O sintoma em Freud1
The symptom in Freud


Flávia Lana Garcia de Oliveira

Graduanda da Faculdade de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Bolsista de Iniciação científica da CNPq
flavinhalana@gmail.com

Resumo

Este texto é uma revisão bibliográfica sobre o sintoma em Freud. Percorre das publicações pré-psicanalíticas às elaborações metapsicológicas que formalizam a primeira tópica. Freud e Breuer apresentam um estudo clínico com pacientes histéricos onde discorrem sobre os processos mentais que formam os sintomas, as circunstâncias psíquicas e contingenciais que favoreceriam sua formação e como a intervenção hipno-catártica poderia ser eficaz para sua eliminação. Nos diversos artigos que compõem as primeiras publicações psicanalíticas verificamos que, além da histeria, as sintomatologias das neuroses obsessiva, fóbica e de angústia orientam Freud na elucidação destes quadros clínicos. Discutimos a identidade entre sintomas, sonhos, atos falhos e chistes postulada por Freud tendo como referência o inconsciente. Todos são, por um lado, caminhos de acesso ao inconsciente e, por outro, expressão do recalque, uma vez que só podem irromper na consciência mediante certas transformações e ligações associativas.

Palavras-chave: psicanálise, sintoma, inconsciente, metapsicologia, neurose.

 

The symptom in Freud

Abstract

This work aims to revisit Freud's literature in the subject of symptom. It starts by the pre-psychoanalytical publications and goes to the meta-psychological elaborations that shape the first topic. Freud and Breuer present a clinical study with hysteric patients where they elaborate on the mental processes that shape the symptoms, the psychological and contingencial circumstances that might generate them and how hypno-cathartic intervention could be efficient to eliminate them. In the multiple articles that appear in the first psycho-analytical publications, we verify that beyond hysteria, the symptoms of obsessive, phobic and anguish neurosis guide Freud to solve these clinical cases. We discuss the identity between symptoms, dreams, lapses and Witz stated by Freud referring to the unconscious. They all are, on one hand, paths to the unconscious, and on the other hand, the expression of repression once they can only irrupt during conscience through some transformations and associative connections. 

Keywords: psychoanalysis, symptom, unconscious, meta-psychology, neurosis.

 

A interrogação sobre as manifestações sintomáticas características da histeria orientou Freud, até então em parceira com Breuer, no avanço de suas pesquisas sobre este quadro clínico. No artigo “Sobre o Mecanismo Psíquico dos Fenômenos Histéricos: uma Comunicação Preliminar” (1893), Freud e Breuer apresentam um estudo baseado na observação da clínica com pacientes histéricos no qual discorrem sobre que mecanismo psíquico estaria envolvido na formação dos sintomas, sobre quais circunstâncias psíquicas e contingenciais poderiam favorecer sua formação, além de como a intervenção psicoterápica através do procedimento hipnótico poderia ser eficaz para sua eliminação.

No referido texto, o sintoma é concebido por Freud e Breuer como efeito de um processo mental anterior, o qual seria desencadeado por uma causa precipitante. Existiria um intervalo entre o ponto que originou o sintoma e a sua primeira ocorrência. Esses dois pólos estariam conectados por correntes associativas correspondentes a elos causais intermediários. Os autores atribuem a causa determinante da formação sintomática a um evento com valor de trauma psíquico ou, mais precisamente, às lembranças do evento traumático. Para eles, “os histéricos sofrem de reminiscências” (1893, p. 43). Salientam que um grupo de eventos também poderia adquirir o estatuto de trauma psíquico parcial. O que poderia conferir essa qualidade traumática a qualquer um desses eventos seria, em primeiro lugar, a natureza do trauma em si, que não comportaria reação ou, em segundo lugar, uma forma de defesa contra coisas que o paciente tentava esquecer. Há ainda um terceiro estado mental mencionado por estes autores, um “estado hipnóide” no qual qualquer evento seria suscetível de ser traumático, independentemente de seu conteúdo.

As lembranças importantes na etiologia dos sintomas histéricos teriam algumas peculiaridades em relação a outras lembranças quaisquer. Nestes casos, o afeto provocado pelo trauma, que usualmente deveria ser eliminado por uma descarga através de uma ab-reação, ora pela via da linguagem, ora pela via motora, permaneceria vinculado à lembrança. Assim sendo, essas representações não sofreriam degradação temporal, permanecendo intactas na mente. Além disso, não seriam lembradas pelo paciente em estado psíquico normal. Sobre esse aspecto, Freud e Breuer utilizam as expressões “condition seconde” e “absence” para designar uma dissociação da consciência presente de forma rudimentar no paciente histérico entre um estado normal e um estado patológico, distinto e independente daquele, no qual as associações referentes às conteúdos representativos etiopatogênicos dos traumas psíquicos se organizariam em considerável autonomia.

Freud e Breuer (1893) se questionam do porquê dessas associações patológicas, muito mais do que outras representações, exercerem uma influência tão acentuada nos processos somáticos conversivos relacionados à sintomatologia histérica crônica. Neste caso, há uma intrusão do estado de consciência patológico na inervação somática, em geral sob controle da consciência normal. O sintoma pode ser compreendido, neste momento, como um resíduo de excitações psíquicas que atuaram como traumas que “brota” na consciência normal e que carrega por trás de si uma outra organização psíquica patológica. No caso dos sintomas histéricos, uma parte dessa excitação é transformada em sintomas somáticos.

