forma de terapia, essa ideia não é de forma alguma novidade. Tal proposta geralmente nos é advinda de pesquisas científicas que militam incansavelmente em prol do bem-estar. Miller faz referência a um artigo publicado no Courrier International “[...] que afirma haver mais de 1.200 estudantes americanos [...] engajados no tema ‘Saúde e Espiritualidade’, que constatam o quanto a religião ou a crença em algo superior favorece a saúde” (Miller, 2006, p. 9). Em tom de crítica, Miller continua: “Temos até números. Exercer a fé e praticar sua religião prolongaria em até 29% a esperança de vida” (Miller, 2006, p. 9). Isso que Miller chama de “terapeutização” da religião estaria ligado a uma busca desenfreada pelo bem-estar que percebemos na contemporaneidade. Por outro lado, a proposta clínica da psicanálise segue na contramão da busca pelo bem-estar, sendo que o tratamento provável oferecido na relação com Deus estaria ligado muito mais a um savoir y faire com o mal-estar gerado pela inexistência do rapport sexual.
É nesse ponto, junto com Miller, que descobrimos a razão pela qual Lacan introduz a ideia de sinthoma: justamente para opô-la à ideia do esforço de sentido pretendido pelo sintoma. É aí que localizamos a religião, na rotina do S1 ao S2, esforçando-se em fazer de Deus um sentido. O uso lógico do sinthoma, por outro lado, diz respeito justamente à possibilidade de usufruir de algo que não faz sentido. Ora, não precisamos ir muito longe para encontrar isso que não faz sentido; está no próprio sujeito. Isso permite a Lacan dizer de uma relação fora do campo da linguagem. O uso da língua, para Joyce, permite-lhe um laço que, mesmo não sendo comunicativo, confere-lhe ao mesmo tempo o encontro com o real e o seu tratamento, na medida em que há algo que o amarra aos outros registros.
Tratar o resto da pulsão sem a formação sintomática, para Freud, só pode ser possível quando esta encontra outra vicissitude que não o recalque, qual seja, a sublimação. Pois bem, “o sintoma é um tratamento, o sintoma é um fator terapêutico. É o que é colocado em destaque no Seminário do Sinthoma, onde se vê o sinthoma reparar a cadeia borromeana quando os elementos dela não se mantêm ajustados” (Miller, 2004, p. 9). Que o sintoma seja um tratamento, isso não é novidade. Coube a Freud enfrentar o furor psiquiátrico de sempre trabalhar pelo desaparecimento dos sintomas. A novidade está na possibilidade de fazer uso desse tratamento até atingir o seu real, até se fartar, para repetir as palavras de Lacan já citadas acima. Sendo assim, “o sintoma não é para ser interpretado, mas para ser reduzido” (Miller, 2004, p. 5). Essa redução pode ser feita pelo trabalho artístico ou analítico, que segundo Miller, pode, ao invés de decifrar as formações do inconsciente, fazê-las cair do entorno do real, com o objetivo de isolá-lo. O trabalho artístico também proporciona a redução, a exemplo do trabalho de Joyce para abdicar da ordenação simbólica (Nome-do-Pai) em seus escritos. Artístico ou analítico, o importante é que se trata sempre de um trabalho, o qual Freud descreve de maneira extraordinária na passagem a seguir:
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“A neurose não repudia a realidade, apenas a ignora; a psicose a repudia e tenta substitui-la. Chamamos um comportamento de ‘normal’ ou ‘sadio’ se ele combina certas características de ambas as reações – não se repudia a realidade como na neurose, mas depois se esforça como faz uma psicose, por efetuar uma alteração desta realidade. Naturalmente, esse comportamento conveniente e normal conduz à realidade do trabalho no mundo externo; ele não se detém como na psicose em efetuar mudanças internas. Ele não é mais autoplástico, mas aloplástico” (Freud, 1924, p. 231-232)
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Esse comportamento normal que reúne traços tanto da psicose como da neurose, caracterizado por uma modificação aloplástica da realidade, não seria ele o trabalho do sinthoma, o trabalho de um delírio compartilhado? O importante é entender que o sintoma trabalha para negar a realidade, já o sinthoma não a nega, mas trabalha para transformá-la. A hipótese, então seria a de que relacionar-se com Deus seria, dentre outras, mais uma forma de efetivar esse trabalho que até então é mais comumente reconhecido quando realizado pela produção artística. A esse respeito Neto nos ensina o seguinte:
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“De certa forma a prática analítica se confunde com o trabalho do artista, ao pontuar e sustentar no analisando a sua singularidade, ou o que nele é não-ser. É basicamente aí, na sustentação da singularidade, que o paciente enquanto sujeito pode vir a existir” (Neto, 2007, p. 108)
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Nosso interesse é, portanto, refletir sobre a possibilidade de inserir a relação com Deus como mais um modo de sustentação da singularidade, aonde um sujeito se apresentaria como não-ser. A clínica psicanalítica nunca hesitou em laurear os casos em que o tratamento do sofrimento se deu pela via do trabalho artístico, por que não considerar também a possibilidade de um tratamento engatilhado pela relação com Deus?
Conclusão
Tratar o tema da religião atualmente tem sido não só importante como também necessário. Contra toda previsão de que a religião se extinguiria na medida do avanço científico, observamos a crescente expansão tanto em força mediática quanto em número de adeptos das maiores denominações religiosas: o cristianismo, o islamismo e o judaísmo. No Brasil, o grupo do cristianismo denominado igreja evangélica, cada vez mais presente, já tem imprimido até mesmo modificações culturais na sociedade. Por isso, não devemos isentar a clínica psicanalítica da crescente compleição religiosa dos últimos anos.
