1 - Introdução
Os jovens hoje estão na rede, conectados, “inter-ligados”, interagindo virtualmente com pessoas de todo o mundo. As redes sociais virtuais são espaços na Internet que permitem partilhar dados e informações, sendo estas de caráter geral ou específico, das mais diversas formas (textos, arquivos, imagens fotos, videos, etc.). Elas também permitem a formação de grupos de pessoas por afinidade, as comunidades ou grupos virtuais, que podem ser fechados ou abertos, e funcionam como espaços de discussão e de apresentação de temas variados.
Redes sociais como Twitter, Facebook, Orkut e Blog têm ocupado um lugar de destaque na vida dos jovens. Dados estatísticos revelam que o Brasil é o país que tem o maior número de usuários de sites de relacionamento: 80% do total de internautas2.
O Orkut é uma rede de relacionamentos filiada ao Google, criada em 2004. Para participar dessa rede, o/a usuário/a precisa cadastrar-se, preenchendo um perfil que contém informações básicas de acesso, informações pessoais, profissionais e sociais. O Orkut é um dos canais privilegiados de interação social dos adolescentes no Brasil. As comunidades do Orkut funcionam como fóruns organizados em torno de temas específicos. A maior parte dos usuários da rede Orkut é formada por jovens entre 18 e 25 anos.
O Facebook é uma rede social, criada em 2004. Inicialmente, a adesão ao Facebook era restrita aos estudantes da Universidade Harvard. Rapidamente ela se expandiu para outras universidades e alcançou o mundo todo. Usuários criam perfis que contêm fotos e listas de interesses pessoais, trocam mensagens privadas e públicas entre si e participam de grupos de amigos. A visualização de dados detalhados dos membros é restrita para membros de uma mesma rede ou para amigos confirmados.
O Facebook tem 800 milhões de usuários ativos no mundo, sendo que a média de amigos por usuário é de 130 pessoas3. Através do Facebook as pessoas trocam informações sobre suas atividades, eventos, compartilham fotos e vídeos, fazem novos amigos e se reaproximam de amigos distantes.
Neste artigo, apresentamos uma reflexão sobre a natureza das identificações e dos grupos formados pelos adolescentes através das comunidades sociais virtuais. Utilizamos o resultado parcial de uma investigação realizada em duas redes sociais virtuais muito frequentadas pelos adolescentes, o Orkut e o Facebook, e de entrevistas feitas com adolescentes, pessoalmente e no ambiente virtual. A discussão teórica teve como base a relação existente entre a identificação e o laço social em Freud e Lacan, articulando-os com a fase da adolescência e a contemporaneidade.
2 - Apresentação da metodologia e dos resultados da pesquisa
Realizamos uma leitura das narrativas de adolescentes em 50 fóruns de comunidades do Orkut, entrevistamos 60 adolescentes usuários das redes sociais, Orkut e Facebook, pessoal e virtualmente. Além disso, fizemos uma leitura de Facebooks de adolescentes e tivemos acesso a alguns grupos do Facebook formados por adolescentes. Para realizar as entrevistas com os adolescentes menores de 18 anos, obtivemos a autorização dos pais e dos próprios adolescentes, através da assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição que a financiou.
As comunidades do Orkut
O Orkut ocupa hoje um lugar central na fase da adolescência. Os adolescentes ingressam nas redes sociais a partir dos 12 anos de idade, aproximadamente, ou seja, na entrada da adolescência. O Orkut, assim como o Facebook, pode ser considerado como um rito de passagem da atualidade, que marca a transição da infância para a adolescência. Os adolescentes hoje, ao se conhecerem pessoalmente, trocam entre si os números de seus telefones e os seus Orkuts e Facebooks.
Cada participante do Orkut possui um perfil e se relaciona com outros participantes. O perfil é uma forma de apresentação pessoal, uma forma de identidade no universo virtual. Uma comunidade do Orkut é organizada a partir de uma frase ou uma palavra: “Às vezes é preciso existir”, “Odeio acordar cedo”, “Fui enganada pelo meu namorado”, “Namorar ou ficar”, “Eu já fui um espermatozóide”, “Autossuficiência em amizades”, “Sou bulímica”, “Comunidade dos hiperativos”, “Românticos”, etc. Apesar do rápido crescimento do Facebook, que fez com que muitas pessoas abandonassem o Orkut, constatamos que os jovens ainda acessam o Orkut, principalmente os adolescentes mais novos, porque, segundo eles, o Orkut é mais simples e comum entre os brasileiros, inclui depoimentos dos amigos a respeito do usuário, além de possuir as comunidades virtuais.
Nas comunidades do Orkut existem fóruns de discussão temáticos. As comunidades estão inseridas em categorias, como música, pessoas, jogos, computadores e internet, romances e relacionamentos, política, dentre outros. A aproximação entre as pessoas se dá, portanto, em função de um interesse comum. As fotos ocupam um lugar de destaque nas comunidades.
Entrevistas com adolescentes
Elaboramos um questionário com 24 perguntas, abertas e fechadas, sobre o Orkut. As perguntas foram organizadas com o objetivo de conhecer os usuários do Orkut e as formas de relacionamento social estabelecidas através dele. Investigamos os seguintes dados (perguntas fechadas): se o adolescente estuda, possui Orkut, acessa de casa, utiliza mais de duas horas por dia, tem perfil aberto, fez amizades através do Orkut, encontra pessoalmente com esses amigos, pertence a mais de 50 comunidades, percebe diferenças nos grupos formados dentro e fora do Orkut, já criou comunidades, posta comentários, participa dos tópicos, possui fake, o Orkut já lhe trouxe problemas, já quis excluir o seu perfil e se tem Facebook. As perguntas abertas foram: a idade do adolescente, o que mais gosta no Orkut, há quanto tempo tem Orkut, como fez amizades pelo Orkut, o número de comunidades a que pertence, as diferenças entre participar de comunidades dentro e fora do Orkut, os temas preferidos das comunidades, como participam das comunidades e qual a importância do Orkut em suas vidas.
A maioria dos adolescentes entrevistados tem Orkut, o acessa de casa e o utiliza para manter contatos com os amigos. Muitos fazem amigos no Orkut. A grande maioria dos entrevistados considera que existem diferenças entre as amizades feitas dentro e fora da internet. As principais diferenças apontadas por eles foram: as amizades formadas através do Orkut são mais fáceis de fazer, mais amplas, menos intensas, menos verdadeiras, sem compromisso e menos duradouras. Contraditoriamente, muitos afirmam que “se abrem mais na internet”, ficam mais à vontade, sentem maior facilidade em falar de coisas que não falariam pessoalmente, são mais “verdadeiros”:
- “Na internet, a forma de falar é diferente, mais à vontade, e muitas vezes, temos mais facilidade de falar certas coisas que não falaríamos normalmente” (M. C. 20/06/2011).
- “A comunidade do Orkut não possibilita a mesma interação, a mesma intimidade... as comunidades são zero laços... O pior da comunidade é você não saber direito com quem está conversando, não tem confiança, é uma coisa alheia total...” (N.O.G. 25/07/2011).
- “Em uma comunidade do Orkut as pessoas podem fingir ser algo que não são, forjar ideologias e aparências. Fora da internet isso não acontece tão facilmente.” (B.F. 13/07/2011).
- “No Orkut você não tem tanto compromisso quanto fora da internet. Fora da internet você tem que ter estímulo para ir, tem que ter ligação maior...” (C.N. A. 02/06/2011).
- “No Orkut é maior, tem mais visibilidade... no grupo de fora você tem mais contato... real...” (G.F.F. 12/06/2011).
- “Pelo Orkut você pode expressar o que quiser e em outro grupo talvez não” (A.C.C.L. 26/05/2011).
- “No Orkut ninguém conhece ninguém e você pode falar besteira sem te zoarem se você errar as palavras” (P.L.L. 26/05/2011).