Até agora foi possível observar como, para clarificar o mecanismo psíquico da formação sintomática, foi pertinente inserir o sintoma em uma conexão causal na qual em um extremo encontra-se a lembrança relacionada a um evento traumático, seguida de todo um processo de estrangulamento do afeto devido a sua não-ab-reação, tornando a representação um corpo estranho pertencente a um estado mental de associações organizadas e de elevado potencial patológico, incompatível com a consciência normal e cujo efeito neste estado mental normal é o sintoma, localizado no outro extremo do elo causal. Os casos clínicos apresentados por Freud nos Estudos sobre a Histeria (1893-1895) ilustram esta teoria: no caso Miss Lucy (p. 134-150), por exemplo, seu sintoma de sensações subjetivas de olfato descritas pela paciente como um constante “cheiro de pudim queimado” pôde ser relacionada a um momento traumático em que seu patrão, de quem era apaixonada, ficou furioso e gritou com ela após ver seus filhos sendo beijados por uma senhora, o que não o agradava. Também no caso Katharina (p. 151-160), as impressões ocorridas no período da infância, quando ainda desconhecia a vida sexual, só atingiram poder traumático após a um acontecimento auxiliar, a saber, o flagrante de seu pai e sua irmã em relações sexuais, o qual pode ressignificar as experiências anteriores como lembranças de traumas sexuais por parte de seu pai.

O método hipnótico proposto na época tem como objetivo suprimir o efeito através da cessação da causa, ou seja, o desaparecimento do sintoma estaria condicionado a clarificação da lembrança que o causara da forma mais pormenorizada possível que fosse capaz de despertar o afeto que a acompanhara e traduzi-lo em palavras. Dessa forma, através de um caminho de associações percorridas de forma inversa, do efeito até a causa, é possível, para Freud e para Breuer, introduzir a representação na consciência normal e, através da fala, propiciar uma descarga para o afeto acumulado. Freud fala, nesse sentido, de uma “compulsão a associar” característica de todos os histéricos.

No caso de Anna O., Breuer relata que seus dois estados de consciência só se comunicavam sob hipnose, momento em que se lembrava das alucinações de seu segundo estado de consciência. Breuer assevera que os complexos de representações produzidos durante as “absences” possuem seu efeito patogênico comprovado pelo fato desses complexos serem eliminados ou atenuados progressivamente ao receberem expressão verbal durante a hipnose em uma espécie de “limpeza de chaminé”, conforme lhe dizia a própria paciente. Segundo Breuer, “cada um de seus sintomas surgiram sob a ação de um afeto” (Ibid, p. 74). Entretanto, esse isolamento psíquico de certas representações seria uma medida defensiva do ego. Por isso, a tentativa de reuni-lo à consciência não é desacompanhada de fortes resistências e de intensificação dos sintomas, conforme Freud ressalta em seus casos clínicos (Ibid, p. 82-202).

Portanto, nessa perspectiva, a partir da fala sobre a lembrança do acontecimento traumático determinante, o sintoma perde o seu sustentáculo associativo, assim como, o afeto que o “alimentava”. De acordo com a técnica hipnótica de Freud e Breuer, tomando o sintoma como ponto de partida no tratamento e, com o seu rastreamento por meio das trilhas associativas, através da fala até que o paciente descrevesse a sua primeira ocorrência, o que resultaria no desaparecimento do sintoma e na possibilidade de explicar o mecanismo de sua formação.

No artigo “A Etiologia da Histeria” (1896), Freud afirma que “os sintomas da histeria são determinados por certas experiências do paciente que atuaram de modo traumático e que são reproduzidas em sua vida psíquica sob a forma de símbolos mnêmicos” (p. 190). Nesse sentido, Freud reconhece o mérito inaugural de Breuer de ter introduzido o método terapêutico de se fazer retroagir o sintoma até a cena através do qual ele surgiu. É penetrando a partir dos sintomas, como um trabalho arqueológico de exploração de uma região desconhecida, que é possível obter conhecimento de suas causas. O sintoma é entendido como uma testemunha da história da origem da doença e, assim sendo, deve ser escutado.

Freud ressalta que em raros casos se consegue fazer o caminho associativo entre o sintoma e sua etiologia para eliminá-lo (Anna O. é o caso prototípico desse método). Trata-se de um caminho complexo e acrescido de vários fatores complicadores, como nos casos de diversos sintomas simultâneos, nos quais uma diversidade de situações é vislumbrada, tais como uma série de lembranças que se ligam por associação, lembranças que funcionam como pontos nodais para as quais a associação sobre diversos sintomas convergem, como, de acordo com a metáfora de Freud, “árvores genealógicas se interpenetram” (p. 195).

O campo da sexualidade é destacado como base desta neurose: “qualquer que seja o sintoma que tomemos como ponto de partida, no fim chegamos infalivelmente ao campo da experiência sexual” (p. 196). Dessa forma, a hipótese formulada por Freud a partir dos laços lógicos e associativos desencadeados pela investigação do sintoma é a existência de um trauma ligado a uma experiência infantil de conteúdo sexual como precondição etiológica dos sintomas histéricos. Esta experiência sem efeito a princípio, seria despertada apenas na puberdade, exercendo ação patogênica em um segundo tempo, na forma de lembranças inconscientes.

