Considerações freudianas sobre a neurose obsessiva
Freudian concepts on obsessive neurosis


Sabrina Gomes Camargo
Psicóloga
Especialista em Teoria da Clínica Psicanalítica – Universidade Federal da Bahia
Mestrado em Psicanálise – Universidade Paris VIII
Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica – Universidade Federal do Rio de Janeiro
camargosabrina@uol.com.br

Resumo

Este artigo procura traçar o caminho investigativo freudiano na análise da neurose obsessiva. Através da leitura cronológica de textos pertinentes ao tema proposto, retomamos alguns dos pontos fundamentais sobre a neurose obsessiva, sobretudo referente à importância das primeiras experiências sexuais infantis, o papel da analidade, da dualidade pulsional e do superego na formação desta neurose. Para dar conta deste objeto de estudo, revisitaremos as obras freudianas, pois pensamos que é somente neste retorno à Freud, que poderemos avançar e propor novos desdobramentos sobre a neurose obsessiva, além de servir como passo preliminar na investigação das demais estruturas clinicas e da importância do diagnóstico diferencial em psicanálise.

Palavras-chave: neurose obsessiva, Freud, analidade, dualidade pulsional, superego.

 

Freudian concepts on obsessive neurosis

Abstract

This article aims to retrace Freud's investigation process when studying obsessive neurosis. Through chronological reading of his writings concerning the present topic, we shall follow some fundamental ideas on obsessive neurosis, especially referring to the first childhood sexual experiences, the role of anality, duality of drive and super-ego in the formation of this neurosis. In order to achieve the goal of this study we will return to the work of Freud, for we think only such a return will provide new grounds for the study of obsessive neurosis as well as serving as the first step in the investigation of other clinical structures and the importance of an adapted diagnosis in psychoanalysis.

Keywords: Obsessive neurosis, Freud, anality, duality of drive, super-ego.

 

O presente artigo tem por objetivo analisar as considerações freudianas sobre a neurose obsessiva. Para tanto, procurou-se fazer uma breve investigação cronológica nas obras de Freud, privilegiando aquelas em que é atribuída importância significativa ao estudo desta neurose. Sabe-se que após 30 anos da primeira publicação freudiana sobre este assunto, a neurose obsessiva continuou sendo, para Freud, um enigma e um dos temas mais importantes da sua pesquisa analítica.

Na nossa experiência clínica constatamos que o obsessivo é avesso às mudanças. Diferente da histérica que gosta de inovação, o obsessivo com sua ordem e método vive seu dia-a-dia de forma padronizada e ritualística. Certa vez, ouvi de uma paciente que as novidades, as mudanças que surgem em sua vida precisam se tornar suas velhas conhecidas para só assim poder se adaptar e viver bem. Quando o novo, o inesperado surge, o obsessivo se vê de mãos atadas, sem saber o que fazer com isso e consigo mesmo. Costume, rotina, hábito, repetição são estas as palavras que melhor definem um obsessivo, que procura abolir o próprio passado, resiste ao presente e amedronta-se ante ao futuro.

Para dar conta deste objeto de estudo revisitaremos as obras freudianas, pois pensamos que é somente neste retorno a Freud, que poderemos avançar e propor novos desdobramentos sobre a neurose obsessiva.

O artigo sobre “As neuropsicoses de defesa” (1894) destacou-se como o pontapé inicial de Freud na investigação da origem das neuroses. Neste artigo, ele começa a delimitar em dois grupos distintos o que ele chama de neurastenia e de psiconeurose. É sobre esta última, que compreende a histeria e a neurose obsessiva, que Freud inicia seu caminho investigativo resultando na presente publicação. Nesta, há uma inovação freudiana, pois ao invés de distinguir a histeria da neurose obsessiva, ele percebe algo em comum entre as duas, a origem traumática de experiências sexuais vividas na tenra infância, fazendo com que qualquer lembrança ou afeto que provenha desta experiência deva ser imediatamente afastada da consciência. De fato, não são as próprias experiências sexuais que agem traumaticamente, mas sim a sua revivescência, a sua lembrança no período da maturidade sexual. O trabalho do obsessivo, como também o do histérico, consiste em afastar e transformar a lembrança traumática em uma representação enfraquecida orientando-a para outros fins. É exatamente no fim dado a representação enfraquecida que reside a diferença entre a histeria e a neurose obsessiva. Enquanto na histeria a soma de excitação é convertida num processo somático afetando diretamente o corpo, na neurose obsessiva a representação enfraquecida persiste na consciência desvinculada de qualquer associação. Entretanto, o afeto anteriormente desligado desta representação, liga-se as novas o que explica a formação das representações obsedantes. Segundo Freud, “[...] a obsessão representa um substituto ou sucedâneo da representação sexual incompatível, tendo tomado o seu lugar na consciência” (1894, p. 59). É esta falsa ligação (mésalliance) entre o afeto anteriormente desligado com as novas representações que explica o teor absurdo do conteúdo das idéias obsessivas.