Apesar de afirmarem que existem diferenças entre as duas formas de interação e considerarem que a presencial é melhor ou mais intensa, os adolescentes passam um tempo maior nas redes sociais virtuais do que em contato presencial com os amigos. A maioria dos entrevistados não busca criar as próprias comunidades e não possui fake. O Orkut é a primeira rede social dos adolescentes e, gradativamente, é substituído ou mantido junto com o Facebook. Os adolescentes entrevistados têm Orkut e Facebook.A maioria dos adolescentes usa o Orkut mais de duas horas por dia e considera que essa rede socialnão lhe traz problemas. A grande maioria dos adolescentes afirma que o que mais gosta no Orkut é poder participar das comunidades e conversar com os amigos.
Uma investigação nos fóruns das comunidades de Orkut
A partir da leitura dos fóruns de discussão de 50 comunidades formadas por adolescentes, estabelecemos uma classificação das comunidades, tendo como critério a forma como se organizam os seus fóruns de discussão. Dividimos as comunidades em: temáticas, fotos, informativas, sem fóruns, mercadológicas, grupos fechados e de líderes.
- As temáticas são as comunidades cujos fóruns de discussão se organizam em torno de um tema, que pode ser amor, amizade, sexo, esporte, religião, escola, comida ou outro.
- As de fotos são aquelas cujos fóruns se organizam em torno das fotos das pessoas que participam do jogo, a foto do seu perfil.
- As informativas são aquelas cujos fóruns se organizam para compartilhar informações específicas (sobre filmes, bandas, novelas, dentre outros).
- As sem fóruns são aquelas que, como o nome indica, não tem fóruns de discussão.
- As mercadológicas são aquelas cujos fóruns se organizam em torno de um produto ou marca, para a sua divulgação ou não.
- As de grupo fechado são aquelas cujo grupo de pessoas se formou fora do espaço virtual e que utiliza a comunidade apenas para manter contato entre elas.
- As comunidades de líderes são aquelas cujos fóruns se organizam em torno de um criador de comunidade (fake).
A maioria dos fóruns das comunidades de adolescentes pesquisados se insere na categoria de fotos, ou seja, os fóruns de discussão se organizam em torno das fotos de um de seus membros. Esta foto orienta os jogos ou tópicos, como: “beija ou passa?”.
Em segundo lugar encontram-se as comunidades temáticas. As comunidades do Orkut se formam pelo princípio da identificação e os laços se organizam entre semelhantes, que compartilham os mesmos significantes. A leitura dos fóruns de discussão das comunidades nos permitiram algumas observações:
- A quantidade se sobrepõe à qualidade - os adolescentes pertencem a muitas comunidades, mas nem sempre as frequenta e quase não posta comentários em seus fóruns de discussão.
- As fotos dos adolescentes são semelhantes, as imagens de corpos encenam uma sensualidade estandardizada, artificial, seguindo certa padronização estética.
- São comuns as exibições de objetos de consumo. Os óculos escuros, telefones celulares, bonés e roupas de marca se misturam aos corpos, quase como extensões corporais.
- A maioria dos laços que se constituem através das comunidades do Orkut não se estende para fora do espaço virtual.
- Os fóruns não se constituem propriamente como espaços de debates.
- As frases soltas, lançadas nos fóruns de discussão, não se encadeiam entre si, são inconclusivas.
- Os próprios criadores de comunidades não se interessam pelos debates, querem apenas lançar suas ideias e “ver se pega”, se fazem sucesso.
- As nomeações das comunidades ilustram os significantes ideais hoje, tais como: “quero ser magra”, “como ser autossuficiente”, “comunidade dos anoréxicos”, etc.
- Nessas comunidades, há uma crença na igualdade entre os membros do grupo e uma rejeição das diferenças.
Os grupos no Facebook
Os criadores do Facebook afirmaram que o rápido crescimento dessa rede de relacionamentos foi resultado do grande interesse dos jovens em saber mais sobre os amigos em um ambiente on-line mais informal. Ainda segundo eles, a novidade introduzida pelo Facebook foi a possibilidade de se criar um site em que os próprios jovens colocam fotos e informações pessoais que querem compartilhar com as outras pessoas, tais como idade, interesses, o que procuram na rede, e de poder convidar amigos para participar, formando um círculo social on-line, transferindo o seu círculo social da vida real para a internet. Uma rede social interativa (Mezrich, 2010).
Os termos de uso do Facebook declaram que os membros devem ter pelo menos 13 anos de idade, e qualquer membro entre 13 e 18 anos deve estar na escola. Uma vez que a pessoa tenha criado uma conta e respondido a perguntas sobre onde trabalha, estuda e mora, o Facebook irá gerar um perfil para ela. O objetivo desse site de relacionamentos é, como o próprio nome indica, formar uma rede de amigos. Existem várias maneiras de localizar os amigos. As redes são organizadas em quatro categorias: regiões, universidades, locais de trabalho e colégios. Ao se filiar a uma rede, é possível procurar, através da lista de membros, as pessoas que conhece. O Facebook pode extrair os contatos de uma conta de correio eletrônico na web e, através de combinações, oferecer ao usuário a opção de adicionar aquela pessoa como amigo. É também possível procurar alguém no site de busca.
O Facebook é um programa autoexplicativo e objetivo. Em sua página principal, à esquerda, estão localizados links com os seguintes tópicos: foto (de apresentação), mural (atividades recentes), informações (trabalho e educação, artes e entretenimento, informações básicas), fotos (para compartilhar com os amigos), notas, amigos e assinaturas (para selecionar os amigos de quem deseja receber atualizações). Abaixo, consta o número total de amigos virtuais do usuário e os links dos amigos. À direita da página principal são expostos os seguintes links: “editar perfil”, “solicitações de amizade”, “pessoas que talvez você conheça” e “patrocinado” (lista de anúncios e atividades patrocinadas). Bem no alto da página principal, à direita, existem três links: o nome da pessoa (página principal), “localizar amigos” e “página inicial”. Ao abrir a página inicial, estão localizados links à direita e à esquerda da página. À direita constam: “favoritos”, “grupos” e “aplicativos”. À esquerda, “criar evento”. A pessoa pode criar um evento, como por exemplo, uma festa de aniversário, e divulgar para uma lista de amigos. Ao abrir a página “grupos”, a pessoa preenche alguns dados: “criar grupo” (nome do grupo), “membros” (quem você deseja adicionar ao grupo) e “privacidade” (escolhe uma das três opções: aberto, fechado e secreto).
O Facebook é um espaço “limpo”, organizado e bonito. Neste espaço virtual, todos são “felizes, belos e têm muitos amigos”. As fotos são cuidadosamente selecionadas e as mensagens, em sua maioria, giram em torno delas. As informações e fotos compartilhadas são construídas para se passar para os amigos uma certa imagem “ideal”. No entanto, ao pesquisar os grupos de adolescentes, um espaço não muito utilizado por usuários do Facebook, foi possível penetrar em um universo não tão harmonioso. Os grupos se organizam em torno dos mais diferentes significantes, que incluem as nomeações sintomáticas atuais, como depressão, anorexia e bulimia.
Fizemos uma leitura de narrativas de adolescentes em alguns grupos do Facebook. Existem vários grupos de anorexia e bulimia no Facebook. Para ler os depoimentos dos adolescentes, pedimos para ser “adicionados” aos grupos. Para esta pesquisa, não buscamos analisar as especificidades dos grupos de anoréxicas nem discutir a presença dos “sintomas contemporâneos” nas redes de relacionamento virtuais. O que despertou o nosso interesse por esses grupos foi a faixa etária de seus membros, a maioria dos grupos é formada por adolescentes. Realizamos a leitura das narrativas dos adolescentes que pertencem a alguns grupos de anoréxicas do Facebook, buscando conhecer as modalidades de identificação e dos grupos formados nesse ambiente virtual.