Visto que podemos encontrar na teoria psicanalítica uma hipótese para a relação com Deus como modo de tratamento, desejamos também desenhar uma direção do tratamento que ponha em prática tal hipótese. Não se trata de inovar a clínica, já que Lacan, como muitos outros psicanalistas, já vinham inventando, há muitos anos, o manejo com o paciente religioso. Como exemplo, podemos citar o marcante encontro de Lacan com Marie de La Trinité, em que a paciente, uma freira católica, procura a ajuda do Doutor Lacan a fim de se tratar após um período de intenso sofrimento. Sem levar em conta os detalhes do caso, Marie de La Trinité, no período em que busca tratamento, passa pela competência de diversos médicos, dentre os quais, Lacan se destaca, segundo ela, por uma habilidade diferenciada em “compreender as coisas espirituais” (Trinité, 2009, p. 45). Sobre a experiência com Lacan ela afirma:
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“Não há nada demais a dizer sobre o tratamento em si; a não ser que ao invés de me confinar em Freud como os médicos precedentes ele percorre continuamente ao longo das sessões todas as escalas da natureza humana [...]. Me sinto muito segura com ele, pois ele compreende as coisas espirituais não as elimina como os médicos precedentes, ao contrário” (Trinité, 2009, p. 45)
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Pode parecer óbvia tal habilidade de Lacan, afinal, trata-se meramente de sua orientação clínica convencional. Ouvir o discurso do inconsciente que jaz além dos discursos trazidos pelo paciente, sejam eles religiosos ou não. No entanto, como a própria Marie de la Trinité afirma, o tratamento, quando atravessado por questões espirituais e religiosas, pode tornar-se, para muitos analistas, causa de resistência. Para o próprio Freud, a questão religiosa jamais fora um assunto leve e bem acertado, ao ponto que diversos pós-freudianos adotaram a postura de sempre considerar a religião como algo a ser eliminado. Ora, para alguns, o discurso religioso é moralizante, servindo como objeção ao gozo e obrigando o sujeito a sua renuncia, o que faria da religião do paciente um entrave ao tratamento. Digamos que esse pensamento, de certa forma, persiste nos nossos dias, sendo que o entrave ao processo de análise estaria muito mais do lado do analista, devido sua resistência ao fator religioso, do que na presença desse fator na análise. Sendo assim, nos indagamos se não seria justo um trabalho que pudesse investigar e evidenciar os fundamentos teóricos desta capacidade diferenciada de Lacan de “compreender as coisas espirituais” (Trinité, 2009, p. 45). O desejo é de, a partir desta pesquisa, poder pensar o trabalho analítico que se depara com as questões religiosas de um paciente, a fim de oferecer-lhe a possibilidade de fazer de sua relação com Deus uma modalidade do uso do sinthoma.
Referencias Bibliográficas
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VERMOREL, H.; VERMOREL, M. (1993) Sigmund Freud et Romain Rolland correspondence 1923-1936. Paris: PUF.
Resumos
God and the sympthom: psychoanalytic clinic faces religion
This paper proposes the theme of the relationship between a subject and God and its implications for clinical psychology. The main issue to be discussed is the possibility of this relationship provide the subject with a sinthomatic exit would give in return, appeasement of his symptomatic unwellness. This summary announces the central question of this study: is the relationship with God in a place that allows the subject to an encounter with the real that is not devastating, giving it also some kind of therapeutic effect? To sketch an answer we will briefly visit the thoughts of Freud and Lacan about God, which will help us finally understand how clinical psychoanalysis can orient itself when challenged by God's relationship with a patient.
Keywords: psychoanalysis, relationship with God, symptom, sinthome real therapeutic effect.
Dieu et le sinthome: la clinique psychanalytique face au religieux
Cet article propose comme thème la relation d'un sujet avec Dieu et ses implications pour la psychologie clinique. La principale question à examiner est la possibilité de cette relation fournir à la personne une sortie sinthomátque et donnerait en retour, l'apaisement de son malaise symptomatique. Ce résumé annonce la question centrale de cette étude: est-ce la relation avec Dieu a une place qui permet au sujet une rencontre avec le réel qui n'est pas terrible, ce qui lui donne aussi une sorte d'effet thérapeutique? Pour esquisser une réponse, nous allons brièvement visiter les pensées de Freud et de Lacan à propos de Dieu, qui nous aideront enfin à comprendre comment la clinique psychanalytique peut s'orienter en cas de contestation par la relation de Dieu avec un patient.
Mots-clés: la psychanalyse, la relation avec Dieu, un symptôme, un effet thérapeutique réel sinthome.
Citacão/Citation: LOUREIRO, L.F. A relação com Deus e o sinthoma: a clínica psicanalítica face ao religioso. Revista aSEPHallus, Rio de Janeiro, vol. VIII, n. 15, nov. 2012 a abr. 2013. Disponível em www.isepol.com/asephallus
Editor do artigo: Tania Coelho dos Santos.
Recebido/Received: 07/04/2012 / 04/07/2012.
Aceito/Accepted: 28/07/2012 / 07/28/2012.
Copyright: © 2013 Associação Núcleo Sephora de Pesquisa sobre o moderno e o contemporâneo. Este é um artigo de livre acesso, que permite uso irrestrito, distribuição e reprodução em qualquer meio, desde que o autor e a fonte sejam citados/This is an open-access article, which permites unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium, provided the author and source are credited.
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