O estudo da neurose obsessiva tornou-se tão importante para Freud que num artigo posterior sobre “A hereditariedade e a etiologia das neuroses” (1896a), ele anuncia ter feito uma inovação nosográfica ao elevar a neurose obsessiva (Zwangsneurose) “como distúrbio auto-suficiente e independente” (1896a, p. 146). Neste mesmo artigo, Freud anuncia que o mecanismo psíquico das obsessões está mais próximo da histeria do que se imagina, focalizando nestas entidades clínicas o início do seu percurso investigativo. Neste texto ele prossegue com a mesma hipótese do anterior, de que a perturbação do sistema nervoso provém da vida sexual precoce do sujeito. Enquanto a histeria seria originada através de uma experiência sexual passiva, a neurose obsessiva teria como pano de fundo “[...] um evento que proporcionou prazer” (1896a, p. 154). Ao fazer do caráter ativo da experiência sexual infantil a origem da neurose obsessiva e da passividade a causa da histeria, Freud faz uma correlação desta última como predominante no sexo feminino e da primeira como caraterística do sexo masculino, hipótese abandonada mais tarde. Neste momento do seu estudo, a temporalidade cronológica em que ocorriam os traumas infantis era bastante valorizada, levando-o a compor uma tabela na qual a etiologia da histeria teria como fundamento traumas ocorridos entre um ano e meio e quatro anos de idade, enquanto na neurose obsessiva a experiência sexual ativa só se iniciaria a partir dos quatro anos.

Num artigo do mesmo ano, “Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa” (1896b), Freud descreve o curso típico da neurose obsessiva mostrando que as experiências antigas de prazer podem reaparecer na consciência (de maneira acidental ou espontânea) tornando-se assim passíveis de recriminação. Vale a pena ressaltar que, por detrás da neurose obsessiva, Freud percebe a presença de substratos de sintomas histéricos, na qual a existência de uma cena de passividade geralmente precede a atividade sexual. Ou seja, vemos aí, que a atividade sexual precoce parece implicar numa experiência de sedução anterior.

Ao atingir o período de latência, as lembranças que dizem respeito à atividade sexual precoce do sujeito passam pelo processo do recalcamento. Neste momento surgem sinais de vergonha, de desconfiança e de auto-acusação, principalmente quando uma idéia ou afeto ligado à lembrança das atividades prazerosas surge. Estas medidas de defesa aparentemente bem sucedidas podem vir a fracassar irrompendo em duas formas de neurose: segundo o conteúdo mnêmico e segundo o afeto.

Na primeira, o conteúdo da representação obsessiva é distorcido devido ao efeito do recalcamento, reprimindo a auto-acusação inicial e originando a desconfiança de si mesmo. Na segunda, o afeto referente à auto-acusação pode transformar-se em afetos obsedantes desagradáveis evocando a vergonha, a angústia religiosa, etc. Além destes sintomas que evidenciam o fracasso do recalcamento, a neurose constrói outros decorrentes da tentativa do ego em afastar sinais da lembrança traumática, classificados como defesa secundária. A defesa secundária caracteriza-se pelas ações e pensamentos obsessivos indo das medidas de precaução e de expiação até aos atos cerimoniais, estados de dúvida extrema ou numa vida de excentricidades e manias na qual o sujeito se pune por toda e qualquer ação realizada.

Após um período fecundo na investigação da origem das neuroses, Freud só retoma ao tema de modo significativo em 1907 com seu artigo “Atos obsessivos e práticas religiosas”. Para ele, os pensamentos, atos e idéias obsessivas estão presentes clinicamente nesta neurose. Através da análise do cerimonial religioso, prática utilizada pelos fiéis devotos para expiar a culpa pelo pecado cometido, Freud analisa o comportamento obsessivo.