O movimento pró-Ana, em favor da anorexia, defende a ideia de que a anorexia não é uma doença, mas um estilo de vida. Nos grupos pró-Ana do Facebook, as adolescentes (todas meninas) trocam sugestões para emagrecer rápido e sair do controle dos pais, compartilham receitas e fotos de anoréxicas e de artistas magras famosas. Nesses grupos, a magreza é exaltada e a gordura é o grande receio de todas. A comida é o grande vilão, um inimigo a ser combatido. Comer significa “perder o controle”, engordar até alcançar a obesidade. O temor pela obesidade as acompanha como um “fantasma”. Nas narrativas das adolescentes, exalta-se o controle alimentar a qualquer preço. Recusar a comida representa o alcance do autocontrole, da autonomia e do corpo perfeito. As percepções sobre magreza e gordura são extremas e inflexíveis.
O sentimento de não ser “igual”, mas diferente da maioria, de ser especial ou incomum, é frequente nos grupos de anoréxicas pesquisados. As adolescentes que participam do movimento “Pró-Ana” se definem como “princesas” ou “princesas de cristal”. Elas buscam um corpo perfeito, angelical e infantil, quase místico. O tema da sexualidade não apareceu nas discussões desses grupos.
3 - Discussão teórica: adolescência, identificação e formação de
grupos
na contemporaneidade
A discussão teórica tem como eixo fundamental o conceito de identificação em Freud e Lacan, referido à adolescência e à contemporaneidade. Buscamos inicialmente apresentar os principais conceitos que sustentam a nossa discussão, para, finalmente, articulá-los à leitura das narrativas dos adolescentes.
O conceito de identificação em Freud a partir da leitura de Lacan
Existe uma importante relação entre a identificação e o laço social na teoria psicanalítica. Freud, no capítulo VII do texto “Psicologia de grupo e análise do eu”, descreve a identificação como “a mais remota expressão de um laço emocional com outra pessoa” (Freud, 1921, p. 133). A identificação permite ao sujeito a construção de uma representação de si mesmo. Essa representação de si é oriunda do campo do Outro, ou seja, é fruto de um laço inaugural com o Outro. Freud postula que o laço existente entre os membros de um grupo é da ordem de uma identificação. A identificação é, pois, um processo estruturante da subjetividade e está na base do laço social.
Freud (1921), nesse mesmo texto, estabelece três fontes de identificação, que foram trabalhadas por Lacan em seu seminário sobre a identificação (Lacan, 1961-62). Resumidamente, podemos dizer que a primeira fonte de identificação, ao pai, é uma identificação direta e imediata, que coloca o pai na posição de ideal, um pai mítico, que implica em um real impossível de escrever, ponto em que está fixado o ideal.
A segunda fonte de identificação é ao traço. O sujeito se constitui via identificação ao traço unário do objeto perdido, quando então o objeto é erigido e restabelecido no sujeito. As propriedades do objeto assumidas pelo eu são reduzidas a um traço. Para Lacan, é o traço unário que permite a formação dos grupos, na medida em que sustenta o ideal do eu. O ideal do eu é a identificação inaugural do sujeito com o significante radical, o traço unário (Lacan, 1961-62, p. 35).
A identificação com o desejo é a identificação ao desejo do Outro. O desejo é estruturado pelo Édipo, que permite ao sujeito sair da posição de objeto do desejo do Outro e assumir a posição de sujeito desejante. Freud ilustra essa modalidade de identificação através do sintoma histérico. Na identificação por meio do sintoma, que ocorre na histeria, há um ponto de coincidência, um desejo comum entre dois eus, mantido recalcado. A identificação com o desejo ocorre porque as duas pessoas têm um elemento em comum, que Freud localiza na natureza do laço com o líder.
Lacan ressalta a identificação ao traço tomado do Outro, o traço significante. A identificação marca a relação desse traço com o ideal do eu. O S1 é o significante tomado do Outro como ideal. O ideal conjuga o sujeito e o Outro no significante radical da identificação inaugural (Lacan, 1961-62).
A incidência de uma marca é o que promove a emergência de um sujeito. Essa marca permanece indestrutível, mesmo revestida ou apagada. Ela reaparece como insígnia, que lembra a ausência. Se a primeira fonte de identificação é um furo real, como resultado do encontro com o Outro, a segunda reporta ao ideal, como traço que constrói e reveste essa marca invisível. O ideal representa, pois, o Outro, através de um traço único. Esse traço intervém na relação narcísica, constituindo a orientação dos investimentos libidinais e mantendo a função do eu ideal.
A identificação na adolescência
A fase da adolescência impõe ao sujeito a busca de novas identificações. Em “Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar”, Freud (1914) comenta a importância do desligamento que o jovem deve fazer do pai e sua substituição pela figura do mestre no tempo da adolescência. Ele acrescenta que tudo o que distingue a nova geração, tanto o que é portador de esperança quanto o que choca, tem como condição esse desligamento do pai. O desligamento da autoridade dos pais cria a oposição entre a nova e a velha geração, necessária à inserção social.
Na adolescência o sujeito experimenta uma dificuldade em situar-se no discurso que até então dava a ele uma ideia de si mesmo (Lacadée, 2011, p. 33), ou seja, há uma quebra das identificações que até então o sustentavam. Como atesta Lacadée, a linguagem confere a legitimidade de ser porque é o veículo das duas identificações do falasser: a constituinte e a constituída, descritas por Miller em Los Signos del goce (Miller, 2006).
Miller aponta para o caráter duplo da identificação ao desmembrá-la em identificação constituinte e identificação constituída (Miller, 2006, p. 107). Utilizando a metáfora do grito-chamado e situando-a no grafo do desejo de Lacan, ele ressalta que o grito se torna chamado pela suposição do Outro. Situando o grito na posição inicial do grafo, ele o define como uma emissão significante em estado bruto que só pode ser concebida como uma ficção teórica. O chamado é um grito dirigido ao Outro e que recebeu deste uma resposta. A resposta reconhece no grito um chamado, conferindo-lhe uma significação. Assim, o S1 só existe a partir do S2, da resposta, quando o sujeito surge como significação. Miller define a identificação constituinte como o S2 e a constituída como o S1. A identificação constituída é, pois, efeito da presença do Outro. Do lado do Outro se situa o operador da identificação e do lado do sujeito estão os efeitos da identificação. No entanto, é o grito que produz o Outro, no qual se aloja. A relação entre as duas formas de identificação não é, pois, temporal, mas lógica. De uma se deduz a outra. Miller destaca ainda a constelação de insígnias que caracterizam o conjunto das marcas que permitem a representação significante do sujeito (Miller, 2006, p. 113).
A identificação constituída é a do ideal do eu, que faz traço e é a referência com a qual o sujeito se vê digno de ser amado, e até amável (Lacadée, 2011, p. 22). O ideal do eu equivale ao ponto de basta que estabiliza o sentimento da vida, que dá ao sujeito seu lugar no Outro e sua fórmula (Lacadée, 2011, p. 46). Ele está ligado à função do Nome-do-Pai, que introduz a constituição de ideais com base no processo de identificação e leva à construção de uma resposta singular pelo sujeito. Ela permite ao sujeito ter uma ideia de si e orientar sua existência. É o vetor sobre o qual a identificação constituinte se apoia.
Lacan (1964), no seu Seminário Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, ao comentar sobre a pulsão escópica, destaca que é no espaço do Outro que o sujeito se vê, e o “ponto de onde” ele se olha também está nesse espaço (1964, p. 137).Para Lacan, o ponto do ideal é o “ponto de onde” o sujeito se verá como visto pelo outro, o que lhe permitirá suportar-se numa situação dual, satisfatória do ponto de vista do amor (Lacan, 1964, p. 263).