O sintoma seria o resultado patológico de um esforço defensivo contra esta lembrança aflitiva. Além disso, Freud diz que os “sintomas histéricos são sobredeterminados” (p. 211), pois outras situações podem contribuir para a configuração do sintoma, o qual, no entanto, continua prescindindo da lembrança de uma experiência traumática. Freud postula que “Os sintomas histéricos são derivados de lembranças que agem inconscientemente” (p. 207). Assim, é somente à medida que essas lembranças forem inconscientes que uma operação pode ser realizada, de criação e manutenção dos sintomas histéricos.

Nesta mesma vertente, no “Projeto para uma Psicologia Científica” (1950 [1895]), um dos textos inaugurais da psicanálise, Freud constrói uma explicação para os processos psíquicos através de duas proposições principais: a compreensão do funcionamento mental privilegiando a dimensão quantitativa e a concepção do neurônio como a unidade fundamental do aparelho psíquico.

A segunda parte do “Projeto...” é destinada à elucidação dos processos psicopatológicos, especialmente os fenômenos histéricos. Freud assinala que na sua experiência clínica com a histeria, assim como com as obsessões, foi possível vislumbrar a característica quantitativa de uma forma mais intensa e, por isso, favorável para investigação dos eventos psíquicos.

O sintoma histérico mais uma vez é o ponto de partida de Freud para analisar a psicopatologia deste quadro. Freud observa, como o sintoma mais significativo na histeria, a presença de “uma compulsão exercida por idéias excessivamente intensas” (Ibid, p. 401) não justificáveis pela passagem dos eventos e que acarreta conseqüências incompreensíveis, como descarga de afeto, inervações motoras e impedimentos. Freud salienta a continuidade entre os processos psíquicos normais e patológicos, enfatizando que embora, idéias excessivamente intensas possam ocorrer normalmente, as idéias patológicas da histeria são de persistência muito mais acentuada e, além disso, este sintoma é incompreensível em sua origem, incongruente e impossível de ser resolvido pela atividade de pensamento. Freud ilustra sua formulação com o caso clínico de Emma, cuja compulsão era não poder entrar em lojas sozinha.

Segundo Freud, o sintoma, antes de ser submetido à análise, nos parece intruso, usurpador e ridículo. Neste texto, Freud fornece um sentido ao sintoma de modo a atribuir uma função a ele na dinâmica psíquica. Para tal, investiga a idéia compulsiva, persistente e absurda, que atravessa o sintoma histérico, denominando-a de Idéia A. Esta idéia aparentemente explicaria o efeito sintomático, embora sua relação com este seja impossível de ser apreendida. No caso clínico já citado, Emma associa o sintoma a uma lembrança que remontava à época em que tinha doze anos, quando, ao entrar em uma loja para comprar algo, viu dois vendedores rindo juntos e foi tomada por um afeto de susto, o que a fez sair correndo da loja. A tal lembrança se acrescentou depois que os dois estavam rindo de suas roupas e um deles lhe havia agradado sexualmente. Tal lembrança (Idéia A) não explica nem a compulsão nem a determinação do sintoma.

A contribuição da análise de Freud encontra-se justamente na descoberta, em sua experiência clínica de uma certa idéia B, a qual clarifica toda a incongruência entre a idéia A e o sintoma. A idéia B esclarece as conseqüências sintomáticas, sendo possível conferi-lhes um sentido. Tomando novamente o caso de Emma para ilustrar esta teorização, Freud assinala que novas investigações conduziram a revelação de uma nova lembrança, que Emma nega ter tido em mente na ocasião da primeira lembrança (idéias A): aos oito anos foi a uma confeitaria duas vezes; na primeira vez, o proprietário agarrou as suas partes genitais por cima da roupa; na segunda vez, retornou à confeitaria e depois parou de ir. Segundo Freud, seu estado de “consciência pesada e opressiva” remonta a essa experiência (idéia B).

A relação particular mantida entre as idéias A e B é justificada por Freud na medida em que a idéia A é concebida como um substituto ou uma formação simbólica patológica da idéia B. Há um deslocamento associativo entre estas idéias de modo que a idéia B, símbolo de A, pode ser facilmente retomada na consciência se o elo associativo entre elas for percorrido. Entretanto, Freud assinala que enquanto A é compulsiva, ou seja, superinvestida, B é recalcada da consciência por ser despojada de investimento, o que dificulta o acesso a B pela resistência decorrente do desinvestimento, além de possibilitar que A, pela relação associativa entre ambos, surja no lugar de B toda vez que uma associação seja capaz de ativá-la.

Na investigação do vínculo associativo entre as duas idéias, Freud afirma que a própria paciente indicou o riso, presente tantos nos vendedores, quanto no dono da confeitaria. De acordo com Freud, o riso dos vendedores evocou inconscientemente a lembrança do proprietário. Além disso, em ambas as situações, Emma estava sozinha na loja. Freud conclui que “a lembrança despertou o que ela certamente não era capaz na ocasião, uma liberação sexual, que se transformou em angústia” (p. 408). O afeto de susto que surgiu na segunda ocasião deveu-se ao temor de Emma que os vendedores da loja pudessem repetir o atentado, e, por isso, saiu correndo.