Os rituais ou cerimoniais obsessivos são caracterizados por alterações nos atos cotidianos, acréscimos ou restrições, realizados sempre de maneira semelhante ou com pequenas modificações. Assim como os atos do cerimonial religioso possuem um sentido, a investigação analítica comprova que a mesma forma ocorre no ritual obsessivo, que surge como forma de afastar a lembrança ou afeto desagradável da consciência. Para o sujeito que o realiza, as pequenas formalidades rigorosamente cumpridas parecem ser desprovidas de sentido. No entanto, não é capaz de renunciar a elas, pois um breve afastamento do cerimonial já é capaz de gerar significativa ansiedade. Além disso, a natureza dos atos por si só nos mostra como o obsessivo é dominado por um sentimento de culpa desconhecido que se intensifica a cada momento de perigo. O cerimonial padronizado do obsessivo surge como forma de protegê-lo de situações que podem originar tentações já que exige o preenchimento de inúmeras condições e de etapas rigorosamente sucessivas que envolvem pausas, repetições, proibições e impedimentos.
É nesta analogia entre o ritual religioso e o comportamento obsessivo que faz Freud conceber a neurose obsessiva como o lado patológico da formação religiosa, caracterizando a neurose como uma forma de religião individual, assunto novamente abordado por ele em “Totem e Tabu” (1913).

Em 1908 com “Caráter e erotismo anal”, Freud introduz novas hipóteses importantes na sua pesquisa sobre a neurose obsessiva. O interessante deste texto é que não se trata diretamente do assunto “neurose obsessiva”, inclusive o termo nem sequer é mencionado, mas de três traços de caráter – ordem, avareza e obstinação intimamente interligados. Ao descrever cada uma destas características, notamos que as mesmas também estão presentes no obsessivo, o que faz deste texto tão importante ao nosso estudo.

Para Freud. estas três características nada mais são do que vestígios da intensa atividade da zona anal em um período sexual precoce da vida do sujeito. Segundo ele, estes sujeitos na infância “[...] parecem ter pertencido ao grupo que se recusava a esvaziar os intestinos ao ser colocado no urinol porque obtêm um prazer suplementar do ato de defecar [...]” (1908, p. 160) demonstrando o caráter fortemente erógeno da zona anal. Sabemos que, com a entrada na puberdade e a emergência dos norteadores educativos, estes sujeitos, através de um sintoma primário de defesa, como a vergonha, o nojo e o asco, deixaram para trás as excitações desta zona erógena, que se torna conhecida pela prevalência destes traços de caráter originados a partir de formações reativas contra os mesmos.

O caso clínico do Homem dos Ratos, paradigmático para o estudo da neurose obsessiva é publicado por Freud em 1909 sob o título “Notas sobre um caso de neurose obsessiva”. Neste momento, Freud admite a dificuldade em compreender a fenomenologia da neurose obsessiva se comparado à histeria, entretanto, seus argumentos parecem comprovar o contrário. Inicialmente ele revela que a linguagem da neurose obsessiva pode ser considerada apenas como um dialeto da histeria só que de forma muito mais compreensível visto que se assemelha “[...] às formas de expressão adotadas pelo nosso pensamento consciente [...]” (1909, p. 140). Outro motivo é não implicar o salto de um processo psíquico para uma conversão somática, como no caso da histeria. Sendo assim, Freud crê que o motivo da dificuldade de entendimento do mecanismo obsessivo dá-se pela pouca familiarização a estes pacientes, que dificilmente procuram um tratamento analítico ou quando assim o fazem, já estão num avançado estágio da doença.

O importante é que com este artigo, Freud inaugura uma nova clínica calcada na sexualização dos pensamentos e de suas conseqüências sobre o corpo. Através da narração do romance do Homem dos Ratos, Freud chega à cena fantasmática, demonstrada pelo suplício com os ratos. Na segunda sessão, o paciente conta a Freud com horror, um relato ouvido do seu capitão quando estava no exército, que descrevia um castigo oriental que consistia em colocar ratos famintos no ânus das vítimas de modo que provocasse uma morte dolorosa. Chama a atenção de Freud que, enquanto contava sua história, o paciente apresentava uma feição estranha, “[...] uma face de horror ao prazer todo seu do qual ele mesmo não estava ciente” (1909, p. 150). Após relatar a história a Freud, o paciente é acometido pela idéia obsedante de que este castigo era infligido simultaneamente a uma dama que amava e ao seu pai, embora este já estivesse morto. A lembrança do castigo reedita uma outra lembrança vivida pelo paciente, à época do exército, trazendo à tona seu juramento ante uma dívida. A verdadeira credora desta divida era, de fato, uma funcionária dos correios que havia pago as despesas da remessa de um pincenê, encomendado pelo paciente com urgência. O paciente, apesar de ciente disso, sentia-se pressionado a reembolsar a um tenente, que não tinha relação alguma com esta história. A ordem interior que o obrigava a quitar a dívida ia contra ao movimento inicial de que, se ele a pagasse, seu pai e sua amada poderiam ser infligidos pelo terrível castigo oriental. Este débito que o paciente assume e pelo qual transita toda sua história recaí numa lembrança do seu pai, que num jogo de cartas, perde uma soma considerável de dinheiro (a isso, Freud denomina de Spielratte, termo coloquial alemão para designar jogador e que literalmente significa rato-de-jogo). Ao vê-lo em tão delicada situação, um amigo resolve fazer um empréstimo, mas o pai do paciente nunca conseguirá quitar sua dívida.