Lacadée ressalta a importância deste “ponto de onde” no momento do declínio do Édipo. O adolescente se apoia na função do pai, no ideal do eu, neste ponto de onde ele se vê amável e digno de ser amado, para se sustentar na existência de outra maneira. Este ponto, utilizado a partir da função do ideal do eu, faz referência ao terceiro tempo do Édipo, onde o mais importante não é necessariamente o pai que diz não, mas o pai que diz sim ao novo que surge na criança (Miller, 2000). Assim, a identificação constituinte se situa no “ponto de onde”, que é tarefa de cada um construir para inventar sua solução, um “saber fazer” com seu gozo. Esse “ponto de onde” se apoia na identificação constituída, na função significante. É o lugar que permite ao sujeito autenticar a construção de uma resposta singular, a sua fórmula. O “ponto de onde” permite ao adolescente dizer sim ao novo, ao real da libido que nele surge (Lacadée, 2011, p. 46). O encontro com o Outro na adolescência pode abrir esse “ponto de onde”, “o tempo de um espaço a ser compreendido de outra forma, à luz de um ‘sim’ referido à sua tomada da palavra, à sua parte de exceção, à sua enunciação sempre incomparável” (Lacadée, 2011, p. 23).
A adolescência é, portanto, um momento decisivo em que o sujeito se separa do significante mestre ideal (S1) que até então o sustentava. Há uma tensão própria da adolescência, entre o ideal e o objeto (Lacadée, 2011). Esta tensão pode ser compreendida à luz da definição de sujeito na teoria lacaniana. Segundo Miller (2006), o sujeito se define como significante e como gozo (S1 e a). O processo de constituição do sujeito envolve duas operações subjetivas: a alienação e a separação, descritas por Lacan (1964) no Seminário 11.
A alienação está na identificação primeira, formadora do ideal do eu, aquela em que o sujeito se vê como gostaria de ser visto pelo Outro. O sujeito, $, como vazio de significação, busca um complemento significante que supõe estar no Outro, (S1). Mas, Miller (2006) destaca que o sujeito, $, é também esvaziado de gozo, um esvaziamento provocado pelo significante. Assim, deve-se tomar os dois valores para o sujeito: S1 e a. O processo de alienação-separação estabelece que o S1 é tomado como interseção na alienação e o a é tomado como interseção na separação. Na alienação, o sujeito, como vazio de significação, busca um significante que possa representá-lo (S1) no Outro, um significante com o qual se identifica e se aliena.
Mesmo considerando o sujeito como efeito do significante do Outro (primeiras elaborações de Lacan), nessa relação há um resto que situa o sujeito como objeto. Para descrever a separação, Miller (2006) ressalta que, ao buscar no Outro um significante que o represente, o que ele encontra é a falta desse significante no Outro, e nesse lugar da falta no Outro o sujeito irá se alojar como a. Aqui estão colocadas as duas formas de complementariedade: uma com o significante e outra com o objeto. Miller esclarece que, na alienação, o sujeito está representado no Outro por S1. Na separação, o sujeito não está representado pelo Outro do significante, mas está localizado a partir da sua falta. O sujeito não pode fazer-se representar por a. A subjetivação de S1 se produz pela representação significante. S1 anula o sujeito e ao mesmo tempo o cria. Para subjetivar o a, o sujeito opera por meio do fantasma. O fantasma, sob o modo imaginário, é uma relação com o gozo. A pulsão é a relação com o gozo na dimensão real.
A função da insígnia é circunscrita por Miller (2006) nos termos S1 e a, que inclui o significante e o objeto. O S1, como traço unário, está em relação com o objeto a. Sujeito do significante e sujeito do gozo são as duas vertentes da insígnia. O Outro passa a apresentar a mesma duplicidade. O Outro é tanto o lugar do significante quanto um corpo que goza. O sujeito, $, esvaziado de significação e de gozo, busca um complemento significante que supõe estar no Outro, assim como supõe um Outro que goza.
A identificação, tomada como resposta à precariedade constitutiva do sujeito, pode ser referida tanto ao campo significante (como complemento significante), quanto a uma materialidade (como complemento de gozo). Para Miller (2006), no final de seu ensino, Lacan reúne o significante e o gozo para grafar o sinthoma. Miller propõe que, para acompanhar as teorizações de Lacan sobre o sinthoma, faz-se necessário pensar numa nova formulação de traço unário, não só da ordem significante, mas da ordem do gozo. O traço unário deixa de ter um caráter estritamente simbólico e passa a ser “fixão” de gozo. Ele passa a designar o sujeito não mais como efeito de significação, mas como resposta do real (Miller, 2006, p. 290). O traço unário testemunha o Um como marca de gozo, marca do Pai, possibilitando o início da ordem. Nessa perspectiva, acompanhamos um deslocamento operado na teoria lacaniana, da ênfase no simbólico para o real.
A partir das considerações de Miller (2006), podemos articular as duas formas de identificação, constituída e constituinte, tendo como referências o significante e o gozo. A identificação constituída é a identificação ao ideal (marca do Pai), vetor que dá ao sujeito seu lugar no Outro e sua fórmula, enquanto a constituinte se apoia na constituída, ou seja no ideal do eu, abrindo espaço para o novo que irrompe a partir do confronto com o real do sexo, na adolescência, para construir um saber-fazer com seu gozo, alojando o seu ponto de exceção, numa articulação entre o significante e o gozo.
Assim, na adolescência, ao se separar do significante mestre que até então o sustentava, há uma reatualização da perda de gozo, efeito da linguagem, que funda o sujeito, além do confronto com a impossibilidade da relação entre os sexos. O gozo, experimentado no corpo ou no pensamento, aberto a todos os sentidos, dá ao sujeito o sentimento de estar à parte, em ”exílio”(Lacadée, 2011).
A adolescência na teoria psicanalítica corresponde a um tempo lógico, em que o sujeito se depara com um vazio, com algo que não pode nomear, resultado do confronto com o que “faz furo no real” (Lacan, 1974): “a gestão impossível do sexo” (Lacadée, 2011). O adolescente, ao se confrontar com essa parte indizível que se impõe sobre ele, é remetido ao seu ser de objeto a, mas para não ser reduzido a ele, se apoia no ideal, cuja função é oferecer ao sujeito a possibilidade de se ver de um modo diferente do que é.
O sujeito pode responder de diferentes formas ao encontro com o real do sexo. Ele pode buscar preenchê-lo com os ideais sociais, que pode ser ilustrado nas várias comunidades virtuais marcadas pela forte presença de objetos de consumo; ou pode também tentar subverter os significantes ideais do Outro parental, que o levam a buscar se aproximar, por exemplo, de um grupo religioso ou político contrário ao dos pais. O sujeito adolescente pode ainda responder com o silêncio, o ato ou a língua transgressora, rejeitando o apoio de um discurso estabelecido, como destaca Lacadée. Ele pode inventar outros parceiros, outras cenas e outras comunidades de vida, ou seja, outros lugares de tradução. É nesse momento que o ciberespaço surge como um espaço atraente para os jovens, pela sua pluralidade de opções.
Os grupos na adolescência
A cultura oferece os significantes sociais e os adolescentes identificam-se com esses significantes para se inscreverem nas redes sociais. Assim, a formação de grupos é fundamental na adolescência, pois os grupos de pares oferecem novos significantes com os quais os adolescentes se identificam, favorecendo a inscrição social.
Kehl (2008) ressalta a importância do reconhecimento dos semelhantes na fase da adolescência, marcando a sua função na travessia do Édipo e na formação do laço social. Segundo Kehl (2008), o apelo ao reconhecimento é geralmente endereçado ao pai, pois este reconhecimento estrutura o sujeito. No entanto, na travessia da puberdade, o sujeito busca o reconhecimento dos semelhantes, que lhe devolvem, de um lugar fora do triângulo edípico, a confirmação de quem ele é: “[...] desde o traço unário fundado pelo nome do pai, até os traços secundários adquiridos a partir da série de empreendimentos em que ele se engaja, pela vida afora, na tentativa de realizar os ideais do eu” (Kehl, 2008, p. 88).