Portanto, se a idéia que, a princípio, causaria o sintoma não revelava nenhuma conexão com este, parecendo o sintoma, por este motivo, desprovido de sentido, estranho e injustificável para um observador, a partir da consideração de uma outra idéia não facilmente acessível, porém determinante para a formação sintomática, o esclarecimento do mecanismo da formação sintomática se torna mais próximo.

Como já foi dito anteriormente, Freud explica que nos fenômenos histéricos há uma relação particular entre duas idéias, sendo que uma delas possui um vínculo direto com o sintoma, conferindo-lhe sentido e inteligibilidade. Entretanto, esta idéia encontra-se recalcada por estar relacionada a um afeto desprazeroso e sexual, sendo substituída por outra idéia vinculada à primeira por associação, uma formação simbólica, a qual, na mesma medida do recalque é compulsiva e a partir da qual o sintoma parece desconexo, absurdo sem determinação. E é a esta última conformação que a consciência tem acesso e toma como referência para compreensão do sintoma.

Porém, Freud assinala uma outra peculiaridade da relação entre as duas idéias fundamental para a compreensão do funcionamento mental histérico e, por conseguinte, da formação sintomática. Segundo Freud, a liberação de afeto só seria possível em casos em que a estrutura egóica não pudesse impedi-la. Nesse sentido, quando há uma primeira percepção liberadora de afeto desprazeroso, a estruturação egóica se modifica de forma que uma percepção semelhante e subseqüente não ocasione a liberação de afeto. A operação realizada pelo ego consiste em sobrepor os processos secundários aos primários.

Entretanto, Freud aponta que no caso da histeria a liberação de afeto ocorre apenas em um segundo momento, isto é, no momento da lembrança de uma determinada experiência. Nesse momento, a liberação não pode ser impedida pelo ego, pois este incide somente contra estímulos perceptivos, não lembranças. Tais lembranças remontariam a experiências de estimulação sexual anteriores ao período da puberdade, quando as vivências sexuais não poderiam ser significadas, causando somente, conforme Freud, um “afeto de susto” (p. 407). A partir de uma experiência posterior vinculada associativamente com a primeira, o afeto referente à lembrança da primeira experiência seria liberado.

Podemos observar, portanto, uma dupla temporalidade à medida que é necessário um segundo tempo, a posteriori, para que a lembrança da primeira experiência, e não a experiência em si, pudesse adquirir um contorno afetivo, patológico e, dessa maneira, produtor de sintomas. As idéias A e B destacadas por Freud para explicação do sintoma histérico dizem respeito a esse intervalo entre uma experiência posterior e determinada lembrança patológica desencadeada. Embora essa experiência não seja em si própria patológica, ela é condicional para a formação patológica e oferece elementos para a conformação do próprio sintoma.

Neste sentido, Freud enfatiza a liberação sexual prematura, ainda anteriormente à puberdade, na gênese do quadro histérico. Pode-se que Freud destaca algo da ordem da sexualidade infantil, porém ainda restringindo este aspecto ao campo da patologia. O mesmo acontece com o conceito de recalque, o qual é compreendido como uma defesa patológica. Freud, aos poucos opera um movimento de extensão do funcionamento mental patológico ao contexto do funcionamento normal. Com relação ao mecanismo psíquico da formação do sintoma histérico, Freud o compara aos processos oníricos, posto que em ambos os processos primários estão em questão.

Posteriormente, as “Primeiras publicações psicanalíticas” (1893–1899) contêm artigos que também lançam luz para a compreensão do sintoma nesse momento da obra freudiana. Algumas das hipóteses fundamentais de Freud, como as idéias de defesa, inconsciente, o papel desempenhado pela sexualidade nas neuroses, além da teoria do investimento, são encontradas no seu artigo “As neuropsicoses de defesa”, de 1894. Neste artigo, destinado ao estudo da psicopatologia, Freud tenta explicar o mecanismo psíquico envolvido na formação de sintomas obsessivos e fóbicos, tendo como paradigma a teoria psicológica da sintomatologia da histeria.

Para Freud, os três tipos de psiconeuroses sobrevêm de uma atitude defensiva em um momento traumático. A defesa é concebida como um ato ou um esforço voluntário do sujeito no sentido de retirar o afeto de uma determinada representação incompatível com a atividade de pensamento, transformando esta representação em uma representação fraca, ou seja, sem exigência de trabalho associativo e que resulta em uma divisão da consciência em dois grupos psíquicos. Freud salienta que as representações aflitivas sobre as quais os mecanismos defensivos atuam têm como fonte a vida sexual dos sujeitos. Desse modo, a defesa seria uma reação patológica que produz o sintoma e que se erige continuamente, sendo um trabalho interminável. O sintoma se configura como um símbolo mnêmico carregado desse afeto ligado à representação recalcada e, assim sendo, como um “parasita” (p. 56) que “dá notícia” de um segundo grupo psíquico separado.