Para Freud, a lembrança do castigo com os ratos evoca o erotismo anal do paciente. Ele estabelece uma equivalência simbólica onde os ratos passaram a adquirir o significado de dinheiro. Na cadeia associativa do paciente, a palavra Ratten (ratos) desencadeou Raten (prestações) e que posteriormente levou a Spielratte, referindo-se a dívida contraída pelo pai no jogo.

Implicitamente, o que se desvenda na análise do Homem dos Ratos é sua ambivalência de amor e ódio vivido na relação com o pai. O paciente passa a pensar na morte do pai, na medida em que este se coloca como um rival, impedindo, assim, a realização de seu desejo amoroso. Seus pensamentos, sob a égide do recalcamento, tinham o objetivo de suprimi-lo. A morte do pai faz o obsessivo se atormentar pela possibilidade de sua própria morte, daí a presença e manejo de técnicas de deslocamento, anulação, isolamento e negação.

A ênfase atribuída ao papel da zona anal no caso clínico do Homem dos Ratos faz com que Freud prossiga seu estudo na importância das fases libidinais na constituição do psiquismo. Em 1913, de posse de sua teoria dos estágios da libido, Freud demonstra que há pontos de fixação decisivos para a escolha da neurose e que no caso do obsessivo há uma regressão ao nível sádico-anal. Neste momento, ele abandona a hipótese de que a neurose obsessiva estaria relacionada ao caráter ativo das experiências sexuais e a histeria à passividade. A atividade é relacionada ao sadismo, enquanto que a passividade está ligada ao erotismo anal. Para Freud, a erotização da região anal pelo obsessivo é uma forma de defesa ante a emergência do desejo sexual.

Diferente da integração pulsional da etapa posterior (fálica), no período sádico-anal predomina a desconexão, uma dissociação entre as pulsões separando os componentes eróticos e os destrutivos. Segundo Freud, é o ódio, anterior ao amor, que estrutura o psiquismo humano. Neste momento é marcante a presença de polaridades entre erotismo/sadismo, amor/ódio, expulsão/retenção expressas em conflitos relacionados a ambivalências como a atividade/passividade.

Com “As transformações do instinto exemplificadas no erotismo anal” (1917), Freud continua com a mesma linha de investigação pautada na teoria da libido reforçando o caráter de regressão observado nos obsessivos. Para ele, “toda fantasia concebida em nível genital é transposta para o nível anal, sendo o pênis substituído pela massa fecal, e a vagina, pelo reto” (1917, p. 139). O ato de defecar constitui-se, portanto, como a primeira oportunidade onde a criança deve decidir-se entre uma atitude narcísica e uma de amor objetal. Neste momento, os significados simbólicos de dar e recusar atribuídos à defecação são transformados por Freud na equação fezes = presente = dinheiro, na medida em que são objetos solicitados pelo Outro.

A elaboração e consolidação dos artigos metapsicológicos de Freud representa um importante avanço na teoria psicanalítica. Além da nova nomenclatura nosográfica classificada em neuroses de transferência e neuroses narcísicas, Freud atribui especial relevância ao mecanismo do recalque na formação das neuroses. De posse disso juntamente com os achados oriundos do seu estudo sobre o inconsciente, a dualidade pulsional e o papel do superego, a análise da neurose obsessiva adquire uma nova roupagem.