Desta forma, os semelhantes são aqueles que legitimam, no campo social, tanto aquilo que foi inaugurado para o sujeito pelo pai como aquilo que o sujeito faz para se diferenciar do pai. Kehl defende a ideia de que as identificações horizontais permitem ao sujeito passar da “prisão imaginária de uma identidade” (Kehl, 2008, p. 88) às possibilidades mais móveis de circulação por um campo identificatório. Para a autora, os campos identificatórios com os semelhantes podem produzir laços sociais, afinidades eletivas que incluam o semelhante na diferença, ou, ao contrário, podem produzir isolamento entre os grupos, que pode chegar à intolerância e ao fanatismo.
Os adolescentes, não mais identificados com a posição de criança, nem bem situados na condição de adultos, vivem uma incerteza identificatória. O risco que eles correm nesse momento é o de serem capturados por uma nomeação estigmatizadora oriunda do discurso do mestre que os aprisiona e os congela numa exclusão segregadora, mantidos na ilusão da identidade. Como adverte Lacadée (2011, p. 12), todo confinamento conserva uma ambiguidade, pois ao mesmo tempo em que aprisiona, reconhece e deixa ser/estar. Para Soler (1998), o grupo identifica, coletiviza e contém o gozo destrutivo. Nesse sentido, o grupo exerce uma função humanitária, mas, segundo a autora, esse efeito é interno e parcial, já que toda renúncia se paga com um retorno do gozo. O gozo contido no interior retorna ao exterior.
Buscamos, apoiados nestas considerações, ler as narrativas dos adolescentes nos fóruns das comunidades do Orkut e nos grupos do Facebook para conhecer a natureza desses campos identificatórios do universo virtual. E, ainda, investigar se os grupos formados a partir dessas identificações produzem laços sociais que incluem o semelhante na diferença, permitindo ao adolescente inventar sua própria abertura significante em direção à sociedade, ou, se, ao contrário, esses campos identificatórios produzem isolamento entre os grupos, tendo como efeito a segregação. Mas, antes de realizar essa reflexão, faremos uma discussão sobre as identificações na contemporaneidade.
As identificações na contemporaneidade
Partimos do pressuposto de que a contemporaneidade, com suas características de fragmentação, pluralização dos significantes, declínio do ideal e inconsistência do Outro, incide sobre os modos de identificação e de laço social na atualidade. Para fazer essa discussão, nos apoiamos nos textos de alguns autores que analisam a contemporaneidade, em especial, Laurent e Miller (1998), Miller (2006b), Bauman (2004) e Lacadée (2011).
Na modernidade, o laço social era orientado por um eixo vertical. As famílias se organizavam em torno do pai, que detinha “o saber” que orientava os seus membros. A família e as demais instituições sociais eram estruturas triangulares ou piramidais, com um ápice ideal, ocupado pelo mestre. Com a globalização, o conhecimento adquirido através da história da civilização virou apenas uma das modalidades de conhecimento, no meio de uma multiplicidade de saberes, com valores equivalentes. Houve um declínio da imago paterna e das referências universais de identificação. A queda do ideal clássico e a pluralização de novos ideais levaram a uma fragmentação, que determina a época contemporânea.
Para Miller (2006b), estamos na época do Outro que não existe, ou seja, no zênite social o predomínio é do objeto a e não mais do ideal. Miller (1998) destaca que, se a verdade sempre tem estrutura de ficção, na atualidade a estrutura de ficção fez submergir a verdade, a engoliu. Não se está na época do mal-estar da civilização, segundo o autor, mas na época do impasse, que é patente no nível da ética. A ética capitalista das virtudes, solução vitoriana que ainda existia na época de Freud, foi transportada e seu retorno hoje é sob formas inconsistentes e derrisórias. Quando não se encontra mais uma nova ética, ela passa a ser procurada pela via dos comitês de ética, que é uma prática de falação, ensurdecedora, que não tem chance de liberar uma relação ao real que não seja vaga. Há uma falência do humanitarismo, que não consegue resistir ao cálculo universal da mais-valia e do mais-de-gozar.
É nesse sentido que Miller (1998) afirma a promoção social do sintoma. A inexistência do Outro deixa um vazio que leva à promoção do laço social. Retomando o conceito de identificação, ele ressalta seu caráter de laço social. Miller observa que, enquanto na Europa se pratica a identificação vertical ao líder, que aciona a sublimação de uma forma poderosa, os Estados Unidos a sacrificam em benefício do que se pode chamar identificação horizontal dos membros da sociedade entre eles. Não há identificação ao mais-um, mas aos membros da sociedade entre eles. Freud já antecipava aí a inexistência do Outro e sua substituição pelos comitês de ética.
Não existem mais “grandes líderes”. A identificação vertical, ao líder, foi substituída pela horizontal, aos pares, claramente ampliada pela informática. Atualmente, vivemos “em rede”, com acesso a qualquer tipo de informação, sem barreiras temporais ou geográficas e sem a mediação de um mestre (Lima, 2009). O declínio da autoridade permite que qualquer um se autorize pela informação que oferece. São milhares de informações na rede, que se multiplicam a cada instante. Para Bauman (2004), uma das características da hipermodernidade é a fluidez, que se reflete nas novas formas de laços sociais. Nessa modernidade líquida, os laços se tornam mais fluidos, frequentes, breves e banais.
A civilização, segundo Miller (1998), é um sistema de distribuição de gozos a partir de semblantes. Relacionando com o conceito de supereu, Miller formula que uma civilização é um modo de gozo, um modo comum de gozo, uma repartição sistematizada dos meios e das maneiras de gozar. Se é possível falar de uma grande neurose contemporânea, seu determinante principal, segundo Miller, é a inexistência do Outro, o que leva o sujeito sair em busca do mais-de-gozar. Miller diferencia o supereu freudiano do supereu lacaniano. O supereu freudiano produziu o interdito e a culpabilidade. O supereu lacaniano produz o imperativo: goze! Esse é o supereu da nossa civilização.
O discurso capitalista oferece um gozo generalizado através dos objetos que provêm do discurso científico. O discurso capitalista abole as relações inconscientes, impede qualquer pergunta sobre a causa do desejo e instiga a busca frenética de satisfação através do consumo.
Como ressalta Santos (2006), comunidades inteiras são criadas com base num certo mais-de-gozar, que se caracteriza pela não particularidade. O objeto mais-de-gozar apaga a distinção, reduzindo os grupos à comunidade de adictos. Colocar o objeto a no lugar do Nome-do-Pai e fazer um grupo tem o efeito de abolir as diferenças, porque a relação do sujeito com o ideal do eu requer dele uma operação de recalque. Só assim surge a interpretação, a subjetivação. Se um objeto é promovido no lugar de agente, o resultado é o surgimento de um laço que dispensa a singularidade do sujeito, apaga-a, prescindindo da interpretação, da subjetivação.
Na contemporaneidade, portanto, é o campo do gozo que orienta o sujeito, e não o ideal. Há um desmembramento do laço social fundado no ideal. A proliferação de comunidades fundadas no princípio democrático da igualdade, do “todos iguais” e “todos com o mesmo direito”, frequentemente se assenta no direito a gozar como se quer e repousa na recusa em dar um lugar à exceção (Lacadée, 2011). Para Laurent e Miller (1998), na atualidade, somos confrontados a uma perda de confiança nos significantes mestres e a uma nostalgia dos grandes ideais. Para ele, os comitês de ética generalizados são as figuras onde a subjetividade de nosso tempo tenta restaurar o sentido moral do Outro nos tempos de fuga do sentido, do paradoxo da fusão dos gozos e de sua segregação. De diferentes maneiras, tenta-se constituir comunidades suficientemente estáveis para fazer face ao gozo do sujeito.