No que diz respeito à histeria, sua particularidade encontra-se no fato de a representação incompatível ser tornada insignificante pela “transformação de sua soma de excitação em alguma coisa somática” (p. 56). Freud denomina este mecanismo particular de conversão. A teoria psicológica das obsessões e fobia se distingue da histeria de conversão porque, naqueles casos, o afeto não é escoado por uma via alternativa, permanecendo obrigatoriamente na esfera psíquica. A representação é enfraquecida, mas através de outro método de defesa: “[...] seu afeto, tornado livre, liga-se a outras representações que não são incompatíveis em si mesmas, e graças a essa ‘falsa ligação’, tais representações se transformam em representações obsessivas” (p. 59). No artigo “Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa” (1896b), Freud prossegue concebendo que os sintomas neuróticos emergem por meio de um mecanismo de defesa inconsciente. Os sintomas neuróticos são compreendidos como tentativa de recalcar uma representação incompatível que se opõe aflitivamente ao ego.

Em “Obsessões e fobias: seu mecanismo psíquico e sua etiologia” (1895 [1894]a), por sua vez, Freud postula as obsessões e as fobias como neuroses totalmente distintas uma da outra, com especificidades próprias com relação aos mecanismos psicológicos envolvidos e aos fatores etiológicos que as explicam. Com relação à classe das fobias, parece que, neste artigo, seu mecanismo psíquico é ainda muito obscuro para Freud, pois este chega a afirmar que a fobia “não tem qualquer mecanismo psíquico” (p. 85). Para Freud, o que difere as obsessões das fobias é que, nestas últimas, o estado emocional em questão é sempre a angústia, de medo. Freud explica que, ao contrário das obsessões, não há uma representação incompatível a ser substituída. Parece que para Freud, ainda não é possível determinar qual o processo psíquico responsável pela seleção de uma certa representação para tornar-se alvo da fobia. A angústia, portanto, não derivaria de uma lembrança, isto é, de uma representação original.

No artigo “Sobre os fundamentos para destacar da neurastenia uma síndrome específica denominada ‘neurose de angústia’” (1895 [1894]b), Freud se esforça em inserir a neurose de angústia na teoria das neuroses, concebendo-a como uma entidade independente na medida em que, para Freud, é possível delinear um quadro clínico específico, um mecanismo psíquico da formação de seus traços clínicos, isto é, dos sintomas, bem como localizar certos fatores etiológicos comuns a todos os casos dessa neurose. No tocante ao mecanismo psíquico da neurose de angústia, a postulação mais básica de Freud é de que não se pode atribuir a “nenhuma origem psíquica a angústia que subjaz aos sintomas clínicos da neurose” (p. 108). De acordo com Freud, o que há em jogo nesta neurose é um acúmulo de excitação, ao mesmo tempo em que se observa uma diminuição acentuada do que Freud chama de “libido sexual” ou “desejo psíquico”, se referindo a uma participação psíquica decorrente da excitação de origem somática, mas que difere desta. Os sintomas da neurose de angústia são compreendidos como “substitutos da ação específica omitida posteriormente à excitação sexual” (p. 112)

Em “A Interpretação de Sonhos”, de 1900, podemos observar que Freud formula diversas considerações teóricas que possibilitam destacar a identidade entre a formação dos sonhos e atividade psíquica que desemboca nos sintomas. Um dos fundamentos da metapsicologia dos sonhos construída por Freud é que estes são providos de sentido e podem ser inseridos na cadeia contínua dos processos mentais do sonhador, ou seja, são atos psíquicos importantes quanto quaisquer outros. Mais adiante, “Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana”, de 1901, Freud prossegue o desenvolvimento das teses fundamentais de “A Interpretação dos Sonhos”. Este posicionamento de Freud em relação aos sonhos lhe permite avançar na construção da estrutura psicológica que viria a culminar na postulação de um pilar teórico da psicanálise, a saber, o inconsciente (conforme será mais bem desenvolvido a seguir). Tal mudança de perspectiva parece similar à operada por Charcot em relação ao sintoma histérico, fato este que permitiu na época a abertura do campo de estudo das neuroses, imprescindível para o desenvolvimento da psicanálise.
Freud esclarece os dois fenômenos que marcam os sonhos (a natureza do desejo que é a força propulsora do sonho e o caráter distorcido da sua apresentação) através da hipótese topológica, baseada na observação dos fenômenos neuróticos, de existência de duas instâncias psíquicas com funcionamento e operações próprias: inconsciente e pré-consciente. A primeira submeteria sua atividade de à segunda, a qual exerceria uma crítica que envolveria a sua exclusão da consciência. O sistema inconsciente é o ponto de partida para formação do sonho. Nele estão contidas cadeias de pensamento ativas no psiquismo, todas lutando para encontrar expressão de forma persistente.

Em contrapartida, o sistema pré-consciente tem função de guardião, mantendo as cadeias de pensamento inconscientes recalcadas, impedindo-as de avançar e ganhar acesso à consciência. Para Freud, há um mecanismo especial que ocorre durante o estado de sono, denominado regressão, durante o qual a resistência pré-consciente enfraquece, sendo possível a formação do sonho, o qual, entretanto, não sem sofrer efeitos da censura psíquica remanescente do pré-consciente.