No artigo sobre “O Ego e o Id” (1923), Freud afirma que o sentimento de culpa, característica marcante na neurose obsessiva origina-se de um conflito entre o ego e o superego. O sentimento de culpa é consciente fazendo com que o superego dirija toda sua hostilidade ao ego. Seguindo as ordens do superego, o ego procura empreender o recalque desviando as moções pulsionais provenientes do id. A severidade do superego pode ser explicada pela influência de componentes destrutivos próprios da fase sádico-anal. Nas palavras do próprio Freud,

“[...] a desfusão instintual e o surgimento pronunciado do instinto de morte exigem consideração especifica entre os efeitos de algumas neuroses graves, tais como, por exemplo, as neuroses obsessivas” (1923, p. 54).

Outra hipótese para a sua severidade é a de que “[...] o superego surge de uma identificação com o pai [...]” (Freud, 1923, p. 67) cuja conseqüência é a dessexualização ou sublimação da atividade pulsional propiciando uma desfusão. Deste modo, o componente erótico não é capaz de unir a agressividade que anteriormente encontrava-se combinada fazendo com que esta seja liberada sob a forma de uma inclinação à agressão e à destruição. Esta desfusão seria a fonte do caráter de severidade do superego.

Sob a luz da segunda tópica e da noção da pulsão de morte, a problemática da neurose obsessiva passa a ser explicada através do medo do ego em ser punido pelo superego. É nesta linha de investigação que Freud aborda o tema em “Inibições, sintomas e ansiedade” (1926), sua última publicação dedicada quase que integralmente ao estudo da neurose obsessiva.

Ao analisá-la, Freud classifica seus sintomas em dois grupos: o primeiro, incluindo as proibições, restrições e precauções e o segundo, englobando as satisfações substitutivas. Enquanto o primeiro grupo se caraterizaria como o mais antigo e estaria presente na forma inicial da doença, na medida em que esta se prolonga, as satisfações se instalam. A este mecanismo sintomático, Freud denomina de “bifásico”, próprio da neurose obsessiva, no qual inicialmente procura lutar contra o material reprimido, posteriormente elevando-o ao atributo de produzir satisfação.

O início do período de latência, como parte do desenvolvimento psíquico, é marcado pela dissolução do complexo de Édipo, pelo advento do superego e pela criação de barreiras éticas no ego. Agora, mais do nunca, as pulsões sexuais precisam ser dirigidas para outros fins abrindo espaço para uma pulsão socialmente permitida, como a do saber, por exemplo. Na neurose obsessiva este processo se intensifica, o superego torna-se extremamente severo e o ego, em obediência ao superego, produz formações reativas como a vergonha, o asseio, numa tentativa de impedir a entrada das catexiais libidinais do id. O papel do ego se torna tão restrito, que cabe a ele procurar e obter satisfação por meio dos sintomas.

Além da regressão libidinal, a luta travada entre o ego, o id e o superego delineia a problemática obsessiva. Neste conflito, Freud observa a existência de duas técnicas presentes no funcionamento obsessivo. Na primeira, de desfazer o que foi feito, uma ação primeira é substituída ou desfeita por uma segunda. O ato de desfazer está subjacente nos cerimoniais obsessivos, bem como nas medidas de precaução, na tentativa de impedir a ocorrência ou recorrência de algum evento. Ao procurar desfazer o que foi feito, o obsessivo procura anular seu passado, torná-lo inexistente, e esta mesma lógica está implícita no ato de repetir, pois a repetição é uma maneira diferente de fazer algo que não aconteceu como desejado. Outra técnica freqüente na neurose é a do isolamento. Enquanto na histeria um evento traumático pode cair na amnésia, na neurose obsessiva “a experiência não é esquecida, mas destituída de afeto, e suas conexões associativas são suprimidas ou interrompidas, de modo que permanece como isolada [...]” (Freud, 1926, p. 121). Ou seja, enquanto na histérica a atividade sexual precoce é recalcada e cai no esquecimento, no obsessivo é conservada na memória, mas destituída de toda e qualquer carga afetiva.

Este esforço em impedir associações de pensamento obedece, segundo Freud, a uma das ordens mais antigas da neurose obsessiva, o tabu de tocar. Evitando o toque, evita-se a “[...] finalidade imediata das catexias objetais agressivas e amorosas” (1926, p. 122). Isolar é remover a possibilidade de contato e impedir que seus pensamentos entrem em atividade com outras cadeias associativas. Na neurose obsessiva, o ego comporta-se como se estivesse travando uma luta constante, empenhando-se em manter afastada a intrusão de fantasias inconscientes e impedindo possíveis associações de pensamento, dai a dificuldade do obsessivo de entrar em análise. Freud observa a resistência do obsessivo ante a regra fundamental da psicanálise, tornando-a inútil ao utilizar-se da dúvida, de incertezas e de delongas.