O sujeito apresenta maiores dificuldades em fazer a sua travessia pela adolescência na cultura atual. Pois, por um lado, ele está situado em um tempo lógico em que se separa do significante mestre ideal (S1) que o sustentava até então, momento de tensão entre o ideal (S1) e o objeto (a). Por outro, o Outro hoje se apresenta de forma inconsistente e não é possível extrair dele um significante que ofereça um sentido estável e seguro, sobre o qual o adolescente possa apoiar a sua identificação. Se o sujeito encontra dificuldades em buscar no Outro um complemento simbólico, essa mesma dificuldade se apresenta no campo do gozo. A vertente identificatória se apresenta cada vez mais referida aos objetos da civilização, de forma “generalista”. Ou seja, os adolescentes se apoiam nos objetos de consumo como forma de alcançar uma suposta “identidade”, como um apoio à identificação. No entanto, os objetos são oferecidos “para todos”, de forma generalista, o que leva a um apagamento das diferenças subjetivas. Dessa forma, como o adolescente pode encontrar hoje “o lugar e a fórmula onde possa ser autenticado o seu nome de gozo”? (Lacadée, 2011).
4- Considerações finais: uma reflexão sobre as formas de identificação nas redes sociais virtuais na adolescência
Nesse momento de ruptura com os significantes mestres, a internet oferece ao adolescente um universo aberto, aparentemente ilimitado, dotado de uma pluralidade de significantes, que propicia uma multiplicidade identificatória. No entanto, qual a natureza das identificações e dos grupos formados no mundo virtual? Acreditamos que essas identificações não se restringem ao universo virtual, mas ilustram as modalidades de identificação contemporâneas. A internet é um dispositivo da contemporaneidade que permite ao adolescente exercer novas modalidades identificatórias e criar novos laços sociais.
Mesmo afirmando existir diferenças entre o mundo on-line e o mundo off-line, os adolescentes encontraram dificuldades em estabelecer critérios bem definidos de diferenciação entre eles. Os jovens descrevem a internet como um espaço onde sentem mais facilidade para falar, onde são mais sinceros, verdadeiros, e, contraditoriamente, não têm confiança no outro, não fazem laços (“zero laços”), não tem intimidade, podem forjar aparências, fingir e não ter compromissos. Assim, eles são “mais verdadeiros” e, ao mesmo tempo, “mais falsos” nas interações virtuais. A divisão do sujeito explica as contradições e equívocos nas falas dos adolescentes. Ao forjar um personagem virtual, assumindo uma “falsa identidade”, o sujeito pode exercitar a sua fantasia e realizar os seus desejos mais secretos. Nessa perspectiva, torna-se problemático tentar localizar onde se encontra a verdade do sujeito, fora ou nos domínios do universo virtual. A psicanálise nos ajuda a entender o quanto é tênue a barreira que separa a ficção da realidade, o universo virtual do universo não virtual, na medida em que toda realidade tem a estrutura de ficção.
Distinguimos duas formas de participação dos adolescentes nas comunidades do Orkut e nos grupos do Facebook: uma fixa e outra móvel, que podem ilustrar duas modalidades identificatórias da atualidade.
Na modalidade que designamos como móvel, forma mais comum de participação, os adolescentes frequentam muitas comunidades, às vezes, centenas delas, mas não se fixam em nenhuma. Acreditamos que essa mobilidade pode caminhar para uma forma errática, quando o adolescente permanece à deriva, vagando infinitamente pelas diferentes ofertas identificatórias, sem conseguir eleger nenhum ponto de apoio significante para alojar o seu gozo.
A participação móvel ilustra também a mobilidade que é própria da contemporaneidade, descrita por Bauman (2004), Laurent e Miller (1998). A multiplicidade de ofertas significantes corresponde a uma pluralidade identificatória, que pode ser pensada na lógica da pluralidade de significantes (S1). Como adverte Miller (2006), a decadência da função do ideal e a promoção da função do mais-de-gozar levam à desconfiança contemporânea, à pluralização do significante amo, à sua pulverização. Na época do Outro que não existe, somos remetidos a uma nova lógica, não mais orientada pelo campo da linearidade e da representação promovida pelo significante mestre ideal (S1), mas da pluralização dos significantes, como um enxame S1, S1s: S1(S1[S1{S1→S2}]). A pluralização dos S1 poderia ilustrar uma nova forma de articulação entre os significantes? Apesar da sua fluidez e multiplicidade, os significantes poderiam operar, para alguns sujeitos, como semblantes, numa articulação entre o imaginário e o simbólico, dando um tratamento ao real? Esta é uma aposta.
Como nos lembra Lacadée (2011), o adolescente é o infinito, o indefinido, ele experimenta a equivalência de todos os pensamentos, vivenciando uma instabilidade de opções, desejos e doutrinas, sem que nada o retenha. O excesso de gozo não pacificado pelas palavras o leva a vagar. Mas, em algum momento o adolescente busca um ponto de basta, uma saída significante para nomear sua parte de indizível, para suportar o vazio de significação que lhe descortina nesse tempo da adolescência.
Designamos como fixa a forma de participação em que os adolescentes escolhem poucas comunidades (ou grupos) para participar e se fixam neles. O significante utilizado para nomear a comunidade ou grupo serve à identificação entre os seus membros, como as comunidades do Orkut de anoréxicos, deprimidos, cansados de viver e hiperativos. Os grupos de anoréxicas no Facebook são formados a partir de um significante comum, a anorexia, que lhes confere um sentimento de identidade nesse universo virtual. Podemos considerar que a forma de participação nesses grupos é fixa, pois as adolescentes se “aprisionam” nesses significantes vindos do campo do Outro. Nesse caso, a formação do grupo fortalece a identificação “imaginária” com a anorexia. Uma adolescente mexicana escreve no seu Facebook:
“Siempre tengo el presentimiento que no soy de este planeta, que soy de esos ''especimenes raros'' que habitan la tierra con algún propósito (aún no logro identificar cual es). A veces me pierdo en la inmensidad de mis pensamientos, por horas... quizá días, como en un oceano profundo. Y en lo más profundo de mis pensamientos llego a conclusiones a veces un poco absurdas a los oídos de los demás”. (C.L., consultado em 12/09/2011).
O sentimento de ser diferente da maioria, de “não ser desse planeta”, e, paradoxalmente, a necessidade de se agrupar com os semelhantes, com aqueles com quem pode compartilhar a “mesma diferença”, é frequente nos grupos virtuais. Soler (1998) destaca que o grupo é um campo de fenômenos narcisistas maciços e a pertinência ao grupo leva aos ganhos narcisistas. Ela chama a atenção para o fato de que, neste laço do sujeito com o Outro do significante, há uma dupla necessidade: incluir-se e subtrair-se. Nas admissões formais ou instituídas, o sujeito, ao pedir para ser admitido, busca ser representado pelo significante do grupo, incluir-se. Mas, ao ser incluído, admitido como um entre outros, o sujeito sente sua diferença aplainada e então aspira a distinguir-se. A autora aponta o paradoxo envolvido na identificação: o sujeito buscar incluir-se através da identificação com o grupo e distinguir-se para deixar aí o seu vazio.
Para Lacadée (2011), o gozo na atualidade deixa de passar pelo Outro, ou seja, não se articula mais ao grupo, não é mais garantido pela coletivização do modo de gozar, não é mais incrustado, organizado e solidificado pelo ideal. Assim, para o autor, nossa época é a dos adolescentes do real que preferem não só curto-circuitar o Outro, cuja fala não dão mais créditos, como também tratar o gozo pela relação direta com os objetos de consumo.
O discurso capitalista promete completar o sujeito através dos objetos de consumo. Há uma crise de valores associada à lógica capitalista e os objetos funcionam no lugar do ideal. Os discursos nos fóruns das comunidades do Orkut se constituem, em sua maioria, como monólogos coletivos, que não se encadeiam entre si e são inconclusivos. Como resultado da ascensão do individualismo na contemporaneidade, o importante hoje é “a minha felicidade”, “o meu sucesso” ou “a minha angústia” e raros são os temas que envolvem causas sociais ou questões políticas. A crise de sentidos associada à lógica capitalista faz com que os adolescentes associem a felicidade à imagem corporal e à aquisição de bens de consumo.