Portanto, Freud nos indica que os sonhos são resultantes de um processo de distorção operado pela constante censura psíquica sofrida pelos pensamentos oníricos da qual o sonho, além da tentativa posterior de elaborá-lo estão submetidos. Dessa forma, o material apresentado na elaboração secundária do sonho consiste em substitutos e deslocamentos que “noticiam” a existência dos pensamentos oníricos, possuindo uma ligação associativa com estes. Esta ligação associativa ocorre à medida que o inconsciente tece ligações com o material do sistema Pcs. mais recente e com os restos diurnos. Segundo Freud, “As associações superficiais substituem as profundas quando a censura torna intransitáveis as vias normais de ligação” (1901, p. 561).

Algumas articulações sobre a analogia anteriormente destacada entre o comportamento dos sonhos e dos sintomas já podem ser avistadas. Conforme Freud, “o que é encontrado como tal nas psiconeuroses é sempre explicável como um efeito da influência da censura numa cadeia de pensamentos empurrada para primeiro plano por representações-meta que permaneceram ocultas” (p. 560). O inconsciente freudiano, enquanto sistema psíquico, abriga moções de desejos indestrutíveis, permanentemente ativos e com insistência inesgotável de se expressarem na consciência. É o lugar da realidade psíquica e da fantasia.

Nesse sentido, Freud ressalta que:

“Se existe um sistema Ics. (ou, para fins de nossa discussão, algo análogo a ele), os sonhos não podem ser sua única manifestação; todo sonho pode ser uma realização de um desejo, mas, além dos sonhos, tem de haver outras formas anormais de realização de desejo. E é o fato de que a teoria que rege todos os sintomas psiconeuróticos culmina numa única proposição, que assevera que também eles devem ser encarados como realizações de desejos inconscientes” (1901, p. 597).

Os sintomas e a produção onírica têm seus mecanismos psicológicos desvelados tendo como referência o inconsciente postulado por Freud. Podemos entender a consciência como o lugar de efeitos e o inconsciente como o lugar da causa psíquica. Nesse sentido, os sonhos e os sintomas são, por um lado, caminhos de acesso ao inconsciente, por outro lado, são expressão da interdição, uma vez que só podem irromper na consciência mediante certas transformações. Logo, a atividade inconsciente da fantasia tem participação na formação dos pensamentos oníricos e dos sintomas.

A respeito das cadeias de pensamento inconscientes, Freud assinala o papel desempenhado pelas experiências infantis e pelas fantasias, nas quais as experiências recentes, sejam sintomáticas ou oníricas, se baseiam. Nesse sentido, há uma regressão temporal envolvida em ambos os mecanismos, visto que remetem a períodos arcaicos da vida anímica dos sujeitos.

Uma outra similaridade pode ser identificada entre os sonhos e os sintomas na medida em que ambos resultam apenas da expressão de um desejo inconsciente realizado, mas também de uma formação de compromisso entre os sistemas Ics. e Pcs. Isto é, o surgimento de um sintoma ou sonho deriva de um conflito entre os dois sistemas: para que possam irromper na consciência, é preciso que sirvam aos dois, enquanto forem compatíveis entre si.

Assim sendo, os processos psíquicos explicitados por Freud a partir do estudo das psiconeuroses permitiram-lhe abordar a psicologia do trabalho do sonho, expandindo a idéia de que uma representação inconsciente incapaz de penetrar no pré-consciente devido ao recalcamento, só podendo exercer algum efeito estabelecendo vínculo com uma representação pré-consciente para a qual transfere a sua intensidade, fazendo-se encobrir por ela. Forma-se, desta maneira, uma representação simbólica do inconsciente na consciência, a qual podemos chamar de sintoma no campo patológico, ou de sonho, no campo da vida anímica comum a todas as pessoas em estado de sono.

Dessas observações, podemos concluir que ao sublinhar as semelhanças entre os mecanismos dos sintomas e dos sonhos, Freud também salienta a proximidade entre o funcionamento mental patológico ao normal, ao afirmar que o sonho representa um conteúdo recalcado, isso significa que todos passaram pelo recalque. O mesmo é realizado com relação aos atos falhos. Concluímos que os atos falhos e as produções oníricas desempenham o mesmo papel dos sintomas em suas características essenciais de trabalhar: todos são determinados por pensamentos inconscientes recalcados, aos quais se nega qualquer outra forma de expressão. São representações simbólicas decorrentes do trajeto percorrido pelos desejos inconscientes por caminhos associativos que os distorcem através de condensações, deslocamentos e formações de compromisso, resultando em sua completa modificação. Os sintomas e os sonhos são efeito de uma utilização mais livre dos recursos associativos.

Freud submete à investigação psicanalítica (1901) vários atos falhos de ocorrência típica: esquecimento de nomes próprios, palavras estrangeiras, de nomes e seqüências de palavras, de impressões e intenções; lapsos de linguagem; equívocos na ação, atos casuais ou sintomáticos e erros. Segundo Freud, todos os tipos de casos de ato falho têm em comum, independentemente do material, o fato de não estarem entregues a uma escolha psíquica arbitrária, como se tende a pensar, mas estão a serviço de propósitos obscuros. Freud demonstra que todos exibem o mesmo mecanismo psíquico, o qual diz respeito à possibilidade de estabelecer uma ligação, por via associativa, com um conteúdo de pensamento inconsciente.