O que caracteriza verdadeiramente o neurótico obsessivo está longe de ser as suas obsessões, sintoma também presente em alguns casos de histeria, mas sim a sua “habilidade” ao pensar. Diferente do histérico que age, se mobiliza, encena e faz de sua vida um espetáculo com direito a platéia, o obsessivo cogita, pensa. Diante da intensa ruminação mental, repleta de dúvidas, seu agir é suprimido. Isso não o impede de sofrer e de, assim como a histérica, ter o seu corpo afetado. No seu dia-a-dia, parece ser uma pessoa sem problemas, vivendo uma vida em que geralmente tudo vai bem. É uma pessoa respeitosa, com escrúpulos, educada, mas pobre em relações. Procura viver de forma impessoal, tentando ao máximo suprimir seu desejo geralmente diluído em necessidades ou tarefas minuciosamente cumpridas.

Foi sobre este sujeito que Freud dedicou parte de sua investigação e percurso analítico, nosso objeto de estudo deste breve artigo. Seguindo o próprio trajeto freudiano, a partir da leitura cronológica de seus textos, acompanhamos os desdobramentos desta entidade clínica.

Inicialmente vimos seus primeiros desenvolvimentos sobre a etiologia das neuroses intimamente relacionados à questão da experiência traumática infantil e da teoria da sedução. Neste momento, já se começava a vislumbrar a existência de um conteúdo sexual nas primeiras experiências infantis.

Este conteúdo sexual precoce aparece para Freud como um fator importante na perturbação do sistema nervoso do sujeito fazendo-o relacionar a vivência sexual passiva à histeria e as atividades sexuais à neurose obsessiva. Assim, histeria e neurose obsessiva passaram a ser definidas em termos de polaridade passivo/ativo, feminino/masculino.

A partir da publicação dos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905), Freud abandona a sua teoria da sedução pautada na origem externa de um evento sexual traumático, introduzindo as questões acerca da sexualidade infantil e do papel das zonas erógenas na formação do psiquismo. A questão do trauma ainda permanece, mas a importância não é mais atribuída ao trauma em si e sim à sua revivescência, à forma como o sujeito o narra e o coloca em sua história. A partir da teoria da sexualidade, as neuroses são apresentadas em relação à vida pulsional do sujeito. O que caracteriza a neurose, neste momento, é o recalcamento das pulsões sexuais e o destino atribuído a elas no psiquismo.

Com a publicação de “Caráter e erotismo anal” e do caso clínico do Homem dos Ratos, a neurose obsessiva passa a ser analisada tendo em vista os estágios do desenvolvimento da libido. Para Freud, há pontos de fixação decisivos na escolha da neurose, sendo a neurose obsessiva caraterística do período sádico-anal. A desfusão pulsional própria do período faz com que o componente erótico e a agressividade se desvinculem um do outro fazendo com que esta seja liberada de forma destrutiva. A isso se justificaria a origem do caráter cruel do superego.

O conflito travado entre o ego e o superego se coloca como uma das últimas considerações feitas por Freud ao seu estudo da neurose obsessiva. Ao empreender o recalque, o ego procura, em obediência ao superego, afastar as pulsões sexuais provenientes do id. Para isso, utiliza-se de formações reativas como o nojo, o asseio e a vergonha. O superego limita e comanda toda e qualquer ação do ego restando-lhe apenas obter satisfação por meio dos sintomas.

Em ultima instância, Freud afirma que o medo que o ego tem do superego, na verdade é o medo da morte que, numa análise mais profunda, desemboca no medo da castração.

Este breve percurso por Freud nos mostra o quão minucioso ele fora para com o estudo da neurose obsessiva e como, ao longo de sua obra, novas descobertas foram se acrescentando às antigas. A neurose obsessiva deixou de ser uma entidade atrelada à histeria, para adquirir estatuto próprio. Deixou de ser analisada apenas como um dialeto desta, mas como uma neurose com linguagem própria, por isso é tão importante falar-se dela. Este trabalho, mesmo que de forma preliminar, teve como objetivo um breve estudo sobre a neurose obsessiva em Freud e serviu como primeiro passo para adentrar no campo das estruturas clínicas e da importância do diagnóstico diferencial em psicanálise.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Texto recebido em: 08/07/2008
Aprovado em: 19/11/2008