Se o objeto de gozo é o objeto perdido para sempre, essa falta constitutiva e inerente ao sujeito assume certa consistência lógica com o uso de objetos que têm o valor de um mais-de-gozar que lhe toma o lugar, assentando-se como objetos substitutivos, como lembra Lacadée (2011). Ao mesmo tempo, a cultura tecnocientífica se conjuga com a instância superegoica que exige sempre mais, oferecendo objetos para satisfazer a pulsão que privilegiam as sensações corporais. Assim, o objeto mais consome o sujeito do que é consumido por ele (Lacadée, 2011).
Os próprios adolescentes se colocam como objetos de consumo. Os jogos centrados em torno da foto de um membro fazem bastante sucesso entre os adolescentes. Podemos pensar que esta é uma forma encontrada pelo adolescente hoje de questionar qual o seu lugar no desejo do Outro. Nesses jogos, no entanto, o adolescente não se coloca como objeto “causa de desejo”, mas como objeto “mais-de-gozar”, oferecendo-se ao outro para que ele “beije ou passe”, ou seja, o use ou o descarte.
As inúmeras comunidades do Orkut seguem um padrão pouco variável, regido pelo mercado. Enquanto alguns adolescentes seguem os criadores de comunidades, outros tentam copiar os próprios adolescentes na internet, repetindo os seus discursos, fotos e poses. O Facebook, com o seu programa organizado e objetivo, não tem muito espaço para a diferença, para a exceção. É um programa feito segundo um modelo ideal de felicidade e socialização, cujas falas estão centradas em torno das fotos, “e todos curtem!”. Mas, mesmo com pouca margem para a diferença, as narrativas dos jovens podem deixar escapar a angústia, a desordem e a insatisfação, como os grupos que operam como “comunidades de gozo” no Facebook, dos anoréxicos, depressivos ou bulímicos.
As tecnologias virtuais encurtaram as distâncias, promovendo uma proximidade maior entre as pessoas. Essa proximidade, no entanto, é virtual, excluindo o corpo na sua dimensão real. Sabemos que o sujeito que interage com o outro virtual apresenta um corpo real que não pode ser totalmente abstraído pelo ciberespaço, já que ele pode sentir fome, frio, sono ou dor, fazendo o sujeito retornar ao mundo off-line (Zizek, 2006).
Mas, nas interações virtuais, é a dimensão imaginária do corpo que se apresenta ao outro. O corpo ocupa um lugar de destaque na adolescência. Como ressalta Lacadée (2011), o corpo, nessa fase da vida, inquieta por suas mudanças e é o lugar onde se atualizam o problema da identidade e do gozo indizível, que confere certa ideia de si. Daí o tratamento que o jovem dá ao corpo, que pode ser visto tanto no excesso de cuidados quanto nos maltratos, e até no gozo de marcas corporais, tatuagens e piercings ou nos ferimentos corporais deliberados.
Apesar da tentativa de se abolir o corpo físico nas interações virtuais, o adolescente investe muito na sua imagem corporal através das fotos expostas nas redes sociais. A imagem do corpo do púbere, em desarmonia, pode ser reparada, reconstituída, aproximando-se de um certo ideal de completude, sem falhas, graças às tecnologias da imagem. Essa imagem corporal é cuidadosamente construída a partir dos recursos tecnológicos que buscam aproximar a imagem do corpo de certo ideal de perfeição veiculado pela mídia. Assim, o corpo desconcertante, agitado pela pulsão, é um obstáculo à sua virtualização e, como tal, deve ser excluído das relações sociais virtuais.
O antropólogo Le Breton (2003) trabalha com a hipótese de que o ciberespaço é o lugar do desaparecimento do corpo. Nesse espaço imaterial, indivíduos espacialmente distanciados entram em contato. No entanto, o corpo fica pendente no espaço virtual, provisoriamente esquecido enquanto matéria. O ciberespaço é um território de imagens e signos, onde coexistem em virtualidade inúmeros corpos em potencial, mas não há um encontro entre corpos. Há uma interação entre imagens, criando personagens, situações e ações a partir de palavras. Nesse contexto, o corpo físico é desnecessário, e até indesejável, funcionando como um obstáculo à sua virtualização. Virtualmente pode-se vestir qualquer máscara, tornar-se qualquer personagem, ter qualquer forma, cor, toque e cheiro imaginável.
Como vimos, para Freud (1921), os grupos se constituem em torno do ideal do eu, que está na base do processo de identificação e do laço social. O ideal do eu permite ao sujeito ter uma ideia de si e orientar sua existência. O ponto do ideal é o “ponto de onde” o sujeito se verá visto pelo outro e que lhe permitirá suportar-se numa situação dual. A identificação ao ideal é a que suporta a identificação especular, imediata (Lacan, 1964). “Ela suporta a perspectiva escolhida pelo sujeito no campo do Outro, de onde a identificação especular pode ser vista de forma satisfatória” (Lacan, 1964, p. 253).
A predominância da dimensão imaginária corporal nas interações virtuais implica em certa perda da dimensão simbólica e real do corpo e pode capturar os sujeitos num curto-circuito especular, com todas as suas consequências. Poderíamos dizer que a identificação nos grupos virtuais é ordenada pelo “eu ideal” e não pelo “ideal do eu”?
As comunidades nas redes sociais se formam a partir de um significante ou uma imagem que opera como um veículo de identificação, que propicia a identificação imaginária. Nesses grupos, há uma tentativa de se construir um grupo homogêneo como suporte identificatório em que a diferença é foracluída. Há uma indiferenciação entre o eu e o outro. Essa identificação entre os seus membros, com a reivindicação da identidade, leva a um fechamento sobre si mesma, à segregação.
Sabemos que as três dimensões da subjetividade - imaginária, simbólica e real - estão presentes nas interações do sujeito com o ciberespaço. No entanto, essa proximidade virtual com o outro visa excluir o estranho, o diferente, considerado insuportável. Nesses agrupamentos, há uma tentativa de exclusão do objeto que remete ao gozo opaco, estranho e desconcertante, que aponta para a diferença, para o singular que escapa à norma. Como salienta Brodsky (2010), é o gozo que faz com que o Outro seja Outro, radicalmente diferente de mim. Retomando a operação de constituição do sujeito, a autora comenta que a alienação ao campo do Outro é seguida da separação, mas não se trata de separar-se do Outro, mas do gozo. Essa perda do objeto, essa extração de gozo que se opera no corpo, é o que orientará o sujeito e o distinguirá do Outro.
As relações sociais podem ser localizadas nos discursos estabelecidos por Lacan. No entanto, o próprio discurso tem lugar de semblante; ele faz semblante de laço. O laço entre duas pessoas sustenta-se na fantasia. O referente fantasmático do laço entre o sujeito e o objeto é uma escritura derivada da ausência da relação sexual. É uma tela que protege o sujeito contra o real da impossibilidade da relação. Tanto nas relações virtuais quanto nas presenciais, há uma tentativa de não se haver com a diferença, que remeteria o sujeito à impossibilidade da relação. Se a fantasia, assim como a tela do computador, media as relações entre o sujeito e o Outro, o virtual pode ser pensado como campo propício à expansão da fantasia, considerada aqui tanto como “uma tela que fecha ao sujeito o acesso ao real, quanto como uma janela que abre, para o sujeito, um ponto de vista sobre o real” (Naveau, 2011, p. 156). Como uma tela protetora, o ciberespaço pode fechar ao sujeito o acesso ao real, dado que o corpo que está presente nestas interações é o corpo na sua dimensão imaginária, sustentado numa falsa autonomia da imagem e do eu.
