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ALUCINAÇÃO

Andréa Martello (FAPERJ/PPGTP/UFRJ)
Renata Rosa da Costa (PIBIC/UFRJ)

A alucinação é retratada na teoria proposta por Freud como uma via de realização do desejo. Em “Projeto para uma psicologia científica” (1895) o teórico traz o conceito como uma tendência presente no psiquismo desde os seus primórdios. Nesse trabalho é trazida pela primeira vez a noção de que uma exigência interna inicial teria levado o organismo a buscar uma descarga, que, depois de possibilitada, inscreveu nele a memória da experiência de satisfação. Posteriormente, quando mais uma vez diante de tal exigência (a que Freud nomeou de desejo), a tendência primeira do aparelho psíquico teria sido a de reativar de forma alucinatória o traço mnêmico da experiência de satisfação. (FREUD 19150[1895]/ 1977, p.194)

Esse pensamento melhor se articula no capítulo VII de “Interpretação dos sonhos” (1900), quando Freud esquematiza seu primeiro modelo de funcionamento do aparato psíquico. Neste, operaria o que chamou de esquema do pente, baseando-se no arco-reflexo, que liga estímulo e resposta.  Nessa esquematização, o estímulo incide sobre o polo perceptivo e a resposta diz respeito ao polo motor. Entre eles se interpõe o sistema de memória e a função do pensamento. Esse par estímulo-resposta, característico do estado de vigília, obedeceria a um vetor progressivo.

Já o desejo, a fim de realizar-se, procuraria por meio do vetor regressivo (a partir do polo perceptivo) ativar os traços mnêmicos que dizem respeito a uma experiência de satisfação que foi capaz de outrora cessar o estímulo interno. Na obra, Freud vai mostrar que o vetor regressivo é próprio dos sonhos e da alucinação.

  O caráter alucinatório do desejo e a citada tendência à regressão são inibidos pelo psiquismo após ser criado nele um recurso cuja função é voltar-se para o mundo externo em busca da cessação do estímulo no lugar de fechar-se em si no alucinar. Essa hipótese fica bem clara quando em “Formulações sobre os dois princípios de funcionamento psíquico” Freud estabelece:


Apenas a ausência da satisfação esperada, a decepção, levou a que se abandonasse a tentativa de satisfação por meio alucinatório. Em vez disso, o aparelho psíquico teve que se decidir a formar uma ideia das reais circunstâncias do mundo exterior e em se empenhar em sua real transformação (...) A suspensão da descarga motora, que se tornou necessária, foi arranjada mediante o processo de pensamento(...) (FREUD, 1911/2010 p.111-115)

O trecho trata da substituição do princípio de prazer pelo princípio de realidade.  Este último, por sua vez, só pode entrar em ação onde há um ‘ego’ com reserva de catexia capaz de suprir a energia necessária para fazer valer a inibição. Inibição essa que consiste em adiar a satisfação de modo a dar tempo para que ‘indicações de realidade’ cheguem do aparelho perceptual. (FREUD 1917/1974)

A atividade alucinatória da psicose é explicada a partir da ideia de que haveria um apego ao objeto de desejo cuja consequência seria o esgotamento de toda atividade psíquica somado a uma incessante manutenção da catexia interna, que neste caso teria valor equivalente ao de uma catexia externa. (Freud, 1900/1972 p.516) Dessa forma, as alucinações seriam semelhantes aos sonhos, pois ambos têm em vista a realização de desejos inconscientes, e ocorrem assim, através de transformações das representações em imagens sensoriais (vetor regressivo). Além disso, também parte do sintoma neurótico é tido na teoria como uma realização de desejo inconsciente, ainda que parte represente uma reação a ele. (FREUD, 1900/ 1972, p.485 - 518)

A emergência de alucinações em psicóticos leva Freud a destacar nesses casos uma peculiaridade: a abolição do teste de realidade e consequente restabelecimento da antiga modalidade de satisfação. Sendo assim, no indivíduo psicótico estaria em cena a condição necessária para a ocorrência da alucinação, a saber, a possibilidade de a regressão ser levada a ponto de alcançar o sistema consciente, sendo assim, capaz de perverter o teste da realidade. (FREUD 1917/1974)

Segundo o criador da psicanálise, o fenômeno anteriormente descrito teria suas raízes no fato de na psicose o ego negar de modo radical uma perda que a realidade impõe, por achá-la insuportável. É a partir daí que o ego rompe sua relação com a realidade. No que o teste da realidade é posto de lado, as fantasias carregadas de desejo seriam capazes de exercer pressão avançando para dentro do sistema, sendo por ali consideradas como uma realidade melhor. Conclui-se que, na psicose a alucinação se torna possível devido ao fato do o ego do paciente se achar desintegrado a ponto de não operar o teste da realidade que impede o vetor regressivo. (1917/1974, p.137)

Indo nessa mesma orientação, em 1923 no artigo “O ego e o id” Freud vai dizer que a alucinação não é distinguível de uma percepção e pode surgir quando a catexia não se estende, mas se transfere inteiramente do traço mnêmico para o elemento perceptivo.

Freud pôde observar alucinações em pacientes não psicóticos. Ele propõe (1937) que uma característica geral das alucinações seria o retorno de algo que foi experimentado na infância. Algo que a criança vivenciou numa época em que mal podia falar e que força caminho para a consciência, deformado e deslocado pelas forças do recalque. No tocante as psicoses aventa a hipótese de que os próprios delírios a que essas alucinações são incorporadas não sejam tão independentes dos impulsos inconscientes como a principio se supõem.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Freud, Sigmund. (19150[1895]). Projeto para uma metapsicologia científica. Rio de Janeiro: Imago, 1977 p.395 -517 (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 1).
______. (1900). A interpretação de sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 1972. p. 361-660.
(ESB, 5).

_____. (1911) “Formulações sobre os dois princípios de funcionamento psíquico” São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p.108-121 (Obras psicológicas completas de Sigmund Freud, volume 10).

______. (1917). Suplemento metapsicológico à teoria dos sonhos. Rio de Janeiro:
Imago, 1974. p. 253-267. (ESB, 14).

______. (1923). O ego e o id. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 13-83. (ESB, 19)

_____. (1937). Construções em análise. Rio de Janeiro: Imago, ANO DA EDIÇÃO E PÁGINA