Nesse sentido, os atos falhos, assim como os sintomas e os sonhos, são efeitos manifestados cuja fonte são conteúdos inconscientes de pensamentos. Há uma interferência de cadeias de pensamentos estranhas, isto é, não conscientes para o sujeito no momento, o qual nada parece saber. Portanto, os atos falhos também possuem um sentido simbólico, posto que expressam fantasias inconscientes mediante um vínculo associativo, geralmente superficial com o que é perturbado. Em outras palavras, o elemento recalcado se apodera, em condições favoráveis, por associação de um elemento oriundo de outro lugar, para que possa prevalecer, análogo ao processo que ocorre na formação do sintoma ou do sonho.

Nos Artigos sobre Metapsicologia, de 1915, Freud empreende uma exposição completa e sistemática de suas teorias psicológicas, proporcionando uma fundamentação teórica consistente e estável à aos fenômenos clínicos observados pela psicanálise. Mais especificamente no artigo “Repressão” (1915), Freud nos oferece uma formulação sobre a teoria do recalque (Verdrängung). As notas do editor inglês antecipam a consideração de que o conceito de recalque foi inevitavelmente sugerido pelo fenômeno clínico da resistência, que só pôde ser vislumbrada por uma inovação técnica, o abandono da hipnose no tratamento catártico da histeria. Em um texto seu produzido no ano anterior, “A História do Movimento Psicanalítico” (1914), Freud já havia declarado que “a teoria da repressão [recalque] é a pedra angular sobre a qual repousa toda a estrutura da psicanálise” (p. 26).

Passar para o estado de recalcamento é uma das vicissitudes que a pulsão pode sofrer. Baseado em sua experiência clínica de observação psicanalítica das neuroses, Freud explica que a condição necessária para que o recalque aconteça é que a sua finalidade (de satisfação) embora, invariavelmente agradável em si mesma, produza desprazer em circunstâncias peculiares nas quais se torna irreconciliável com outras reivindicações e intenções, condição em que a pulsão causa prazer em um lugar e desprazer em outro. Nesse sentindo, Freud também afirma que o mecanismo defensivo do recalcamento não existe desde o princípio da vida mental do indivíduo (antes dela a pulsão estava sujeito a outras vicissitudes anteriormente enumeradas), prescindindo de que uma cisão entre a atividade mental consciente e a inconsciente tenha ocorrido: há, para Freud, uma extensa correlação entre o que é recalcado e o que é inconsciente.

No capítulo IV do artigo “O Inconsciente”, Freud aperfeiçoa esta teoria, concluindo que “a repressão constitui essencialmente um processo que afeta as idéias na fronteira entre os sistemas Ics. e Pcs. (Cs.)” (p. 185), iluminado o entendimento desse mecanismo lançando o conceito de contra-investimento (ou anticatexia). Esse conceito se refere ao meio pelo qual “o sistema Pcs. se protege da pressão que sofre por parte da idéia inconsciente” (p. 185).

Freud destaca que a verdadeira importância do recalque deve ser procurada em seus efeitos, uma vez que, nas palavras do autor, “o mecanismo de uma repressão só nos será acessível se deduzirmos esse mecanismo a partir do resultado do recalque” (p. 158). Portanto, a operação realizada por este mecanismo não faz com que o representante da pulsão deixe de existir. O recalque, ao interferir na relação do representante da pulsão com o sistema Cs., não impede que este continue a se desenvolver no Ics. desprovido da influência do Cs., onde, muito pelo contrário, ele “prolifera no escuro”, se organizando de tal forma a possibilitar a produção de derivados ou formações substitutivas.

Desse modo, tendo em vista a clínica com as neuroses, Freud aponta que os sintomas neuróticos são derivações do recalcado, revelando o poder do representante pulsional em assumir formas de expressão, as quais, uma vez apresentadas e traduzidas ao neurótico, irão causar-lhe estranhamento. Nesse sentido, podemos pensar na clínica do sintoma na medida em que, a técnica da psicanálise, cuja regra fundamental é a associação livre e sem censuras do paciente tem seu embasamento teórico pela idéia de que, ao associar livremente, o paciente produz derivados do recalcado. Assim sendo, a associação sem censura promoveria a reconstituição da tradução consciente do representante recalcado. Segundo Freud, no decorrer do processo associativo desprendido pelo paciente, chega-se ao encontro com um pensamento, cuja relação com o recalcado fica tão óbvia que faz com que o indivíduo repita a sua tentativa de recalque ante a premência da satisfação inconsciente, o que se expressa no tratamento como uma resistência da consciência em associar.

Segundo Freud, “o recalque deixa sintomas em seu rastro” (p. 158). Vimos que o mecanismo do recalque pôde ser elucidado apenas considerando as vicissitudes que o representante pulsional (ou, mais especificamente, sua parcela ideacional) passam como resultado desse processo. Em avanço, ainda observamos que tais vicissitudes só podem ser acessadas através de seus efeitos no Cs., já que há uma transformação das representações com o objetivo de distanciá-las do conteúdo originalmente recalcado, obtendo assim, às custas de enlaces associativos, condições de superarem a censura e a vigilância exercida pelo recalque, atingindo o Cs., sob a forma de formações substitutivas e sintomáticas.