Os membros das comunidades acreditam que naquele grupo todos são iguais, sentem as mesmas coisas, compartilham os mesmos sofrimentos ou sonhos, e, portanto, se compreendem, podendo ajudar-se mutuamente. A comunidade do Orkut “Depressão e bipolaridade”, com 5.656 membros, tem o seguinte fórum: “Eu só queria que alguém....”. O fórum apresenta a seguinte discussão:
- “Eu só queria que alguém, qualquer um, nem que fosse só uma só pessoa, entendesse que não sou exagerada, não sou dramática, não sou louca, eu só tenho depressão!” (C. P).
- “O pior é que quem ñ tem ñ pode entender” (V.L.M.).
- “Eu também preciso de alguém, que me ame apesar do meu humor inconstante, em quem pudesse realmente confiar meus conflitos, que não canse de mim, como eu mesmo já estou, que não fizesse críticas tão duras e infundadas” (B.G.).
- “Eu entendo seu sofrimento acho que só tem mesmo pra entender o quanto a gente sofre... o pior que as pessoas acham que e frescura nossa mas na verdade estamos sofrendo bastante com essa doença silenciosa” (L.L.N.).
Barros (2009) apresenta uma diferenciação entre o semblante e o falso semblante, que se faz útil para as nossas reflexões. Enquanto o semblante apresenta uma função separadora, o falso semblante tem uma função alienante, que pode ser referida às identificações virtuais. Por excluir o estranho, o diferente, que remete ao objeto, no que ele acena de singular, esse agrupamento virtual tende à homogeneização, a partir da imposição de uma forma comum de gozo, apresentando uma função alienante, “escravizando os indivíduos a um Outro anônimo e plural, que dita o que é preciso para integrar-se ao mercado do consumo”, como um “falso semblante” (Barros, 2009). Já o semblante, ao contrário do falso semblante, pode ser considerado como um modo de tratamento do real (Salman, 2011), uma articulação entre o simbólico e o imaginário que toca o gozo. Por circunscrever o gozo, ele permite abordá-lo, apresentando uma função separadora.
Assim, as comunidades do Orkut ou os grupos do Facebook, na medida em que operam na tentativa de foracluir a diferença, na ilusão de igualar a si mesmo rejeitando o que parece estranho, funcionam como uma “camisa de força subjetiva” (Kehl, 2008), impedindo as manifestações singulares. Eles operam como comunidades de gozo, impondo um modo de gozo comum a todos. Nesses espaços de segregação, não há lugar para a exceção.
A constituição de comunidades baseadas em um mais-de-gozar comum não favorece o laço social, pois leva ao seu fechamento. Não são os sujeitos que se agregam nessas comunidades, mas os mais-de-gozar. Se o mais-de-gozar é da ordem da produção industrial, o objeto a é o produto singular de uma análise. Quando fracassa o gozo “que seria necessário”, se materializa o mais-de-gozar. Como diz La Sagna, vale melhor “saber usar o objeto a para a-rejar esse mundo poluído pelo mais-de-gozar” (2011, p. 242).
O adolescente, diante do confronto com o real do sexo, precisa de um tempo para compreender o que lhe acontece. Esse tempo para compreender é um tempo de exílio, fundamental para que ele possa, diante de um vazio de significação, produzir um novo sentido. Ao procurar uma comunidade no espaço virtual, o adolescente busca um grupo que possa ampará-lo nesse momento de desamparo. Diante de um gozo que transborda, o adolescente busca nos grupos (virtuais ou não) pontos de ancoragem significante para fixar seu gozo, além de novas formas de operar com ele. Nos grupos de “semelhantes”, ele compartilha o que lhe acontece de inédito, e que supõe só poder ser compreendido por um semelhante. Mesmo buscando um outro especular, nessas conversas muitas vezes “infindáveis” trocadas com os pares, o adolescente tenta dar um tratamento simbólico para a pulsão, como uma solução significante para o real, para aquilo que não se pode dizer.
Mas, para que o adolescente encontre “o seu lugar e a sua fórmula”, o grupo que o acolhe precisa suportar a falta de sentido, não recusando o estrangeiro e, assim, favorecendo a construção do novo. Como vimos, se a identificação com o significante aliena o sujeito ao Outro, o objeto a é o que o singulariza. O adolescente tanto quer ser incluído no grupo, para ocupar um lugar no campo do Outro, como quer dele se diferenciar para colocar a salvo a sua subjetividade. O grupo, ao abolir qualquer diferença, não deixa brecha para o surgimento de uma distância suficiente entre o eu e o Outro, condição para o desejo. Assim, a imposição de um modo de gozo comum a todos não abre espaço para que o sujeito crie uma solução singular. O encontro com o Outro na adolescência tanto pode obstacularizar quanto abrir esse “ponto de onde”, que, apoiado no ideal do eu, permite ao sujeito alojar o seu ponto de exceção na criação de numa solução inédita, de um saber-fazer com seu gozo.
Notas
1 - Essa pesquisa foi financiada pelo Programa Institucional de Auxílio à Pesquisa de Doutores Recém-contratados da Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (2010).
2- Fonte:
http://www.dnt.adv.br/noticias/cibercultura/brasil/ - consultado em 27/10/2010.
3 - Fonte:
http://www.socialmediabr.com/comportamento/the-world-of-social-media-2011-traduzido/#.TxWKdqU7VqY/ - consultado em 26/08/2011.
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Resumos
The identification of the contemporaneity: adolescents and social networks
This article presents the partial results of a research started in 2011 that aimed to understand the nature of the identification and the social bonds created by adolescents through online social networks. The methodology of this research included an investigation on two social networks – Orkut and Facebook – and also personal an online interviews with these adolescents. The basis of the theoretical discussion was an analysis of the connection between the identification process and the group formation on Freud and Lacan considering the adolescence period and the contemporaneity. We defend the hypothesis that the adolescents have mainly two forms of identification on the social networks: one variable that is characterized by multiple and fluid identifications, typical of the contemporaneity and the other one fixed in which there is an attempt to construct a homogeneous group identification console, with the forclusion of the difference, which leads to a closure over itself, to the segregation.
Keywords: psychoanalysis, identification, adolescents, contemporaneity.
L'identification dans la société contemporaine: les jeunes et les réseaux sociaux
Cet article présente le résultat partiel d'une recherche commencée en 2011 qui a pour but connaître la nature des identifications et des liens sociaux formés par les adolescents par le biais des communautés virtuelles sociales. La méthodologie de recherche a compris une enquête en deux réseaux sociaux virtuels - Orkut et Facebook - ainsi que des entrevues avec des adolescents. La discussion théorique a été basée sur l'analyse des relations entre le processus d'identification et la formation de groupes à Freud et à Lacan, en les articulant avec l'étape de l'adolescence, et la contemporaineté. Nous soutenons l'hypothèse selon laquelle il existe fondamentalement deux formes d'identification des adolescents dans les communautés virtuelles, une mobile et une fixe. La premiére correspond à une multiplicité et une fluidité identificatoires, caractéristiques de la contemporaineité. Dans la deuxième, il y a une tentative de se construire un groupe homogène comme support identificatoire, avec la forclusion de la différence, ce qui conduit à une fermeture sur lui-même, à la ségrégation.
Mots-clés: psychanalyse, identification, adolescents, contemporaneité.
Citacão/Citation: LAGUARDIA, N. A identificação na contemporaneidade: os adolescentes e as redes sociais. Revista aSEPHallus, Rio de Janeiro, vol. VI, n. 12, mai. a out. 2011. Disponível em www.isepol.com/asephallus
Editor do artigo: Tania Coelho dos Santos.
Recebido/Received: 21/02/2011 / 02/21/2011.
Aceito/Accepted: 04/04/2011 / 04/04/2010.
Copyright: © 2011 Associação Núcleo Sephora de Pesquisa sobre o moderno e o contemporâneo. Este é um artigo de livre acesso, que permite uso irrestrito, distribuição e reprodução em qualquer meio, desde que o autor e a fonte sejam citados/This is an open-access article, which permites unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium, provided the author and source are credited.
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