E, nesse sentido, o estudo das neuroses mostrou-se um campo fecundo de exploração dos efeitos do recalcado. Freud afirma que os processos formadores dos sintomas, assim como de outros substitutivos, são indicações de um retorno do recalcado. O autor recorre à experiência clínica com as neuroses para desvelar quais mecanismos ocorrem entre o recalcamento e a formação sintomática na tentativa de oferecer uma descrição metapsicológica que dê conta desta articulação. Três quadros de neurose de transferência são analisados: a histeria de angústia, a histeria de conversão e a neurose obsessiva.

De acordo com Freud, a suposição da existência de algo mental inconsciente justifica-se por ser necessária e legítima porque, em primeiro lugar, os dados da consciência costumam apresentar um número muito grande de lacunas tanto nas pessoas sadias quanto nas pessoas doentes. Podemos observar essa deriva em diversos atos psíquicos, como os sintomas, as parapraxias e os sonhos. Desse modo, uma objeção básica feita por Freud em relação aos outros teóricos diz respeito à equivalência entre o consciente e o mental. Em segundo lugar, Freud assinala que ao postular a existência de processos mentais inconscientes, isso não nos afasta de nosso modo de pensar habitual de que todos os atos e manifestações notados em si próprio, mas que não se sabe como ligá-los ao resto da vida mental, devem ser julgados como se pertencessem a outrem. É nesse sentido que Freud formula a hipótese se que existem atos psíquicos, carentes de consciência, que possuem características específicas e peculiaridades aparentemente estranhas ao indivíduo, mas que o determinam e, por meio de certos mecanismos, vão de encontro a atributos da consciência (sintomas, parapraxias, sonhos, chistes são todos fenômenos estranhos ao sujeito, mas que o constituem).

Com o recalque, o Ics. não se transforma em um abismo morto e estagnado. Ao contrário, permanece vivo e capaz de desenvolvimento, sendo a prova de sua continuidade os seus derivados. Tais derivados dos impulsos de natureza pulsional do Ics. são bastante organizados entre si, conseguindo irromper no Cs. em condições favoráveis na forma de sintomas e substitutivos, os quais são efeitos das transformações decorrentes do confronto com o Cs., mas que ainda conservam consigo muitas características que exigem recalque e que, ao mesmo tempo, nos permite acessá-lo.

Segundo Freud, alguns atos psíquicos podem transitar do sistema Ics. e Cs., mas não sem antes passar por certas transformações e se submeter ao certo controle efetuado pela censura que interpõem os dois sistemas. O efeito dessas deformações sofridas pelo ato psíquico até alcançar a consciência é o que denominados os sonhos, os sintomas, atos falhos e chistes, tais fenômenos são objetos de investigação psicanalíticas por revelarem o inconsciente, mesmo de forma modificada, mas condicional para a sua emergência no outro sistema.

Portanto, as idéias que compõem o Ics. podem produzir efeitos que podem atingitr o Cs. São precisamente esses efeitos que constituem a porta de entrada através da qual se pode chegar a um conhecimento do Ics. O sintoma é, desse ponto de vista, um desses efeitos que o Ics. pode produzir. É, portanto, através do que obteve acesso à Cs. que o Ics. pode ser vislumbrado. O trabalho psicanalítico nos elucida sobre que mecanismos operaram para possibilitar transformações e traduções que permitiram alcançar compatibilidade perante às exigências do sistema Cs. Além disso, nos elucida sobre como este processo não foi desacompanhado de resistências a partir das quais podemos ter noção pela observação clínica das resistências que acometem uma pessoa em análise. Em ambos os casos, estão em questão materiais que remetem ao recalcado e, por isto, são rejeitados do Cs., mas que podem ser influenciados justamente pela suposição de sua existência.

 

Nota:

1. Esse texto encerra a primeira etapa de uma revisão bibliográfica sobre o sintoma na obra freudiana, desde as publicações pré-psicanalíticas até os artigos metapsicológicos de 1915. Tanto este trabalho quanto os outros que se seguirão no curso da minha pesquisa serão parte integrante do meu trabalho de conclusão do curso de psicologia (UFRJ), sob orientação da profa. Dra. Tania Coelho dos Santos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREUD, Sigmund. Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

_______. (1893–1895). Estudos sobre a histeria, vol. II.

_______. (1894). As neuropsicoses de defesa, vol. III.

_______. (1895 [1894]a). Obsessões e fobias: seu mecanismo psíquico e sua etiologia, vol. III

_______. (1895 [1894]b). Sobre os fundamentos para destacar da neurastenia uma síndrome específica denominada “neurose de angústia”, vol. III.

_______. (1896). Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa, vol. III.

_______. (1900). A Interpretação de Sonhos (Parte II), cap. VII, vol. V.

_______. (1901). Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana, vol. VI.

_______. (1915). Artigos sobre Metapsicologia, vol. XIV.

_______. (1950 [1895]). Projeto para uma psicologia científica, vol. I.

 

Texto recebido em: 09/02/2009
Aprovado em: 27/03/2009